segunda-feira, 31 de maio de 2010

Aprendendo a Pensar I

  O título do post, como alguns irão lembrar, refere-se a um famoso livro lançado e relançado - ... e esgotado - pela Editora Vozes, de autoria do filósofo brasileiro Emmanuel Carneiro Leão - aluno de Heidegger, diga-se de passagem.
  O livro era composto de ótimos pequenos artigos, fáceis de ler, que nos informavam sobre diversos assuntos e filósofos... fazendo-nos refletir sobre eles, e acabavam nos forçando a buscar um complemento do que fora dito.
  Pois bem, o livro foi relançado, pela Daimon Editora, revisado e aumentado. O primeiro volume, segundo consta no próprio livro, é de 2008...  entretanto, eu, "rato de livrarias", só o vi agora. Confirmando isso, na Livraria Leonardo Da Vinci, o atendente me indicou o livro "novo" do Emmanuel - mas que livro de 2008 é novo?
   O subtítulo da capa do livro é "O pensamento na Modernidade e na Religião". Uma das últimas edições da Vozes já tinha uma rearrumação dos assuntos, e trazia algo similar a isso - diferentemente de versões mais antigas.
  Entre as "novidades", temos o artigo "Heterodoxia de Spinoza". Achei interessante o começo desse material. Lá está escrito: "A partir da segunda metade do século XX, o caso Spinoza foi adquirindo atualidade com o recrudescimento do chamado fundamentalismo dentro das grandes tradições religiosas monoteístas".
  Fiquei feliz em saber - ou, pelo menos, em ser informado por Carneiro Leão - que Spinoza voltava a ser "atual"... apesar de preferir que o motivo desse "vigor" fosse outro, que não o "fundamentalismo religioso". É bem verdade que Spinoza tem sempre muito a dizer em relação a isso - bem como, em relação à religião como um todo -, mas há muito mais na filosofia do tão querido holandês.
  De qualquer forma, o texto conta a história pessoal de Spinoza, enquanto vítima do fundamentalismo irracional - e será que algum fundamentalismo é racional? - judaico, no evento da sua excomunhão. Fazendo-nos recordar a história de Spinoza, e mesmo o quadro anterior de perseguição aos judeus, por parte da Inquisição espanhola e portuguesa, o artigo consegue fazer uma ponte entre acontecimentos do século XV, XVI e XVII e os atuais.
  Ponto para Carneiro Leão pela escolha de um filósofo que sempre terá muito a dizer sobre esse assunto, não só com seu espírito, mas também com sua própria história.
  Entretanto, há alguns problemas no artigo. O primeiro deles é o terrível engano quanto à data da excomunhão de Spinoza, registrada como sendo 27 de julho de 1628, quando o filósofo nem mesmo era nascido. Além disso, indica que ele teria 27 anos quando do evento, quando Spinoza só contava com 23. Alguns poucos erros de impressão não incomodam tanto. A afirmação sobre o texto que Spinoza teria escrito para se justificar, após sua excomunhão, ainda ecoa como mera possibilidade entre os estudiosos do filósofo - sendo mais provável que não o tenha escrito, aliás.  Também a afirmação de que o Tratado Teológico-Político teria a mesma intenção de defender e justificar suas posições é inverossímil. Afinal, o texto é publicado sem que Spinoza assuma sua autoria.
   Entretanto, o que mais incomoda são enganos conceituais. A passagem que indica que "Deus é uma realidade, mas não sabemos de sua natureza, se é pessoal ou não, se é exterior e distinto do mundo criado!" é estranha demais. Spinoza, não no tratado em questão, mas na Ética, explica a natureza do seu Deus-Substância, mas, acima de tudo, não deixa margem de dúvidas para a não-pessoalidade de Deus e para sua não-exterioridade em relação à Natureza. Aliás, "Deus sive Natura" é justamente o lema a ser aplicado para ilustrar essa imanência.
  Um pouco mais adiante, de modo um tanto quanto problemático, o texto afirma que "Se por um lado, ciência e Filosofia não são servas, por outro, também não poderão constituir a verdade da religião". Essa "verdade da religião" será citada, pouco depois, quando se escreve "Há, também, uma verdade originária da fé em que mora e vive o religioso: uma verdade histórica a que não tem acesso o homem da ciência ou da Filosofia". É bem verdade que há uma "verdade religiosa" para o "religioso" - mesma relação que já estabeleci, em outra ocasião, entre os gregos comuns e o mythos na Grécia Antiga -, até poderíamos considerar que o "homem da ciência e da Filosofia" não tem acesso a ela, já que este tipo de homem não participaria da mesma disposição psicológica e histórica que o crente. Mas fiquei com a impressão de que Carneiro Leão fala de uma "verdade" que está além da capacidade intelectual. Se ele acha isso, não deve usar Spinoza para endossar tal postura. Afinal, para o filósofo holandês não havia esse "além do racional"... e é justamente neste aspecto que podemos nos apegar para "rotular" Spinoza de "racionalista".
  Em poucas palavras, acho que, se o exemplo do caso Spinoza nos faz refletir sobre o "fundamentalismo religioso", a explicação do pensamento spinozano precisaria ser mais cuidadoso.
  Já em relação ao outro livro publicado pela mesma editora, do mesmo autor, chamado "Filosofia Grega - uma introdução", volume 1, a coisa é diferente.
  Mas isso fica para outro post...

