quarta-feira, 30 de março de 2011

Occhio Café

   Mais um "bom encontro", aos moldes spinozanos, aconteceu ontem. Lendo, há algum tempo, uma matéria sobre cafeterias instaladas na cidade de Niterói, fiquei sabendo de um evento chamado "Notas filosóficas" na Occhio Café. Telefonei, no mês passado, para lá e tomei ciência de que o evento era mensal, sendo que a retomada deste ano ocorreria ontem, dia 29 de março.
   Embora não conhecesse o "formato", nem o tema, arrisquei-me - ao lado dos meus inseparáveis companheiros filosóficos... e etílicos Levi e Henrique - a ir. Chegamos no espaço - uma cafeteria anexa ao Hospital de Olhos de Niterói -, sendo muito bem recebidos; fizemos um lanchinho e aguardamos o começo do evento... aí, já conhecedores, pelo menos, do formato e da proposta.
   A ideia é sempre de um debate filosófico, provocado a partir da apresentação de um tema específico - ontem, a "identidade" -, pelo simpático professor Silvério Ortiz, apoiado em uma produção musical de algum artista específico - ontem, Elis Regina. Desta vez, entretanto, havia uma novidade: em vez de vídeos - se bem que houve um, com entrevista da "Pimentinha" -, um pequeno "voz e violão" - fico devendo, por enquanto, os nomes do excelente violinista e da ótima cantora.
   O público é variado, contando com amantes da filosofia; alunos do próprio Silvério; professores de onde ele leciona e etc. Esse é sempre um grande desafio para quem vai apresentar algo sobre a Filosofia: despertar o interesse e prender a atenção de um público multifacetado, com conhecimentos de diversos "graus".
   E foi essa a "empreitada" da qual o professor Silvério deu conta. Entre uma pequena explicação e preparação para o que seria "dito" pela música e, depois de ouvida esta ou um trecho da entrevista, algumas observações sobre o tema, provocando a reflexão individual, chegamos ao final com o gosto de "quero mais".
   Como eu disse, foi um "bom encontro", já com data marcada para se repetir - a última terça-feira do mês de abril. Segundo pudemos perceber, o tema será "Existencialismo", apoiado na produção artística de Milton Nascimento.
   O endereço do espaço é Av. Sete de Setembro, 227. 
   Vale a pena conferir.
   Por último, nosso agradecimento a todos que nos receberam bem, fazendo questão de que nos sentíssemos velhos amigos do prof. Silvério e do local.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Ateísmo prático

   No post anterior, eu falava de um quase "monoteísmo subversivo", que tenta, por métodos escusos, oficializar seus "valores" no seio de uma sociedade democrática. Faz isso trocando apoio - leia-se "votos" - por promessas de deixar de tratar questões sociais como tal, por rotulá-las como questões de fé.
   Eu só não lembrei de uma peculiaridade brasileira: a falta de seriedade em tudo o que fazemos.
   Não, não... não vou citar casos de políticos "cristãos" que oram antes de "aliviarem" os cofres públicos do excesso de dinheiro que eles contêm; nem de representantes de Deus na Terra que são pegos em situações mais embaraçosas do que os "mijões" de rua do carnaval carioca. Não! Definitivamente, não é disso que vou falar. Vou lembrar apenas os "pequenos delitos" que vemos no nosso quotidiano: são rapazes com adesivos "Deus é fiel!" que transitam pelos acostamentos nas estradas engarrafadas; são "honestos" fieis que fazem seus "gatos" de água, luz, internet e TV a cabo.
   Talvez seja justamente essa falta de seriedade em tudo o que fazemos que não nos deixe ser dominados por um totalitarismo religioso aos moldes do Irã. Por aqui, os líderes religiosos acabariam fazendo suas "festinhas" com dinheiro público, onde beberiam o mais fino champagne francês, ouvindo a mais nova música que veio do outro lado do mundo... e não ficariam tão preocupados em recriminar o "Zé Povinho" por fazer o mesmo... guardadas as devidas proporções no preço da "farra".
   Por um certo aspecto, então... Viva a falta de seriedade do brasileiro!!!
   Lembrei de um texto do célebre filósofo francês, católico, Jacques Maritain, chamado "A significação do ateísmo contemporâneo". Neste opúsculo, Maritain, como teísta, obviamente tentará demonstrar a falta de coerência do ateísmo. Nada que se estranhe. O mais curioso, entretanto, é que, antes de atacar o ateísmo dogmático - digamos assim -, ele constrói uma teorização sobre os tipos de ateísmo. Ele, então, divide o "ateísmo" - que ele diz não ser apenas um, mas vários - em: (1) ateísmo prático; (2) pseudo-ateísmo e (3) ateísmo absoluto - este último é o que ele pretende refutar.
   Sem me deter muito no texto, o mais interessante, nessa abordagem que faço da falta de seriedade tupiniquim, é o "ateísmo prático", que diz respeito àqueles que pensam crer em Deus, mas vivem como se Ele não existisse, ou seja, são aqueles que furam fila; andam no acostamento; fazem ligações clandestinas; enganam os patrões em seus serviços; etc. e tal.
   Resumo da ópera: o Brasil é a população mais "ateia prática" do mundo... mas que Bento XVI não saiba disso!

