sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

"A Filosofia na alcova"


   Eu sempre tive curiosidade de ler o Marquês de Sade. Eis que chegou o momento, depois de eu passar pela Livraria Cultura e ver uma nova edição de "A Filosofia na alcova". Bem... é um livro de Filosofia. Portanto, estou a estudar. Rsss.
    Quando existe alguma introdução ao livro, eu procuro ler. Neste exemplar que tenho existe um posfácio de mais de quarenta páginas. Comecei por ele, então. 
   Mas antes de registrar uma coisa que me chamou muita atenção, queria escrever o que está numa pequena nota da editora, logo no início do livro, justificando a publicação desse texto sadeano, a fim de esclarecer quem era o "sujeito".
   "Donatien Alphonse-François, o marquês de Sade (1710-1814), foi certamente um dos autores da literatura universal que mais sondaram os limites do homem, trazendo à luz (em pleno Iluminismo) aquilo que a cultura sempre tentou ocultar: a violência do erotismo em suas mais variadas formas de transgressão. A tônica de seus principais romances, escritos ao longo de quase trinta anos em onze diferentes prisões sob três regimes distintos, é a da libertação do indivíduo mediante a corrupção dos costumes. Relegado ao esquecimento por muito tempo (somente o século XX o restituiu à luz e o consagrou), o perseguido autor de Justine e tantos outros livros escandalosos, 'o espírito mais livre que jamais existiu', nas palavras de Apollinaire, é hoje considerado um clássico, ao lado de Racine ou de Shakespeare, um dos maiores escritores de sua época". 
   Gostei de "o espírito mais livre que jamais existiu"!
   Mas o que me chamou mais atenção mesmo foi quando o tradutor - que apresentou o trabalho como dissertação de Mestrado na USP -, explicando como o século XVIII interpretava o conceito de "natureza", diz: "A natureza, em Sade, é deus destituído da divindade", e prossegue "[...] na natureza reside a verdade do homem" - e agora vem propriamente o que me chamou atenção - "Convém frisar que a ideia do homem como efeito da natureza já se encontra em Espinosa". 
   Spinoza e Sade?!?!? Um panteísta e um materialista... Sei lá... Achei meio forçada essa aproximação. Mas, vá lá que seja, quem diz é o tradutor. 
   Contudo, não se pode negar que o filósofo Michel Onfray, em seu Contra-história da Filosofia, no terceiro volume, que tem como título "Os libertinos barrocos", inclui Spinoza entre estes "libertinos". Lá também, eu já havia enxergado um certo exagero em incluir o holandês no movimento, mas... 
   Agora, não podemos deixar de perceber o antagonismo entre o "espírito" das filosofias de Spinoza e Sade. Nada de depressão do conatus do outro como forma de se vivificar e de se alegrar está presente no corpus spinozanum, ao contrário do que acontece em Sade.
   O mais interessante, entretanto, é encontrar Spinoza num comentário a Sade. E era isso o que eu queria destacar.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

"Lições introdutórias à Ética de Espinosa"


   O título do post é o mesmo de um livro publicado em 2013 pela Via Vérita Editora. O autor do livro é Marcos André Gleizer.
   Eu já comprei o livro há algum tempo, mas não estou conseguindo iniciar a leitura, por conta dos vários compromissos que me vão dirigindo a outros textos.
   O fato é que os "ares spinozanos" me fazem muito bem, e eu estava sentindo falta de respirá-los.
   É certo que não haverá grandes descobertas, mas a possibilidade de fixar melhor alguns conceitos já me traz alegria. 
   Comecei, então, a ler a Introdução. Vamos ao primeiro parágrafo.
   "A filosofia de Baruch Espinosa é uma das mais fascinantes e ousadas produções do espírito humano. Seu sistema filosófico, exposto em sua obra magna, a Ética demonstrada à maneira dos geômetras, ocupa uma posição singular na história da filosofia pela síntese original que promove entre as exigências do saber, as demandas da afetividade e o anseio de liberdade".
   Caramba! Mesmo se eu não tivesse a mínima simpatia por Spinoza, depois dessas linhas introdutórias, ficaria super interessado em conhecer mais a fundo o pensador.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Pós-carnaval