sábado, 29 de maio de 2010

Irmãos portugueses e a Copa

  Ainda de O Globo.
  Publicou-se uma pesquisa sobre a seleção para quem os brasileiros torceriam, caso a nossa fosse eliminada. Não é que deu Portugal, na cabeça?!
  Ou seja, se não pudermos torcer pelo Kaká, iremos de Cristiano Ronaldo! 

Filosofia e Copa do Mundo... com humor

  O hilário Marcelo Adnet, em sua coluna de O Globo, de hoje, escreveu "Retórica socrática". Acompanhemos a argumentação lógica do filosofante-apresentador mtviano Adnet: Eto'o vai à Copa! Mas esperem! Se "Ôôô, Obina é melhor que o Eto'o" e o Eto'o está na Copa, é de se esperar que Obina, que é melhor que Eto'o esteja na Copa. Não? Ah... Grafite é melhor que o Eto'o! Porque se Grafite é brasileiro e foi e o Eto'o foi, mas o Obina, que é melhor que o Eto'o, não foi, concluímos que "Ina! Grafite é melhor que o Obina" e necessariamente "Ôôô, Grafite é melhor que o Eto'o". Os gregos deviam perder um tempão discutindo!
  O Adnet só esqueceu de dizer que, se a forma do argumento tinha validade lógica, a correspondência da sentença "Obina é melhor que Eto'o" com a realidade não procedia, portanto, a sentença não era verdadeira.
  Mas... que a inferência foi divertida, isso foi!

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Mais livros (2)

  Outro livro adquirido recentemente por mim - apesar de também não se tratar de um lançamento - foi "Confissões de um Filósofo", de Bryan Magee, publicado pela Martins Fontes.
  Eu já havia me deparado com esse livro outras vezes, mas nunca pensei em ler sobre a vida de um filósofo que é mais divulgador do que produtor autônomo de pensamento.
  É bem verdade que ser um divulgador da Filosofia do nível dele, não é para qualquer um.
  Eu tinha apenas dois livros escritos por Magee. Um deles é "História da Filosofia", publicado pela Loyola, o outro é "Os grandes filósofos", da portuguesa Editorial Presença.
  O primeiro é uma edição muito bem cuidada, ideal para quem nunca teve contato com a Filosofia. As ilustrações são muito bonitas, os textos são curtos e bem trabalhados, permitindo um acesso "confortável" à História da Filosofia e a seus diversos representantes.
  O segundo é mais profundo que o primeiro, mas ainda não tem o caráter de texto filosófico por excelência. Ele serve bem a pessoas realmente interessadas, que já possuam alguma leitura da área, e que queiram "passear" por alguns filósofos, através, já, de alguns conceitos específicos. A grande virtude do livro - penso - é ser escrito em forma de diálogos - não do tipo platônico, "arquitetados" para conduzir o leitor a determinadas conclusões -, que são desenvolvidos a partir de programas televisivos da BBC, do ano de 1987, expondo características gerais e pontos específicos de alguns filósofos. O mais interessante, porém, é que os diálogos se dão sempre entre Magee e um especialista do filósofo em questão.
  É assim que aparecem, por exemplo, Martha Nussbaum - autora do fantástico "A fragilidade da bondade - Fortuna e Ética na Tragédia e na Filosofia Grega" -, quando o assunto é Aristóteles ; Anthony Kenny - que já apareceu aqui, tendo seu "Uma nova História da Filosofia Ocidental", sendo elogiado -, falando sobre a Filosofia Medieval; o "mercadologicamente" famoso Peter Singer, quando o assunto é Hegel e Marx; A. J. Ayer, quando se dialoga sobre Frege, Russell e a Lógica Moderna; e outros mais.
  O que me fez escrever, entretanto, sobre este livro do Magee que adquiri mais recentemente - que, infelizmente, também ficará me olhando da estante por mais algum tempo - é uma passagem que me remeteu às trocas de ideias que, por vezes, surgem aqui no blog - ai, ai, ai... eu continuo em dívida com o Existenz.
  Diz Magee: "Quando se estuda filosofia por um tempo suficiente... geralmente se consegue ver com os próprios olhos os pontos importantes na obra de alguém... Depois, pode-se prosseguir captando uma quantidade ilimitada de detalhes valiosos provenientes de fontes secundárias, mas, de longe, as percepções mais importantes ... são aquelas às quais se chega sozinho. Isso, entretanto, não ocorre nos estágios iniciais, quando ainda se está tateando: nessa fase, os outros podem indicar pontos altamente importantes que, de outro modo, não teriam sido percebidos [...] Uma parte essencial do processo para os iniciantes consiste em que suas crenças sinceras - e, muito mais importante que isso, seus pressupostos, que às vezes são inconscientes - sejam contestadas por pessoas tão inteligentes e bem informadas quanto eles próprios".
  Portanto, continuemos - como eternos iniciantes - contestando-nos, saudavelmente, uns aos outros, em busca de um necessário processo de crítica, e eventual ajustamento, de nossas próprias posições individuais.
  Ainda teremos o "Mais livros (3)", hein!