Ali Ahmad Said Esber

  Ainda do jornal O Globo de sábado... mas, agora, do Caderno "Prosa & Verso".
   O encarte cultural publicou uma entrevista com o autor ali... ali do título do post... o Ali Ahmad, que atende pelo pseudônimo - esse negócio de "alcunha" pode causar mal estar - de Adonis. Segundo o jornal, trata-se do "maior expoente da poesia árabe moderna", que infelizmente não possui nenhuma obra publicada no Brasil. Apesar de eu não ser muito fã de "poesia traduzida", abriria uma concessão para poemas escritos em árabe.
   Uma resposta me fez lembrar logo a Revolução do Irã... que deve ecoar também na cabeça daqueles que ficam indecisos se apoiam francamente ou com ressalvas essa onda de independência no Oriente. A pergunta do jornal foi "Há condições para a democracia laica nos países árabes? Que papel a religião deve ter nessas sociedades?". Antes de entrar no âmbito da resposta, quero lembrar que grande parte da preocupação ocidental - não sei se por excesso de egoísmo ou de lucidez - é sobre o que se tornarão os países do Oriente quando estiverem livres dos seus Kadafis e Mubaraks. Muitos analistas preveem totalitarismos muçulmanos, aos moldes do atual Irã, com sua democracia "de mentirinha", capitaneada pelo presidente "eleito" Ahmadinejad... aliás, é o que temo.
   Mas passemos à resposta de Adonis, que faz uma reflexão um pouco mais radical do que a minha:
   "A questão não é propriamente a religião, e sim o monoteísmo, que para mim é essencialmente antidemocrático. Seja cristão, muçulmano ou judaico, o monoteísmo acredita possuir a verdade última. Nessa situação, o indivíduo [...] deve apenas crer e obedecer. Como pode haver democracia assim? [...] Só podemos ser democratas se as crenças religiosas se tornarem hábitos individuais. Muçulmanos, cristãos e judeus devem ter seu espaço, mas a sociedade não pode ter religião, ela é dos seres humanos [...] É preciso separar a política da religião, o que soa simples, mas não é. [...] Em vez de disputar quem tem a verdade última, devemos acreditar que a verdade é uma busca comum e que ela está no futuro e não no passado".
   Eu, como "fundamentalista" de uma sociedade erigida sobre bases laicas, só posso concordar com o Sr. Adonis. Mas o que chama mais atenção é o diagnóstico - perfeito, segundo penso - de que não se trata apenas do perigo dos "fundamentalistas" muçulmanos, mas de qualquer doutrina/ideologia dogmática e excludente, que, no caso específico - já que a pergunta foi sobre a religião -, diz respeito a todas as religiões monoteístas.
   Embora vivamos, aqui no Brasil, numa sociedade muito mais aberta à participação de diversas perspectivas religiosas, é impressionante constatar que candidatos à Presidência tenham que, por exemplo, reunir-se com representantes de uma "linha" doutrinária específica para assumirem compromissos de não enviarem projetos de lei sobre temas determinados, considerados interditados à discussão por parte dos "religiosos", para poderem continuar com a esperança de receberem seus mandatos.
   A separação entre Estado e Igreja(s) - que realmente parece tão óbvia - não se efetivou completamente em muitos locais do mundo. E assim, continuamos reféns de dogmatismos e irreflexões assumidos, mesmo que reconheçamos que essas "verdades" religiosas se esboroaram desde que Galileu apontou seu telescópio para os céus.
   A lição que aprendi com o Sr. Adonis é que não preciso me preocupar apenas com os "fundamentalistas" muçulmanos no poder, mas com qualquer monoteísta - mesmo os "lights" -, porque eles já possuem suas verdades prontas, as quais não pretenderão discutir com ninguém... até porque seu "Critério de Verdade" - epistemologicamente falando - já está dado desde sempre: a fé revelada, que disse tudo o que era necessário saber... e ponto final.


