Eu sempre tive curiosidade de ler o Marquês de Sade. Eis que chegou o momento, depois de eu passar pela Livraria Cultura e ver uma nova edição de "A Filosofia na alcova". Bem... é um livro de Filosofia. Portanto, estou a estudar. Rsss.
Quando existe alguma introdução ao livro, eu procuro ler. Neste exemplar que tenho existe um posfácio de mais de quarenta páginas. Comecei por ele, então.
Mas antes de registrar uma coisa que me chamou muita atenção, queria escrever o que está numa pequena nota da editora, logo no início do livro, justificando a publicação desse texto sadeano, a fim de esclarecer quem era o "sujeito".
"Donatien Alphonse-François, o marquês de Sade (1710-1814), foi certamente um dos autores da literatura universal que mais sondaram os limites do homem, trazendo à luz (em pleno Iluminismo) aquilo que a cultura sempre tentou ocultar: a violência do erotismo em suas mais variadas formas de transgressão. A tônica de seus principais romances, escritos ao longo de quase trinta anos em onze diferentes prisões sob três regimes distintos, é a da libertação do indivíduo mediante a corrupção dos costumes. Relegado ao esquecimento por muito tempo (somente o século XX o restituiu à luz e o consagrou), o perseguido autor de Justine e tantos outros livros escandalosos, 'o espírito mais livre que jamais existiu', nas palavras de Apollinaire, é hoje considerado um clássico, ao lado de Racine ou de Shakespeare, um dos maiores escritores de sua época".
Gostei de "o espírito mais livre que jamais existiu"!
Mas o que me chamou mais atenção mesmo foi quando o tradutor - que apresentou o trabalho como dissertação de Mestrado na USP -, explicando como o século XVIII interpretava o conceito de "natureza", diz: "A natureza, em Sade, é deus destituído da divindade", e prossegue "[...] na natureza reside a verdade do homem" - e agora vem propriamente o que me chamou atenção - "Convém frisar que a ideia do homem como efeito da natureza já se encontra em Espinosa".
Spinoza e Sade?!?!? Um panteísta e um materialista... Sei lá... Achei meio forçada essa aproximação. Mas, vá lá que seja, quem diz é o tradutor.
Contudo, não se pode negar que o filósofo Michel Onfray, em seu Contra-história da Filosofia, no terceiro volume, que tem como título "Os libertinos barrocos", inclui Spinoza entre estes "libertinos". Lá também, eu já havia enxergado um certo exagero em incluir o holandês no movimento, mas...
Agora, não podemos deixar de perceber o antagonismo entre o "espírito" das filosofias de Spinoza e Sade. Nada de depressão do conatus do outro como forma de se vivificar e de se alegrar está presente no corpus spinozanum, ao contrário do que acontece em Sade.
O mais interessante, entretanto, é encontrar Spinoza num comentário a Sade. E era isso o que eu queria destacar.
2 comentários:
Viva, Ricardo,
Na verdade, Onfray toma a designação de 'libertino' como aquele que ama a liberdade, que a coloca acima de tudo e todos. E é nesse sentido que ele convoca também esses libertinos barrocos, como designou. Infelizmente, a designação de 'libertino' está hoje mais ligada à promiscuidade, ou a uma liberdade sexual desregrada. Daí que Spinoza e Sade nada tenham em comum relativamente à...'libertinagem', digamos assim.
De resto Onfray classifica mesmo Sade de delinquente sexual e se insurge contra a o mito de um Sade surrealista 'inventado' por Breton, Elouard, René Char, Aragon ou Desnos..... Sade foi também objecto de um livro de Michel Onfray ("La Passion de la Méchanceté") que li com imensa curiosidade, onde elogia outros intelectuais que, contra a corrente da moda (sobretudo do Café de Flore), como Camus ou Arendt, ousaram mostrar que o "divino marquês" sempre andou nu.
Abraço
Luís
Luís:
Muito obrigado pelas informações. Estou lendo o livro... e me espantando com as peripécias das personagens. Mas, entre uma "libertinagem" e outra, percebo que Sade vai plantando o materialismo na cabeça do leitor e seu repúdio à religião. Depois, vou postar a descrição dele de Deus e de Jesus.
Novamente, agradeço pela colaboração. Grande abraço.
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