quinta-feira, 20 de maio de 2010

Mais livros

  Apesar do pouquíssimo tempo para atualizar o blog e, obviamente, para dedicar-me às leituras não obrigatórias, continuo "garimpando" livros interessantes.
  Gostaria de listar dois títulos adquiridos recentemente - para serem lidos sabe-se lá quando: "Compreender Merleau-Ponty", de Eric Matthews, e "Tratado Breve", de Spinoza.
  O primeiro é novidade. Publicado pela Editora Vozes, pertence à série "Compreender...", da qual já citei, aqui no blog, duas publicações anteriores que gostei muito: o volume referente a Spinoza e àquele referente a Heidegger. Se o conteúdo for realmente tão bom quanto parece num sobrevoo rápido, e o livro seguir o paradigma dos outros quanto  à qualidade, é ótima dica de aquisição.
  O segundo é um livro do "mentor" desse espaço, o tão querido Spinoza. É lógico que não se trata de um "achado" em um baú secreto, inédito até hoje. Aliás, pena que não seja assim! Mas... é uma nova publicação daquele velho livro spinozano, cujo nome completo é "Breve Tratado sobre Deus, os homens e sua felicidade", ou, como é conhecido entre os estudiosos de Spinoza, simplesmente o "KV", de "Korte Verhandeling". A novidade, neste caso, é o idioma... infelizmente, ainda não o nosso doce Português, mas, pelo menos, o "amigável vizinho" Espanhol, editado pela Alianza Editorial, da Espanha. Eu já tinha meu exemplar em francês... mas a proximidade linguística com o nosso bom idioma facilita o trabalho com o texto.
  Depois, eu conto mais.
 

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Contamos com mais uma "amiga dos amigos"

  Com a presença da nova amiga Marianne, já chegamos a 42 "amigos dos amigos" nessa nossa "confraria". É bem verdade que nem todos têm o mesmo perfil... mas talvez seja isso mesmo o mais interessante.
  No caso específico da Marianne, ela é, segundo pude ver em seu blog (http://naspaginasdospensadores.blogspot.com/) mais um "ser filosofante". Aliás, gostei de ver lá o "Eu recomendo..." Kierkegaard. Mas constatei, pelos marcadores, além do dinamarquês, muito de Sartre, Pessoa, Rubem Alves... Legal!
  Seja bem vinda, Marianne. Contamos com seus comentários... talvez mais "existenciais"... talvez, não! Fique à vontade para registrar aqui o que quiser, seja qual for a natureza da reflexão.
  Aproveito - pedindo licença à Marianne - para reproduzir um post dela sobre a "Vírgula". O post é de 08 de maio, e consta do blog que informei acima.

