terça-feira, 27 de março de 2018

Embaralhamento do discurso


   No dia 18 de março, o Jornal do Brasil publicou artigo bastante interessante de Gilberto Scofield Jr. com o título "O pertubador embaralhamento do discurso no Brasil".
   Logo de início, Scofield trata da curiosidade de se considerar, aqui no Brasil, o comunismo como uma ameaça presente logo ali na esquina. Ainda mais, como eu sempre insisto, com um dogmatismo baseado quase integralmente na doutrina original de Marx. Em relação a isto, Scofield diz: "Triste notar que uma parte da população brasileira estacionou no vocabulário dos anos 1960/70, enquanto na Europa o 'comunismo' não é mais visto como ameaça". 
    Scofield dá um choque de realidade num "comunista" parado no tempo, quando diz: "o muro de Berlim foi derrubado há quase 30 anos! Cuba recebeu recentemente o Obama! A 'comunista' China é hoje uma das maiores economias no ranking dos países... capitalistas! A Coreia do Norte é uma país tão fechado que, pelo visto, não tem o menor interesse em espalhar sua ideologia além das suas fronteiras; etc. etc.".
   Mas, dá uma bronca em gente do campo ideológico oposto ao dizer: "Fica difícil ouvir um jornalista brasileiro evocando erros e crimes da velha URSS, num terrorismo ideológico caduco, só para derrubar ideais legítimos da esquerda hoje. Isso é uma desonestidade intelectual inaceitável".
   Bastante interessante é o que vem a seguir: "O que a maior parte da esquerda brasileira quer hoje é o que muitos países europeus capitalistas (não comunistas) já têm: saúde e educação gratuitas para todos, um salário-mínimo de aproximadamente R$ 4 mil (como na França), um seguro-desemprego decente e durável, auxílio-moradia para famílias desprivilegiadas (não para juízes ricos, como no Brasil), direitos humanos e trabalhistas assegurados". Mas o fechamento deste parágrafo é fantástico: "Enquanto na Europa esses são 'valores republicanos', aqui é 'comunismo'."
   O texto segue como boas ideias, como os conceitos de direita e esquerda serem embaralhados pelos políticos, de olho em seus próprios interesses; os debates deverem ser abordados por uma divisão entre progressistas e conservadores; os enganos de um partido com vocação progressista como o PT ter se corrompido pelos conservadores de sempre e etc.
   Mais próximo ao final, Scofield faz algumas perguntas - apresentando suas respostas -, como: "A LRF é de direita? Não acho. [...] O combate à inflação é de direita? Não [...] O Bolsa Família é de esquerda: Nunca. [...] As cotas são coisa de comunista: Só se você nunca ouviu falar em escravidão e suas consequências históricas".
   Vale a pena ler o texto, na íntegra, através do link: http://m.jb.com.br/artigo/noticias/2018/03/18/o-perturbador-embaralhamento-do-discurso-no-brasil/

O Capital


   Todos conhecem a extensão da opus majus de Karl Marx (1818-1883), mesmo quando se trata apenas do volume publicado durante a vida do filósofo alemão. Muitos desejam compreender melhor as ideias marxianas indo diretamente à sua obra, mas acabam por se intimidar diante do "tijolo" que é o livro. Normalmente, essa dificuldade é contornada com o uso de textos que resumem diretamente O Capital ou daqueles que explicam as teorias de Marx e, indiretamente, tratam dos seus escritos. Particularmente, acho uma boa saída. Mas... há um pequeno livro chamado Compêndio de O Capital, de Carlo Cafiero, que pode permitir esse acesso.
   Em princípio, essa poderia ser apenas mais uma sugestão de leitura, mas ela carrega um valor diferente de outros "resumos" ao Livro I de O Capital. Carlo Cafiero (1846-1892) foi um filósofo político italiano, que desenvolveu uma série de estudos sobre o anarquismo e o comunismo. Mas, especificamente no caso deste compêndio, houve certa "chancela" do próprio Marx. Vejamos esta estória.
   Cafiero enviou a Marx seu compêndio, junto com uma carta, em 23 de julho de 1879, concluída assim: "[...] recorro a vós para pedir o favor de dizer se, no meu estudo, consegui entender e comunicar a exata concepção de seu autor".
   Marx responde, dizendo que já tomara contato com tentativas de resumo de sua obra, e cita alguns defeitos destas. A aprovação da obra de Cafiero vem quando Marx escreve que as "tentativas pareceram fracassar em seu principal objetivo: despertar o interesse do público para quem os livros eram destinados. E é aí que está a enorme superioridade do vosso trabalho".
   A tradução brasileira foi publicada pela Hunter Books, em 2014
   