Marcelo Adnet

   Tenho andado com muita vontade de postar, mas o tempo - ou a falta dele - não tem ajudado. Aos poucos, então, solucionarei essa "demanda reprimida" postando umas coisas "antigas" que me foram passando pela cabeça.
   A primeira dessas "antiguidades" vem da coluna do Marcelo Adnet, em O Globo de sábado passado.
   O sempre brincalhão Adnet tocou o dedo em feridas brasileiras com bastante seriedade. Ainda sob o impacto das notícias da vinda de Obama e da "necessidade" dos rivais futebolísticos Flamengo e Vasco entregarem suas respectivas camisas para o mais poderoso homem do mundo, Adnet escreveu:
   "Fora a relevante motivação histórica cruzmaltina [referindo-se ao fato do Vasco ter sido o primeiro time a lutar pela inclusão dos negros no futebol], acho esse clássico político-publicitário lamentável, por ser parte desta onda espetaculosa do futebol. Segurar uma camisa é sinal de apreço e admiração ou simplesmente um favor prestado a uma autoridade local? Deviam ser mais originais e entregar a ele uma camisa do Friburguense, para lembrar o recente drama na serra, ou até do Japão, solidários que somos a esta terrível tragédia. Quem sabe até uma camisa do Brasil, este país em que vivemos. Mas não conseguimos deixar de puxar a sardinha para o nosso lado e confirmar certa mesquinharia de espírito. Tentamos usar Obama como trampolim para nossas paixões pessoais".
   A segunda ferida que Adnet tocou foi a da falta de estrutura "crônica" brasileira. Bastaria lembrar os sinais de preocupação que já foram dados pela Fifa, no que diz respeito à realização da Copa de 2014 no Brasil, para sentir a força do problema. Obviamente, restringindo-me ao campo futebolístico - "campo", figurativamente, é claro! -, pois o Brasilzão político, econômico e social dá mostras muito mais vívidas dessa ausência de estrutura. O pior, entretanto, é o insistente "tapar o Sol com a peneira" das nossas autoridades, que negam o óbvio, mostrando pequenas e isoladas conquistas e avanços que pouco contribuem para retirar das nossas costas essa "cruz" de desorganização crônica.
   Adnet, numa coluna que é esportiva, escreve o seguinte sobre o assunto, aproveitando a "deixa" da saída do Muricy do Fluminense:
   "Marketing demais, homens que se acham mais importantes que seus clubes, falta de estrutura no Rio, em Itaperuna e no Brasil inteiro, com recorrentes mal (sic) exemplos vindos de Brasília. A falta de estrutura, desculpa perfeita e esfarrapada de Muricy, está por todos os lados e não é só do Flu. A falta de estrutura é nossa. Olho para os lados na caótica São Paulo e me pergunto - isso é progresso? Muito dinheiro para o patrão e que se dane a população. Enxergar através da parede do curto prazo e reforçar as raízes para o futuro não é tão fácil quanto parece. Mas vamos esperar e acreditar que dias mais estruturados virão".
   Encerrei a leitura do texto e a última frase do Adnet fez-me lembrar o pensador italiano Antonio Gramsci: "Pessimismo do intelecto; otimismo da vontade".
   A verdade é que o comediante Adnet parece ter acabado se rendendo à pessoa inteligente que é o fundamento daquele que nos faz rir. E nessa concessão, o Sr. Marcelo Adnet, o sério, apareceu com ótimas reflexões: "marketing demais" [na sociedade como um todo, e não apenas no futebol]; "maus exemplos vindos de Brasília" [infelizmente, menos no futebol do que na política]; "desculpa perfeita e esfarrapada do Muricy" [mostrando que mesmo uma desculpa esfarrapada pode ser perfeita... Que aprendam aqueles que têm que se defender de um batom na cueca!]; "A falta de estrutura é nossa" [para azar de nós brasileiros, terceiro mundistas]; "... caótica São Paulo... isso é progresso?" ["ordem e progresso" é o lema, mas parece que precisamos trocar por "caos e progresso"] e "enxergar através da parede do curto prazo" [enquanto permanecermos enaltecendo tanto o "jeitinho brasileiro", tenderemos a deixar de valorizar o planejamento sério e que dá frutos frondosos e suculentos a longo prazo].
   Resumo da ópera: parabéns, Adnet! 