Muito legal a campanha dos 100 anos da ABI (Associação Brasileira de Imprensa).100 Anos de vírgula...


SOBRE A VÍRGULA

Vírgula pode ser uma pausa... ou não.
Não, espere.
Não espere..

Ela pode sumir com seu dinheiro.
23,4.
2,34.

Pode criar heróis..
Isso só, ele resolve.
Isso só ele resolve.

Ela pode ser a solução.
Vamos perder, nada foi resolvido.
Vamos perder nada, foi resolvido.

A vírgula muda uma opinião.
Não queremos saber.
Não, queremos saber.

A vírgula pode condenar ou salvar.
Não tenha clemência!
Não, tenha clemência!

Uma vírgula muda tudo.

ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula da sua informação.

Detalhes Adicionais:

SE O HOMEM SOUBESSE O VALOR QUE TEM A MULHER ANDARIA DE QUATRO À SUA PROCURA.
*Se você for mulher, certamente colocou a vírgula depois de MULHER...
*Se você for homem, colocou a vírgula depois de TEM...


quinta-feira, 13 de maio de 2010

Zerando a dívida com o Alan

  Sob um certo aspecto, seria desnecessário pedir desculpas ao amigo Alan pela minha falta de presteza na resposta ao seu comentário... visto que ele, como eu,  deve andar tendo problemas  de "relógio apressado demais".
  Mesmo sabendo que ele pode reconhecer isso, prefiro registrar que não é por desídia que a resposta demorou a aparecer. Só pude me debruçar sobre a questão efetivamente agora.
  Fazendo um "flashback bloguístico"...
  Nosso primeiro impasse, amigo Alan, foi resolvido a partir da sua concordância com a impossibilidade de sermos leitores-modelo - ou seja, de cumprirmos as "determinações" de um autor-modelo, que guia nosso entendimento e possível interpretação do seu escrito - em textos ditos "religiosos" que contenham uma cosmovisão, acompanhada de uma conversão necessária.
  Você, porém, ponderou sobre essa possibilidade quando se tratam de textos, ainda que de viés "religioso", com caráter meramente estético.
  Esse é um primeiro ponto a respeito do qual eu gostaria de fazer uma observação. Ao ser colocado em um "corpus" canônico religioso - ainda que tendo um fundo "estético" - conseguiria o texto ficar "livre" do jugo das determinações de encaminhamento da leitura estabelecidas por esse "segundo autor-modelo"? Pergunto isso, por exemplo, para o caso específico da Bíblia, enquanto "conjunto de livros" estabelecido ortodoxamente por um grupo com determinados interesses em jogo, que dependem de uma leitura adequada ao "todo" doutrinário. Essa figura de um "segundo autor-modelo", visto que a obra já não pode - ou, pelo menos, não deve - ser lida de forma absolutamente independente, ainda que esteja fazendo um mero "uso" do texto, inevitavelmente acaba por prescrever para os leitores uma certa estrutura a que se deve aderir.
  Gostaria que você pensasse sobre isso.
  Outro aspecto, muito interessante, levantado no seu comentário é o dos critérios para separar um texto filosófico de um texto teológico/mítico/místico? Reforçando seu questionamento, você indica que, principalmente na Antiguidade, a Filosofia estava "impregnada do divino e do místico", citando, inclusive, o poema parmenídico "Da Natureza".
  Reconheço a dificuldade, não só na Antiguidade, mas também na Idade Média. Nessa última época, quantos filósofos não deixaram de ser reconhecidos como tais, pelo fato de terem escrito textos com alguma forma - e mesmo conteúdos mais específicos - que aparentavam "exigir" uma adesão pela fé, mas que traziam em seu interior basicamente um discurso que se poderia conduzir pela luz natural do homem?
  No caso específico de Parmênides, já se especulou a possibilidade daquilo ser um mero simulacro, facilitando a "intragável" conclusão de que o Ser é... e só Ele é... sendo desde sempre, para todo sempre... da frieza de sua imobilidade... imune à multiplicidade na qual nossa existência se debate. Mas... pode não ter sido isso!
  Parece-me, entretanto, bastante interessante a demarcação que Sócrates faz, na Apologia, quando, ao interrogar os "aedos", reconhece-lhes competência no produto final - e, como não  o fazer, se a fonte original eram as divinas musas? -, mas indica que eles não tinham o "conhecimento", visto que só agiam "em estado de inspiração".
  Fazendo uma analogia, a "participação" divina no processo de "produção" parece, segundo Sócrates, que impediria uma efetiva atividade filosófica, já que não produziria "conhecimento" nem mesmo em que escreveu o texto.
  Esse é um ponto. Mas, realmente, continuamos com um problema: a não ser que o "filósofo inspirado" nos conte que a fonte de seu texto não foi a sua própria razão, ficamos reféns de saber qual "autor-modelo" seguir... e, mesmo, se é possível segui-lo, visto que suas indicações para nossa movimentação dentro da obra pode exigir necessariamente uma adesão.
  Em certa medida - mas reconheço alguma fragilidade nessa posição -, penso que só a própria leitura poderá sanar essa nossa dúvida. Caso nos lancemos à leitura, ainda que preparados por nossa larga história como leitores-modelo dos mais diversos tipos de autores-modelo filosóficos, se não conseguirmos vencer o "hermetismo" do texto, identificando claramente lacunas que não parecem poder ser supridas mesmo por uma leitura dedicada, o texto deixaria de entrar no rol dos "filosóficos". A partir do estabelecimento de uma possibilidade de acesso ao texto somente pelas vias da razão, passaríamos à arqueologia das "setas no caminho", a fim de podermos aderir à estrutura interna do texto, enquanto leitores-modelo.
  Voltando um pouco ao caso de Parmênides. Pensemos no texto "seco", desnudado de suas vestes mitológicas - você até irá dizer que não sobra muita coisa; o que é verdade! Mas tentemos... 
  Pulando o apelo às musas para que guiem nosso "anti-herói filosófico", Parmênides, vamos ver uma aparente tautologia, "O Ser é"/"O Existente existe" e "O não-ser não é"/"O não-existente não existe", se desdobrando em um "Existente" que, caso se transforme, deixa de existir, naquele primeiro sentido, passando a um estágio de "Não-existente"... criando a necessidade do imobilismo, da autocontenção, da homogeneidade, da atemporalidade, etc e tal, tudo muito bem construído. Parece-me, então, que é possível "aderir" à estrutura proposta - ainda que em termos meramente racionais, não existenciais, portanto - e dar ouvidos ao filósofo, em vez de ao "poeta" Parmênides, seguindo suas "instruções" enquanto autor-modelo.
  Mas... ainda pode haver controvérsias...
  Outra tarefa árdua será zerar minha dívida com o Existenz. Mas... vamos lá...