   Depois de ouvir muito sertanejo e funk no carnaval... ah, é... teve um pouquinho de samba também, eu voltei para casa querendo um pouco de rock'n'roll. 
   A despeito da reclamação da minha mulher, coloquei uma coletânea do Rush no som da sala e aumentei o volume. Maraviiiiiilha!
   O trio foi desfilando suas músicas diante dos meus ouvidos atentos, até que chegou "Closer to the heart" - será que alguém não gosta dessa música? -, e eu me lembrei de algo legal: o filósofo está lá também, como artífice do novo mundo mais perto do coração.
   Para quem não lembra da letra. Vejam aí!

And the men who hold high places
Must be the ones who start
to mold a new reality
Closer to the Heart
Closer to the Heart

The Blacksmith and the Artist
Reflected in their art
They forge their creativity
Closer to the Heart
Yeah, closer to the Heart

Philosophers and Plowmen
Each must know his part
To sow a new mentallity
Closer to the Heart
Closer to the Heart
Yeah ah

ohhh ahh

You can be the captain
And I will draw the chart
Sailing into destiny
Closer to the Heart
Closer to the Heart
Well, Closer to the Heart
Yeah, Closer to the Heart
Close to the Heart
I said, Closer to the Heart


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

"Gratidão" (2)


   Como era um livro pequeno, concluí a leitura ontem mesmo.
   Alguns comentários a mais.
   O primeiro é que Oliver Sacks se mostra um admirador do filósofo David Hume. Boa escolha, hein! Ele cita, inclusive, que escolheu fazer o ensaio "My Own Life" inspirado na autobiografia do próprio Hume, "que, ao saber-se portador de uma doença mortal aos 65 anos, escreveu uma breve autobiografia em um único dia de abril de 1776", a qual possui o mesmo título que Sacks deu.
   Sacks conta que, após o diagnóstico da sua metástase, sentiu "uma repentina clareza de enfoque e de perspectiva. Não há tempo para o que não é essencial".
    Em alguma medida, parece que talvez devêssemos viver pensando na nossa finitude... ainda que Spinoza diga o contrário.
   Já no fim da vida, após comemorar seu 82º aniversário, ele conta que um amigo seu, de nome Auden, diz que "uma pessoa sempre deve comemorar seu aniversário, não importa como se sinta". O mais impressionante é Sacks contando: "Continuo a nadar diariamente, só que mais devagar". Caramba!
    O Dr. Sacks diz que se sentiu aliviado por poder falar sobre sua homossexualidade nas suas memórias, Sempre em movimento. Mas conta uma experiência triste que teve aos dezoito anos, quando seu pai lhe perguntou sobre seus "sentimentos sexuais", impelindo-o a admitir que gostava de rapazes. O pai contou para a mãe, que, no dia seguinte, "com uma expressão horrorizada [...] gritou [...]: 'Você é uma abominação. Quisera que você nunca tivesse nascido". Diz, então, Sacks: "[...] suas palavras duras me fizeram odiar a capacidade da religião para a intolerância e a crueldade".
   É...

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

"Gratidão"


