terça-feira, 31 de julho de 2012

"A outra parte da Ética"

   O título do post é o mesmo de um dos capítulos do livro Uma suprema alegria, da fantástica Maria Luísa Ribeiro Ferreira. O texto se refere ao Livro V, da Ética.
   Particularmente, tenho muita dificuldade com este livro, principalmente no que se refere ao final do escólio da Proposição 20. Lá está escrito: "É, pois, agora, o momento de passar àquilo que se refere à duração da mente, considerada sem relação com o corpo".
   Nossa querida Maria Luísa diz que "O livro V não é um livro qualquer, não é um mero capítulo conclusivo". Mais à frente, ela escreve: "Talvez porque a compreensão deste livro pressuponha um saber que os outros livros trouxeram. Talvez porque ele se destina - nomeadamente a partir do escólio da proposição XX - a um público de iniciados, cuja aprendizagem foi já realizada pela meditação e vivência dos conceitos trabalhados nos livros anteriores".
   Fico com receio de que esse "a um público de iniciados" acabe ganhando ares de membros de uma seita spinozana.
   Entretanto, é inegável a importância deste livro, em relação ao conjunto. Maria Luísa indica, reforçando essa ideia, que "O Livro V refaz, condensando-os, os grandes trajectos esboçados nos outros livros". No final do texto, nossa mestra lusa reforça essa ideia, mas traz uma triste notícia: "Para a grande maioria, 'a outra parte' da Ética manter-se-á decisivamente impenetrável".
   Sabemos, então, que não é fácil entender esse trecho da obra spinozana. Mas não devemos sucumbir à facilidade interpretativa de achar que o "lado cabalístico" de Spinoza aparece inscrito com toda força nesta quinta parte da sua opus maius. A nossa querida mestra indica, um pouco antes, que "A Ética [...] Não é fruto de arroubos místicos nem de uma iluminação sem base. Há nela aspectos intuitivos, decorrentes de uma visão primeira. Mas esta intuição é imediatamente acompanhada pelo raciocínio dedutivo que a explica e justifica".
   Não devemos, digo novamente, sucumbir às facilidades hermenêuticas, transgredindo o espírito spinozano. Se não entendemos algo, devemos reconhecer sua dificuldade, sem tentar "forçar" uma solução que não se encaixa no quebra-cabeças geral. Mesmo que o reconhecimento da nossa impossibilidade de resposta continue perdurando por longo tempo.
   Esse me parece ser o engano de Margaret Wilson. Entretanto, sua posição é enaltecida por Don Garrett - a quem respeito muito. Este escreve, no seu artigo sobre ética spinozana incluído no Cambridge Companion to Spinoza: "Margaret Wilson convincentemente sugere que a linha final resulta de um simples equívoco da parte de Spinoza, e que deveríamos lê-la: 'É o momento de agora passarmos àquelas questões que dizem respeito à realidade da mente sem relação com a duração do corpo'."
   Sinceramente, gostei mais da explicação do próprio Don Garrett, do que daquela de Margaret Wilson. Entender a dificuldade de imaginar que Spinoza possa estar defendendo a "imortalidade da alma" diante do perecimento do corpo é importantíssimo, mas querer solucionar esse "problema" dizendo que o cuidadoso Spinoza, depois de trabalhar diversos anos sobre seu texto, tenha simplesmente "errado" na sua escrita é difícil demais.

Somos 76... ?!?!

   Num período de poucos posts, pelo menos passo por aqui para comentar a chegada de mais um amigo à nossa "confraria".
   O nome do 76º novo "amigo dos amigos", eu não sei; afinal,  no ícone aparece o de um Instituto. De qualquer forma, seja bem vindo... e contribua como achar mais conveniente.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Somos 75, agora...