Nova chegada...

  Quero registrar, com muita felicidade, a chegada da 41ª "amiga dos amigos". 
  Seja bem vinda, Ilma. Espero que, em alguma medida, os posts e os comentários que apareçam nesse nosso espaço possam agregar algum valor à sua reflexão pessoal. Obviamente, contamos com suas colaborações neste nosso - seu também! - espaço.
  Sempre faço questão de dizer que os "off topic" que aparecem por aqui são muito bem vindos, visto que abrem brechas para novos pensamentos. Fique à vontade, portanto, tanto para colocar seus pontos de vista sobre o que está dito, quanto sobre o que não está. 
  Novamente, seja bem vinda!

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Machiavelli, por Spinoza

  Nosso sempre sensato filósofo luso-holandês não acompanhou a maioria dos críticos do grande Machiavelli, fazendo uma leitura de O Príncipe que "teria posteriormente grande repercussão" - segundo nos informa Luiz A. Hebeche, em seu A Guerra de Maquiavel.
  Escreveu Spinoza, no Tratado Político: "talvez Maquiavel tenha querido, também, mostrar o quanto a população se deve defender de entregar o seu bem-estar a um único homem que, se não é fútil, ao ponto de se julgar capaz de agradar a todos, deverá constantemente recear qualquer conspiração e, por isso, vê-se obrigado a preocupar-se, sobretudo, consigo próprio e, assim, enganar a população em vez de salvaguardá-la. E estou mais disposto a julgar assim acerca desse habilíssimo autor, quando mais se concorda em considerá-lo um partidário constante da liberdade e quanto sobre a maneira necessária de a conservar, ele deu opiniões muito salutares".
  Um gênio fazendo referências positivas a outro é sempre gostoso de ler!

