terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Felicidade (2)


   Continuando com a citação de algumas passagens do livro sobre o qual falei.
   A visão dos antigos de uma vida ética tem a ver com uma vida bem cuidada, que leva à felicidade. Este tipo de pensamento, que, em princípio, é típico da Antiguidade, ainda me parece muito potente hoje, constituindo um caminho realizável para uma vida feliz.
   Vejamos alguns trechos:
   "Há, então, uma arte de viver, que seria capaz de nos conduzir ao termo, de acordo com o exercício das virtudes, do cuidado [...] com nosso modo de agir, não o deixando apenas ao sabor do acaso ou das paixões, que, ao se tornarem disposições habituais, podem nos conduzir para onde não queremos, tornando-nos escravos em vez de senhores de nós mesmos".
   Claro que "paixões", para os antigos, não são simplesmente "emoções". Para eles, as paixões são conteúdos mentais - ou seja, não só emoções, mas pensamentos de um modo geral, como desejos, por exemplo - que nos tornam passivos diante de sua força. Ou seja, que nos submetem sem nenhum tipo de questionamento prévio sobre se aquele caminho que trilhamos é o que nos faz bem realmente. 
   Em alguma medida, a consideração de que as paixões nos tornam "escravos, em vez de senhores de nós mesmos", pode nos fazer lembrar da famosa chaga freudiana sobre o fato de "não sermos senhores em nossa própria casa", ou seja, de não comandarmos nosso próprio eu. Isto porque, mantendo essa ideia freudiana na memória, lembraríamos que sempre haverá um inconsciente "empurrando-nos" a realizar certas ações que preferiríamos que fossem comandadas por processos conscientes.
   A questão que me parece importante destacar é que, segundo vejo, os antigos pretendem mostrar que as "disposições habituais", que eles chamam de hexis, acabam por fazer, comparativamente, esse papel de "inconsciente". Mas se conseguirmos controlar esse conteúdo de disposições, teremos, em alguma medida, um inconsciente formado segundo um plano que poderá ser compatível com uma vida melhor.
   Não me parece totalmente inocente pensar que os antigos também tivessem uma boa percepção sobre os processos psíquicos - apesar de suas limitações quanto ao exercício da ciência psicológica, digamos assim.
   Vejamos outra passagem, que diz respeito à República, de Platão.
   "[É necessário uma] pesquisa sobre os desejos. Tal pesquisa [envolve] [...] o exame dos meandros da alma e dos diversos artifícios e caminhos que os desejos, em suas diversas formas, podem impor. [...] A questão é a dinâmica que a alma pode assumir pelo hábito, pela educação, por diversas outras circunstâncias".
    Outra passagem define a eudaimonia em função desse exame da alma.
   "As partes da alma formam um complexo dinâmico, sempre sujeito ao desequilíbrio. [...] [U]ma disposição harmoniosa, que caracteriza a saúde da alma, tal como o corpo quando em harmonia pela dieta e o exercício. Esse tipo de disposição configura a eudaimonia."
   Depois de tratar da abordagem grega de um modo geral e de Platão especificamente, o autor do livro adentra pela análise de Aristóteles, explicando um pouco mais o que a Ética a Nicômaco diz sobre o tema "Felicidade". Essa parte, eu gostaria de deixar para depois.
   O livro continua tratando de vários pensadores. Retoma Platão; passa até por Aristófanes, o comediógrafo; fala das Tusculanas, de Cícero, que, no Livro V, trata da "vida feliz"; e chega até Sêneca. Sobre este último, indica-se que um dos seus mais belos tratados é Da ira, que trata da necessidade de conhecer e cuidar das paixões. E, curiosamente, lança uma frase que nos faz lembrar muito o contemporâneo Sartre, ao dizer: "de modo que o que está em questão não é o que nos afeta, mas o modo como reagimos e tratamos o que nos afeta". 
   O livrinho ainda tem um capítulo que trata de Kant e do Utilitarismo; uma conclusão e, por fim, uma série de excertos de textos dos pensadores citados ao longo do texto.
   Por enquanto... é só. Mas depois eu falo um pouco mais daquilo que está escrito sobre o Estagirita. 

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