A tristeza do caso Marielle (2)


   Infelizmente, após as primeiras descobertas, feitas através de imagens de câmeras de segurança instaladas ao longo do trajeto percorrido pela vereadora Marielle Franco, não sabemos de nenhum avanço nas investigações. É certo que a Polícia pode estar mantendo as informações obtidas sob sigilo, a fim de não dar dicas aos responsáveis de que sua impunidade pode estar próxima do fim.
   De qualquer modo, o uso abusivo da imagem de Marielle continua a todo o vapor... de lado a lado. 
   Uns atacando a moral de Marielle; outros tomando suas bandeiras, de forma oportunista, pregando uma coisa e fazendo outra.
   Em nota no Jornal do Brasil, em 18 de março, Jan Theophilo escreveu:
   "Bola fora
     Em nota oficial, a direção do PT afirmou que o país vive uma 'escalada autoritária', que teve entre seus frutos a condenação de Lula, a intervenção federal no Rio e 'o assassinato da companheira Marielle Franco'. Comparar a execução de Marielle com a prisão de Lula é de um oportunismo político enojante".
    Aliás, o ex-presidente merece outra referência negativa. Durante sua jornada pelo Brasil, Lula tem sido hostilizado em alguns lugares na Região Sul. Certamente, nenhuma violência física deve ser admitida, mas gritos e vaias são manifestações pacíficas. Mas não é que o petista disse que a Polícia Militar deveria dar um "corretivo" nos manifestantes?
   

sexta-feira, 16 de março de 2018

Nazismo... direita ou esquerda?


   Leandro Narloch escreveu na Folha de S. Paulo, em agosto do ano passado, sobre o lugar do nazismo na usual classificação "direita-esquerda".
   Sabemos que o nome do partido nazista era Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães... logo, os nazistas eram "socialistas". Portanto, eram de esquerda.
   Mas... eles eram inimigos da URSS, combatendo o socialismo... logo, eram de direita. 
   Ué... ficou confuso.
   Vamos ao que explica Narloch.
   "[...] algumas propostas do nazismo, principalmente no início do movimento, têm toda a cara da esquerda. A primeira plataforma do Partido Nazista, publicada em 1920, defendia reforma agrária, divisão dos lucros de indústrias pesadas, estatização de grandes lojas de departamento, proteção social na velhice e proibição do rentismo e do trabalho infantil".
    Mas...
   "Hitler [...] não ligava para a igualdade, o principal valor da esquerda. Pelo contrário, a teoria dos nazistas se baseava na desigualdade - os mais fortes (para eles, os arianos) deveriam vencer e dominar os povos inferiores".
   Hitler não era um conservador, tanto que revolucionou a Europa com suas conquistas... mas também não era um liberal, dando destaque ao indivíduo, porque "O fasci, feixe de varas que deu nome ao fascismo, representa a ideia de que 'juntos somos mais fortes'. Assim como o comunismo, o fascismo e o nazismo eram ideologias coletivistas".
   O final do artigo explica que:
   "O ambiente político do começo do século XX se dividia entre democratas liberais e revolucionários anarquistas ou socialistas. O fascismo e seu correspondente alemão [o nazismo] surgiram como uma novidade que transcendia ideologias tradicionais [...]. Não eram comunistas nem liberais: admitiam o capitalismo, mas um capitalismo submetido aos interesses do Estado, do coletivo".
   Conclusão:
   "Os nazistas não eram nem de esquerda nem de direita: era a terceira via dos anos 1920".