domingo, 9 de maio de 2010

Feliz Dia da Mães

  Para as "amigas dos amigos" que já são mães, um felicíssimo Dia das Mães... repleto de presentes dados por nós, maridos!
  Para aquelas que não são, bem como para os "amigos dos amigos", que ainda têm a sorte de poderem beijar as suas mães, façam-no com muito carinho.
  Feliz Dia das Mães, geral!!!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

"Ruminantes" filosóficos

  Longe de qualquer sentido ofensivo, o termo "ruminantes", do título do post, indica pessoas que recebem uma informação filosófica, mas que não se contentam em iniciar seu processo de "digestão" de pronto. Esses tais "ruminantes" fazem questão de receber o "alimento filosófico" e ficar "reprocessando" as informações, tentando extrair o máximo de sua "essência nutricional", mas também acabando por produzir energia para novas reflexões - o famoso processo de "ideação".
  Por favor, paremos essa analogia do processo de assimilação da filosofia, antes que alguém lembre do que se produz ao final da digestão propriamente dita. Rsss.
  O escrito acima serve para explicar por que eu me considero um "ruminante filosófico"... e, se o amigo me permitir, colocaria o nosso "amigo dos amigos" Henrique na mesma categoria. O fato é que Henrique e eu, muitas vezes, ficamos conversando sobre os conceitos que nos foram passados, numa espécie de saudável "revival" filosófico.
  Num desses momentos, reconsideramos as "homeomerias anaxagóricas". Até onde eu lembrava, as homeomerias, a partir das quais o Nous iria organizar a multiplicidade da realidade, não eram um "complexo" de todas as possibilidades, incluindo igualmente todos e cada elemento individual. Também recordava que - e, por incrível que pareça, li isso em um livro sobre os "cientistas" pré-socráticos, que não era de Filosofia - as homeomerias eram distintas entre si... embora realmente houvesse essa ideia de, em alguma medida, conterem "elementos" diversos em si mesmas. Lembrei-me até da ilustração do livro, representando várias "formas" de homeomerias.
  Contei isso ao amigo Henrique. Mas, obviamente, Filosofia não se faz por "ouvir dizer" - primeiro gênero do conhecimento spinozano, aliás. Saí em busca das "provas"... e encontrei.
  Aí vai, Henrique...
  O livro "História da Filosofia - vol. 1", do Reale & Antiseri, registra que as homeomerias, para Anaxágoras, são "... sementes com formas, cores e gostos de todo tipo; vale dizer, infinitamente variadas... pode-se dividir qualquer semente que se queira (qualquer substância-qualidade) em partes sempre menores, que as partes assim obtidas serão sempre da mesma qualidade, ao infinito... Precisamente por essas característica é que ... foram chamadas 'homeomerias'... que quer dizer 'partes semelhantes', 'partes qualitativamente iguais'".
  O Dicionário Houaiss também ajuda, ao informar que a homeomeria "embora contenha necessariamente todas as múltiplas e contraditórias qualidades encontráveis no resto do universo, pode ser definida e caracterizada por uma qualidade preponderante ou hegemônica".
  Fica clara a noção de que há, sim, uma preponderância de certo elemento-qualidade na homeomeria, que acaba por caracterizá-la individualmente. Ainda assim, essa homeomeria "personalizada" conteria em si as diversas outras personalidades qualitativas do mundo.
  Ao longo de nossa "ruminação", apareceu também uma reflexão mais ampla sobre uma "cosmogonia" - enquanto comparávamos diversas visões míticas. Não poderia deixar de surgir uma avaliação sobre o Big Bang - afinal, somos "escravos" do pensamento técnico-científico, afirmaria Heidegger.
  Alguém pode estranhar o andamento do post, perguntando: "E o que Anaxágoras tem a ver com Big Bang?"... e eu explico!
  Acontece que um livro ao qual eu gosto muito de recorrer é "Uma nova História da Filosofia Ocidental", de Anthony Kenny. Logo no início do artigo sobre Anaxágoras, A. Kenny diz: "Anaxágoras é algumas vezes considerado um ancestral intelectual da atualmente popular cosmologia do big bang". E logo depois: "Eis aqui sua explicação para o princípio do universo: 'Todas as coisas estavam juntas, infinitas em quantidade e infinitas em pequenez; pois o pequeno era também infinito. E, estando todas as coisas juntas, nenhuma era reconhecível por sua pequenez'". Isso não tem um "jeitão" de momento "pré-Big Bang"... com algo de "infinito numa cabeça de alfinete"?
  Eu sei... eu sei... no Big Bang não havia exatamente "coisas juntas", mas apenas uma homogeneidade absurda. Mas que há uma aproximação "intuitiva", pelo menos... acho que há!
  Outro dado que também reconheço é que o Big Bang não precisa de nada externo a si, como seria o Nous anaxagórico. O impulso para sua produção do Todo é absolutamente interna.
  Voltando um pouco à discussão sobre a homeomeria - só para confirmar -, Kenny também destaca que "as coisas são nomeadas a partir do item que nelas é dominante" (Aristóteles, Física 1,4, 187a23).
  Outro deslocamento "antecipatório" que Kenny faz de Anaxágoras é quanto a uma espécie de "multiverso"... e eu diria, também, da Teoria da Expansão do Universo. Conta-nos o autor que: "A expansão do universo, Anaxágoras confirmava, continua no presente e irá continuar no futuro (KRS 476). Talvez ela já tenha mesmo gerado outros mundos além do nosso". E faz outra comparação curiosa: "Anaxágoras tem assim o direito de ter sido o originador da ideia, mais tarde proposta por Giordano Bruno, e hoje popular novamente em alguns lugares, de que nosso cosmos é apenas um de muitos que poderiam, como o nosso, ser habitados por criaturas inteligentes".
  Por último, só uma lembrancinha: o sujeito nasceu lá pelos idos de 500 aC!