   O título do post é o mesmo do último livro de Oliver Sacks - o neurologista e escritor.
   Ganhei o livro no meu último aniversário, mas não o tinha pego para ler. Ontem, abri para dar uma folheada... e gostei do que vi. Como o dia foi muito corrido, não deu para avançar no pequeno livro, mas vamos ver se hoje é diferente. 
   Mas eu não vim contar minha evolução "leiturística", e sim comentar uma pequena coisa que me veio à mente quando li o Prefácio.
   Em 2013, pouco antes do seu octogésimo aniversário, Sacks escreve um ensaio abordando a velhice, onde trata dos prazeres da idade avançada, mas também das fraquezas que ela traz.
   Após concluir o primeiro esboço de sua autobiografia, Sempre em movimento, já em 2014, o autor fica sabendo que um câncer descoberto em 2005 se espalhara, e que talvez tivesse apenas mais seis meses de vida. Em poucos dias, escreveu o ensaio My own life, em que expressava seu sentimento de gratidão por uma vida bem vivida. 
   Depois de uma cirurgia bem sucedida, conseguiu esticar o prognóstico inicial, e até julho de 2015 viveu um período de saúde relativamente boa - escreveu, nadou, tocou piano e viajou. Em 30 de agosto de 2015, veio a falecer.
   Lembrei-me, lendo isso, do aniversário de oitenta anos da minha mãe, comemorado no último dia 20. Não havia câncer, nem uma "sentença de morte" para os próximos seis meses... mas, para mim, também não havia mais aquela felicidade de outros aniversários. O Alzheimer vai tomando cada vez mais minha mãe de mim... sem prazo final... mas acaba sendo um tempo "amargo".
   Ao contrário do Dr. Sacks, que, já com mais de oitenta anos, ainda nadava e tocava piano, acabo me dando por satisfeito em saber que minha mãe tomou os remédios e comeu "direitinho".
   Eu gostaria muito, muito, muito mesmo, que, lá no fundo da mente da minha mãe, ela pudesse estar pensando a mesma coisa que Sacks:
   "Não consigo fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é a gratidão. Amei e fui amado, recebi muito e dei algo em troca, li, viajei, pensei, escrevi. Tive meu intercurso com o mundo, o intercurso especial dos escritores e leitores".
   

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Estica e encolhe


   Olhei o número de amigos, e vi que voltamos a aumentar. Pensei: "Nossa, vamos e voltamos... voltamos e vamos". Imaginei, então, que nem valeria a pena registrar esse aumento, que pode se tornar um decréscimo, logo em seguida. 
   Depois, refleti melhor. Não é que o número em si seja importante. Se são 100, 110 ou 99, não é isto que importa. Mas, a pessoa que acaba por ficar associada ao número, esta, sim, importa. 
   Desta feita, queria acolher com carinho nosso novo amigo "heartixt". Seja bem vindo! Curta e opine, se der vontade. Grande abraço!

Felicidade (2)