   Apesar da minha "inadimplência" para com a atividade blogueira, eis que alguém nos visita e acaba se tornando mais um "amigo dos amigos". Esse foi o caso de nosso 75º amigo, o Bruno Flávio.
   Espero que ele possa participar do blog - aliás, melhor do que simplesmente aguardar isso, convido-o a fazê-lo. Se ele puder encontrar no blog alguma afinidade com seus pensamentos, ou até mesmo que surjam divergências, que acabem por produzir comentários, teremos todos grande alegria.
   Grande abraço. Seja bem vindo, Bruno.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Religião

   Alguns amigos do blog sabem que já fui budista. Apesar de considerar o Budismo uma doutrina interessante - ou, talvez, uma religião interessante -, tenho a clara noção de que não sou mais um "seguidor" da mesma. 
   Não se pode dizer que tive alguma grande decepção com o Budismo - como acontece com alguns "desencantados" com suas religiões de origem, que acabam por se converter a alguma outra. O que aconteceu, de fato, foi que a Filosofia me arrebatou por completo, e o pensamento mítico-religioso foi perdendo lugar em minha alma.
   Sempre pensei na religião como algo que pudesse tornar o homem mais humano - bem menos do que outras pessoas, que pretendem que o homem se torne mais divino - e mais feliz. E, isso, acabei por encontrar na Filosofia.
   De qualquer forma, para quem sente que a Filosofia é algo meramente "racional" - o que, em verdade, não é... ou melhor, não é só -, há filosofias claramente voltadas para o aspecto mais existencial do homem. E não me refiro, com isso, apenas ao Existencialismo. Penso, por exemplo, que as filosofias epicurista e estoica dão conta, plenamente, dessa dimensão existencial do homem, sem deixar nada a dever ao Budismo, e que podem facilmente ser adotadas como "religiões", no sentido de melhorar a vida do homem.
   A bem da verdade, o próprio Cristianismo absorveu parte do legado filosófico antigo, sendo não só um "Platonismo popular" - como afirmam alguns -, mas isto com uma mistura de Estoicismo. A Providência Divina, por exemplo, está totalmente apoiada nesta última escola helenista.
    Portanto, se alguém "precisar" de uma religião de primeira linha, sugiro a Filosofia... e, principalmente, o Estoicismo. Rsss. Nada de ir ao Oriente buscar "velhas novidades", nós já temos "rivais" bastante adequadas no nosso Ocidente mesmo. 

O "homem livre" spinozano

   Vez por outra, dou uma passeada pelos blogs dos amigos. Um pouco mais raramente, dou meus "pitacos" nos assuntos lá tratados. A andança mais recente, com direito a opiniões, foi no blog do amigo Aníbal.
   O assunto da vez foi a concepção de liberdade. Em determinada altura, havia uma colocação sobre a questão da "liberdade total" do homem.
   É interessante perceber que Spinoza toma o "homem livre" como um "modelo de natureza humana", que pode ser útil como um paradigma, mas que não é realizável para o ser humano.
   Aliás, sobre isso, Don Garrett, no artigo Spinoza's ethical theory, publicado no Cambridge Companion to Spinoza, escreve claramente: "absolute freedom is an approachable but unreachable ideal".
   Essa é, inclusive, uma das grandes diferenças entre o pensamento estoico e o spinozano. Enquanto os primeiros percebem a possibilidade efetiva de um ser humano se tornar o "sábio estoico", Spinoza não concede o mesmo, no que diz respeito ao "homem livre". Se o "sábio estoico" pode se "materializar" em um homem de carne e osso, o "homem livre", por sua vez, não poderia.
   Isso, entretanto, não é uma perda do pensamento spinozano, mas a marca do realismo do mesmo. O homem factual estará sempre submetido a algum grau de paixões; portanto, nunca poderá ser gozar de "liberdade total", que, por definição, corresponde a uma vida totalmente ativa, plena de potência de agir. 
   Por outro lado, ainda Garrett, no mesmo artigo citado diz: "The literal truth expressed in the idealizing portrait of the free man is that certain kinds of behavior become more prevalent as one becomes more free - that is, they vary proportionately with freedom". Ou seja, ainda que não haja a "liberdade absoluta", há a "liberdade relativa", na qual o homem se torna "mais livre". E é essa que nós buscamos, pois ao homem mais livre cabe uma maior felicidade... e, com isso, uma proximidade maior daquela "felicidade constante e suprema", a que Spinoza chama "beatitude".