 

Entre uma leitura obrigatória e outra...

  ... às vezes, eu acabo encontrando um tempinho para ler, por puro prazer, "aqueeeele" livrinho que segue sempre na minha mochila, acompanhando-me para cima e para baixo. Dessa vez, mesmo afogado em leituras urgentes, consegui "criar" mais horas no dia e me deliciei com "Édipo Rei" e "Antígona"... faltou só o "Édipo em Colono", para completar a "Trilogia Tebana" de Sófocles.
  Fiquei, entretanto, com uma "angústia" tremenda, visto que lembrei-me de um antigo professor meu ter comentado que o povo grego se "deliciava" com o infeliz destino de Édipo, após sua autopunição. Será que estou muito "preso" à piedade cristã ocidental?
  Parece, realmente, que havia um certo consenso, na Grécia Antiga, de que um ato "errado" merecia, independente da motivação interior, justo castigo. Mas o drama vivido por Édipo, que tentou fugir do seu triste destino, e que, mesmo matando o próprio pai, parece fazê-lo por uma causa justificável - ainda que, obviamente, não louvável -, parece-me muito "cruel", para que alguém, também humano, sujeito, portanto, às mesmas  reviravoltas da vida, possa regozijar-se.
  Sobre Antígona, entretanto, não acho possível imaginar alguém saindo do anfiteatro da Acrópole feliz com aquele final. A mocinha, que acompanha o pai cego; tenta promover uma paz improvável entre os irmãos em pé de guerra; preocupada com a irmã mais jovem, que desrespeita o tio só para dar um enterro digno ao irmão acabar morta!?!... E daquele jeito?!
  Assim não dá, Sófocles! Será que você não poderia ter feito um "cursinho" na "Pólis de Hollywood", e ter colocado um happy end nessa estória? Rsss.
  Brincadeiras à parte... é maravilhoso "visitar" as tragédias gregas, conduzido por mãos tão capazes!

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Alan e Existenz... calma!

  Não é pelo fato dos comentários terem sido colocados em posts que já "viraram a página" que eles deixarão de ser respondidos.  
  Essa afirmação se refere especificamente a comentários dos amigos Alan e Existenz. Por merecerem uma atenção mais acurada, deixei-os por último... mas não os esqueci!
  O amigo Existenz é um "problematizador de carteirinha", que sempre me coloca em fantásticos apuros. Esse, eu já conheço de longo tempo.
  Já o Alan, apesar de ter concordado comigo, inicialmente, produziu um novo "filosofema" que merece ser apreciado com cuidado.
  Aguardem-me! Rsss.

Já são quarenta!

  A Marcëlly é nossa quadragésima "amiga dos amigos". Farei todo o esforço para que encontre aqui a continuidade do espaço que ela tem para criar no seu próprio blog... aliás, todos nós faremos.
  Seja bem vinda para trazer suas experiências e a força de sua criatividade para cá. Fique à vontade para questionar o posto... e os posts - não pude deixar esse "trocadilho" escapar. Rsss.
  Em suma, seja feliz por aqui!
 