quinta-feira, 10 de março de 2011

Vivendo filosoficamente

  Leio, no momento, "Realidade - Conhecimento - Filosofia - Uma introdução à metafísica e à epistemologia", de Stephen Hetherington, publicado pelo Instituto Piaget, de Portugal. Aliás, o título original é bem mais agradável para os empolgados com a Filosofia, pois é "Reality? Knowledge? Philosophy!", quase dando a entender que a Filosofia tem as respostas para todos os nossos questionamentos envolvendo a realidade e o conhecimento do mundo.
   Trata-se de um livro bastante leve - apesar dos temas "pesados". Penso ser interessante mesmo para aqueles que não querem se aprofundar tanto em Filosofia, mas que nutrem alguma simpatia pelo assunto. No livro são discutidos temas como "pessoas vs. seres humanos"; "livre arbítrio"; "Deus"; "o significado da vida"; "a morte"... e por aí vai.
   Depois de responder um comentário do meu compadre, decidi colocar como post um trecho do livro com o título "Vivendo filosoficamente", que aparece, no original, depois de "vivendo eticamente", no interior da discussão sobre o que dá significado às nossas vidas. Embora seja um trecho relativamente longo, acho que vale a pena ser lido. Lá vai...
   "Com frequência, as lutas e incertezas das pessoas são filosóficas, por vezes sem se darem conta disso [...] Em anos recentes, por exemplo, emergiu o que é na aparência uma nova forma de tentar com que a vida das pessoas seja mais significativa, tornando-as mais filosóficas. É o que se chama de modo genérico aconselhamento filosófico [Penso que, no Brasil, costumamos usar mais a designação "Filosofia clínica"]. Desconheço sua eficácia; menciono-a apenas como uma ideia interessante. Um terapeuta filosófico escuta a descrição feita pelo paciente do que o deixa perplexo em relação ao mundo e ao modo de viver. E por vezes, parece claro que os problemas subjacentes dos pacientes são filosóficos, e não psicológicos. Por exemplo, o paciente pode não saber se o que está a sentir é de facto amor ou se é amado em troca. O que é o amor? O que é o conhecimento? O que é o conhecimento da mente pessoal do indivíduo? O que é o conhecimento da mente do outro? Estas são questões filosóficas sobre a realidade e o conhecimento. Um conselheiro pode indagar que opiniões filosóficas o paciente já defende em relação a estas questões, antes de o introduzir a pedaços de filosofia com os quais clarifica e alarga essas opiniões. Isto pode mesmo revelar o que fazer. A questão de pensar cuidadosamente não é apenas tornar-se mais articulado. Pelo contrário, é aumentar o rigor e a profundidade da concepção individual do mundo e do lugar que nele ocupamos [...] Claro que uma vida com significado pode não ser confortável [...] Qualquer conselheiro [...] que não nos confronte com a possibilidade de as nossas perspectivas pessoais serem falsas não é nada filosófico na sua interacção connosco."
   Ainda não cheguei à metade do livro, mas já encontrei algumas opiniões interessantes. Como de costume... depois escrevo mais!