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Livro sobre Ética

   Muitos dos amigos conhecem o trabalho de divulgação da Filosofia realizado pelo francês Roger-Pol Droit. Eu tenho vários dos seus livros.
   Já há algum tempo, sou leitor de Droit. Os dois livros dedicados à sua filha - pelo menos no título, embora eu não saiba se isso é uma feliz metáfora para indicar que o texto tem uma abordagem adequada a neófitos -, de títulos "A Filosofia explicada à minha filha" e "As religiões explicadas à minha filha", são espetaculares. Tenho meus exemplares guardados para "utilizá-los" com a minha própria filha... num futuro breve.
   Há um texto mais "potente", que é o "A companhia dos filósofos", mas que também atende bem àqueles que querem ir explorando o solo da Filosofia sem entrar no mundo dos filósofos diretamente pela produção destes.
   Voltando mais à concepção da divulgação dos textos de Droit, temos dois outros livros interessantes. Comprei-os, mas ainda não pude lê-los. São "Filosofia em cinco lições" - Ah, isso é impossível!!! - e "Um passeio pela Antiguidade". Com este último, eu já travei um pouco mais de "amizade", olhando algumas passagens. Além de Sócrates, Epicuro e Sêneca - que são citados diretamente na capa do livro -, há capítulos em que aparecem Homero, Virgílio, Aristófanes, Heródoto, Ésquilo, Sófocles... enfim, uma "rapaziada da pesada". Ou seja, o livro não trata apenas de filósofos, mas de pensadores da Antiguidade de um modo geral, o que é muito interessante para quem gosta de entender o caminho que nos trouxe até esse "Ocidente" que habitamos.
   Entretanto, o título de Droit que me motiva a escrever é o seu mais recente escrito, "Ética: uma primeira conversa". É um livrinho bem pequeno, na mesma linha dos "à minha filha", mas que me parece fundamental para quem quer se situar no mundo de hoje, a partir dos questionamentos éticos que nossa realidade quotidiana produz.
   O livro, penso, capacita qualquer um a se preparar para refletir sobre esse assunto tão importante que é a Ética. Começando com uma historiografia da palavra "ética" - inclusive, com a inescapável pergunta sobre a diferença desta com a moral -; passando por uma explicação sobre o objeto de que trata a Ética; avançando sobre a questão da ética leiga e da religiosa; para expor concepções como ética das virtudes, dos deveres e das consequências; e, enfim, expor as dificuldades de aplicação efetiva do que se produz no pensamento ético no nosso quotidiano.
   Adorei o livrinho e o aconselho a todos - filósofos, amigos da Filosofia ou seres que vivem em sociedade, como todos nós, que precisam conviver entre si, com algum grau de humanidade.
   Um comentário a mais. O livrinho contém apenas uma referência ao nosso querido Spinoza. Mas, pelo tamanho da obra, até que não se pode reclamar. Lá está escrito: "... o livro mais célebre de Espinosa, filósofo que viveu na Holanda no século XVII, se intitula simplesmente Ética, e, nesse texto célebre, ele elabora um sistema do mundo completo, para explicar como viver a vida mais perfeita possível".
   Faltou apenas dizer que a proposta spinozana é de que o homem alcance uma felicidade suprema e duradoura - o que não é pouco -, através do que nosso filósofo chama de Ética.

Planeta Terra, voltei...

   Normalmente, o mês de julho é muito produtivo, no que diz respeito ao blog. Excepcionalmente, entretanto, esse mês de julho foi muito complicado para mim. Por isso, fiquei completamente afastado deste espaço de amigos.
   Peço desculpas àqueles que por aqui passaram e não viram nenhuma novidade. Tentarei remediar isso nos próximos dias, com alguns posts a mais.
   Grande abraço a todos os amigos dos amigos.