"Os filósofos e a arte"

  Decidi resolver, de uma vez por todas, esse meu "desconforto" com a postura platônica de expulsar os poetas da sua República ideal.
  Para tanto, como não poderia deixar de ser, tenho me dedicado a algumas leituras sobre o tema. Obviamente, o blog contemplará algum registro das mesmas.
  Fiquei curioso, portanto, ao saber do lançamento do livro com o título do post, sob a organização do professor Rafael Haddock-Lobo - de quem, aliás, já tive o prazer de ser aluno -, que contém um texto do fantástico professor Fernando Muniz, entre outras "feras", como, por exemplo, a Sra. Marilena Chauí - famosa intérprete spinozana brasileira.
  Falo do professor Muniz, em especial, porque sei que inevitavelmente seu texto diria respeito a Platão. É bem verdade que poderia não se referir especificamente ao ponto a respeito do qual tenho me questionado, mas certamente seria de grande valia para alguma reflexão nesse sentido. Entretanto, lá está o "Platão contra a arte", que começa com duas epígrafes dialeticamente interessantes: "Platão: o mais poético dentre os filósofos", de Shelley, e "Platão: o maior inimigo da arte que a Europa jamais conheceu", de Nietzsche.
   Mas não nos antecipemos...
  Em primeiro lugar, quero falar do lançamento do livro, que acontecerá oficialmente no dia 06 de maio, na Livraria da Travessa, no Centro do Rio de Janeiro. "Pule de dez", certamente, no mercado de lançamentos!
  Mas em segundo lugar, quero compartilhar a minha comemoração pessoal por ter sido agraciado com um exemplar - em justo sorteio. Além do livro, ganhei uma dedicatória do professor - sem nem entrar na "fila de autógrafos". Rsss.
  Dei uma espiadela, de curioso que sou, mas nem seria necessário. A competência de Muniz no assunto "Platão" é algo que me causa espanto... e até uma salutar inveja.... diga-se de passagem, e com toda a sinceridade que me é peculiar!
  Espero, em breve, fazer um "mix" de tudo o que li, inclusive do texto em questão, e colocar para os amigos daqui.
  Complementando as informações. O livro sai pela Editora Rocco, contendo textos de Fernando Santoro, Kátia Muricy, Paulo César Duque-Estrada, Ricardo Timm de Souza, entre outros, além dos já citados anteriormente. Nos textos, avalia-se a relação de vários filósofos com a arte, como: Aristóteles, Kant, Schopenhauer, Nietzsche, Heidegger, Merleau-Ponty, Deleuze, entre outros.

domingo, 2 de maio de 2010

"Budrus", de Júlia Bacha

  O "Caderno B" do Jornal do Brasil desse fim de semana trouxe matéria sobre o documentário "Budrus", da brasileira Júlia Bacha.
  Franz Valia, autor do texto, começa de forma brilhante dizendo: "Os conflitos entre palestinos e israelenses estão longe de ser resolvidos através da retórica dos políticos de ambos os lados, mas ativistas e pessoas comuns que estão na linha de frente das disputas territoriais começam a se unir para defender interesses comuns".
  E o que o documentário da diretora carioca mostra é algo  improvável: "os esforços de um ativista palestino (Ayed Morra) em unir os rivais do Hamas, Fatah e israelenses, habitantes da pequena cidade de Budrus, para impedir a construção de um muro pelo governo de Israel, que separaria ao meio sua cidade. O muro tomaria trezentos acres de terreno e mais de três mil oliveiras, que são cruciais para a economia local".
  Muitos poderiam fazer a observação de que o que uniu os "adversários" históricos - para não usar a expressão mais forte, porém, talvez, mais verídica, "inimigos" históricos - foi um fato meramente circunstancial e que esse esforço conjunto foi apenas pragmático. Eu até concordo. Mas o importante é perceber que, pelo menos, houve espaço para algum diálogo e esforço conjunto. E isso é um aspecto altamente relevante. Afinal, não seria bastante pragmático, também, deixar de ver os filhos morrendo, de todos os grupos envolvidos citados, por conta dos conflitos que se arrastam há anos naquelas regiões?
  Parabéns, inicialmente ao Sr. Ayed, depois a todos os que se dispuseram a participar desse esforço conjunto... e também à nossa compatriota que registrou esse fato histórico!