A tristeza do caso Marielle

    A vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, do PSOL, foi brutalmente assassinada, como largamente noticiado pela imprensa.    A primeira linha de investigação toma tal homicídio como encomendado, e não fruto, por exemplo, de latrocínio. Ainda é cedo para qualquer conclusão, mas algumas coisas merecem ser destacadas porque parecem acrescentar uma dor que não precisava ser acrescida a um fato, por si só, tão terrível.
  Inicialmente, a questão do "excessivo" destaque dado à morte de uma vereadora. Alguns se manifestaram dizendo que foi dado muito relevo ao fato de a vítima ser uma vereadora, não se fazendo o mesmo quando se trata de um policial ou de uma pessoa comum. Ora, uma vida tem um valor incalculável - isso é um fato -, mas há que se compreender que há um simbolismo envolvido neste caso. A morte de uma autoridade - seja policial, juiz, presidente - parece transmitir um recado simples: "O Estado - através dos seus representantes oficiais - não tem condições de impedir que nós, bandidos, façamos o que quisermos!". O inverso também é verdadeiro. Quando uma autoridade encarcera - ou até mesmo chega a matar - um fora da lei, o recado parece ser: "Desistam, bandidos. Nós não permitiremos que vocês vençam!".
  Portanto, não se está afirmando que a vida da vereadora valha mais do que a de um comerciante, por exemplo. Óbvio que não é isso. O que se está dizendo é que uma morte desse tipo, em alguma medida, afeta a sociedade como um todo, porque sua intenção, aparentemente, é impedir que o conjunto da sociedade, apoiado por suas instituições, reprove e puna aqueles que descumprem as normas sociais.
   A segunda questão diz respeito ao uso ideológico - perceba-se que não falo em uso "político" - de tal crime. Ora, não é pertinente dizer que "Isso foi a continuação do golpe!", nem que "O culpado é o Temer!", muito menos "Não à intervenção!". Inadequado, por outro lado, mesmo sem apelar ao infeliz "politicamente correto", são as referências jocosas aos direitos humanos dos bandidos - bandeira da "esquerda" -, como numa espécie de "Agora vocês querem que eles sejam presos? Por que com os assassinos de policiais vocês não queriam?".
   Vamos tentar fazer uma crítica mínima desse tipo de pensamento raso. Não vendamos nossas consciências para as ideologias.
  Crimes têm que ser resolvidos e os responsáveis, punidos. Punidos, entenda-se, com o rigor da lei... que não é, há muito tempo, a Lei de Talião.
   Vamos ver o que ainda será descoberto...
  

terça-feira, 13 de março de 2018

Ainda citando...


   Essa parece meio epicurista, quanto à valorização dos bons momentos entre amigos, mas consta do rótulo de uma cerveja artesanal mineira chamada "Libertastes". Lá está, como sugestão de "harmonização":

   "A melhor harmonia de qualquer cerveja é com pessoas. De um modo leve, descontraído e despretensioso. Simplesmente contribuindo para sentir-se em paz, incrementando a sua felicidade".
  
   Que todas as cervejas possam ser bebidas assim... 
   

Francisco Bosco, da revista Cult


   Na revista Cult número 230, há uma coletânea de citações de Francisco Bosco. Recolhi algumas que achei mais interessantes. Lá vai:

- "Um pensador é alguém que nos oferece um modo de ver a realidade, de alguma maneira, como um todo";
- "'Estudo mostra que [...]'; 'Pesquisa demonstra que [...]', etc, quando o objeto não é o genoma dos ratos, e sim qualquer tema que envolva uma dimensão simbólica, a isso devemos chamar carteirada científica";
- "O discurso científico é o álibi perfeito para a ideologia, pois é o último lugar onde se esperaria encontrá-la"; e
- "Quem mais usa jargão é geralmente quem menos o compreende".

   Apesar da aversão contemporânea aos grandes sistemas totalizadores, concordo com a primeira citação... e vejo Spinoza bem caracterizado nesse "posto" de pensador.