   Continuando com a citação de algumas passagens do livro sobre o qual falei.
   A visão dos antigos de uma vida ética tem a ver com uma vida bem cuidada, que leva à felicidade. Este tipo de pensamento, que, em princípio, é típico da Antiguidade, ainda me parece muito potente hoje, constituindo um caminho realizável para uma vida feliz.
   Vejamos alguns trechos:
   "Há, então, uma arte de viver, que seria capaz de nos conduzir ao termo, de acordo com o exercício das virtudes, do cuidado [...] com nosso modo de agir, não o deixando apenas ao sabor do acaso ou das paixões, que, ao se tornarem disposições habituais, podem nos conduzir para onde não queremos, tornando-nos escravos em vez de senhores de nós mesmos".
   Claro que "paixões", para os antigos, não são simplesmente "emoções". Para eles, as paixões são conteúdos mentais - ou seja, não só emoções, mas pensamentos de um modo geral, como desejos, por exemplo - que nos tornam passivos diante de sua força. Ou seja, que nos submetem sem nenhum tipo de questionamento prévio sobre se aquele caminho que trilhamos é o que nos faz bem realmente. 
   Em alguma medida, a consideração de que as paixões nos tornam "escravos, em vez de senhores de nós mesmos", pode nos fazer lembrar da famosa chaga freudiana sobre o fato de "não sermos senhores em nossa própria casa", ou seja, de não comandarmos nosso próprio eu. Isto porque, mantendo essa ideia freudiana na memória, lembraríamos que sempre haverá um inconsciente "empurrando-nos" a realizar certas ações que preferiríamos que fossem comandadas por processos conscientes.
   A questão que me parece importante destacar é que, segundo vejo, os antigos pretendem mostrar que as "disposições habituais", que eles chamam de hexis, acabam por fazer, comparativamente, esse papel de "inconsciente". Mas se conseguirmos controlar esse conteúdo de disposições, teremos, em alguma medida, um inconsciente formado segundo um plano que poderá ser compatível com uma vida melhor.
   Não me parece totalmente inocente pensar que os antigos também tivessem uma boa percepção sobre os processos psíquicos - apesar de suas limitações quanto ao exercício da ciência psicológica, digamos assim.
   Vejamos outra passagem, que diz respeito à República, de Platão.
   "[É necessário uma] pesquisa sobre os desejos. Tal pesquisa [envolve] [...] o exame dos meandros da alma e dos diversos artifícios e caminhos que os desejos, em suas diversas formas, podem impor. [...] A questão é a dinâmica que a alma pode assumir pelo hábito, pela educação, por diversas outras circunstâncias".
    Outra passagem define a eudaimonia em função desse exame da alma.
   "As partes da alma formam um complexo dinâmico, sempre sujeito ao desequilíbrio. [...] [U]ma disposição harmoniosa, que caracteriza a saúde da alma, tal como o corpo quando em harmonia pela dieta e o exercício. Esse tipo de disposição configura a eudaimonia."
   Depois de tratar da abordagem grega de um modo geral e de Platão especificamente, o autor do livro adentra pela análise de Aristóteles, explicando um pouco mais o que a Ética a Nicômaco diz sobre o tema "Felicidade". Essa parte, eu gostaria de deixar para depois.
   O livro continua tratando de vários pensadores. Retoma Platão; passa até por Aristófanes, o comediógrafo; fala das Tusculanas, de Cícero, que, no Livro V, trata da "vida feliz"; e chega até Sêneca. Sobre este último, indica-se que um dos seus mais belos tratados é Da ira, que trata da necessidade de conhecer e cuidar das paixões. E, curiosamente, lança uma frase que nos faz lembrar muito o contemporâneo Sartre, ao dizer: "de modo que o que está em questão não é o que nos afeta, mas o modo como reagimos e tratamos o que nos afeta". 
   O livrinho ainda tem um capítulo que trata de Kant e do Utilitarismo; uma conclusão e, por fim, uma série de excertos de textos dos pensadores citados ao longo do texto.
   Por enquanto... é só. Mas depois eu falo um pouco mais daquilo que está escrito sobre o Estagirita. 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

"Naturalização", um conceito interessante


   A revista Sociologia, da Editora Escala, em seu número 61, publicou uma matéria de capa com o título "Por uma sociedade mais simples", onde analisa o chamado Movimento de Simplicidade Voluntária, que surgiu nos Estados Unidos na década de 1970. Embora a matéria seja interessante, queria destacar neste post apenas o começo da mesma, que trata do conceito de "Naturalização".
   O texto diz, mais ou menos, o seguinte:
 "Naturalização", nas Ciências Sociais, define a característica de se tratar como naturais - e, por isso, sem necessidade de grande reflexão - fenômenos eminentemente culturais. 
   Diversos elementos com os quais lidamos em nosso quotidiano, como papéis de gênero, comportamentos etários, preferências estéticas e escolhas profissionais, são típicas naturalizações - formas internalizadas de pensar e agir que refletem mais a história e o contexto cultural no qual estamos mergulhados do que qualquer desígnio natural pretensamente irreversível ou imutável.
   
  Em alguma medida é o mesmo conceito de Falácia Naturalista da Filosofia, que pensa o que é como o que deve ser. Vários dos grandes filósofos já caíram nela, como Aristóteles, por exemplo, ao justificar a escravidão ou a inferioridade da mulher em relação aos homens.
  Mas, conhecendo a falácia e o próprio conceito de "naturalização", fica mais fácil termos as armas para nos colocarmos a tarefa de criticar tudo o que se apresenta a nós - mesmo que seja para, depois, vermos que aquilo realmente é algo "natural", e não cultural.