segunda-feira, 16 de abril de 2012

Um erro de Spinoza...

   Lia o excelente artigo de A. A. Long, O estoicismo na tradição filosófica: Spinoza, Lipsius, Butler, que faz parte do livro Os estoicos, organizado por Brad Inwood e publicado pela Odysseus, aqui no Brasil - aliás, para não precisar dizer mais nada sobre a qualidade do tal livro, basta indicar que ele é a tradução do The Cambridge Companion to the Stoics -, quando vi uma grave acusação sobre um "erro" do nosso querido holandês.
   É certo que a "acusação" está numa nota de rodapé, com aquela letrinha miúda, e é "amenizada" com a referência de que se trata de um "equívoco" de Spinoza. Mas... vamos à nota:
   "Spinoza representa os estoicos de maneira equivocada ao escrever (V, Prefácio) que 'a mente não tem domínio absoluto sobre as paixões [NOTA MINHA: até aqui, Spinoza está falando de sua filosofia]; no entanto, os estoicos achavam que elas dependem inteiramente de nossa vontade e que podemos comandá-las absolutamente'. Aqui, Spinoza parece confundir a tese estoica de que as paixões são juízos ou funções da mente racional com a liberdade da vontade em relação à causalidade antecedente. Lipsius procede de maneira semelhante (Física, I 14)".
   A parte forte da declaração spinozana são os advérbios "inteiramente" e "absolutamente". Entretanto, não sei se ele estava completamente equivocado no seu texto. Isto porque, pode ser que Spinoza esteja tratando do "sábio estoico", que, conforme a ortodoxia do Estoicismo, tem, sim, a capacidade de julgar perfeitamente, o que representaria um completo acerto em relação ao que é apropriado ou não à sua vida, e isso acabaria por excluir a força das paixões sobre ele.
   Ainda que haja um engano na percepção spinozana da doutrina estoica - ressalvando-se que ele possuía em sua biblioteca livros de Sêneca e Epicteto -, há que se reconhecer que os estudos sobre essa Escola evoluíram muitíssimo após o tempo dele, o que trouxe novas luzes a antigas ideias sobre o Estoicismo.
   Ainda assim, eu arriscaria dizer que Spinoza não se enganou!

Juan Pérez de Montalbán

   Estava fazendo uma pesquisa sobre a biblioteca de Spinoza, a fim de encontrar uma suposta influência do humanista flamengo Justus Lipsius (1547-1606) sobre nosso querido Spinoza. Não há nenhum texto de Lipsius, apresentando diretamente seu pensamento, nem mesmo um exemplar do famoso De Constantia. Há apenas um livro das obras de Públio Cornélio Tácito (55-120), comentada por Lipsius.
   Entretanto, o que achei mais interessante foi encontrar o livro "Comedia Famosa del Perez de Montalvan". Quem achava que o nosso querido holandês era um sujeito taciturno e pouco dado a sorrisos pode ficar intrigado com a informação.
   O tal livro parecia conter quase uma centena de comédias do espanhol Juan Pérez de Montalbán (1602-1638). Sobre este escritor, nada achei na Wikipedia em Português, tendo que ir procurar na versão em Espanhol. Lá está a curiosa informação que: "Se consideraba a Pérez de Montalbán, junto a María de Zayas, uno de los autores de novelas más licenciosas, escabrosas y macabras del siglo XVII". É certo que Spinoza não possuía as tais "novelas", mas tão somente as comédias... Mas será que não tinha algo de parecido, nestas?
   O fato é que nosso sisudo filósofo também gostava de dar umas risadas.


sexta-feira, 13 de abril de 2012

"Torna-te o que tu és"

   Essa é a famosa frase de Píndaro, poeta grego que viveu na passagem do século VI para o V aC. A frase, com pequenas variações, é muito usada como forma de encorajamento. Algo do tipo: tenha a coragem de fazer o que deve ser feito por você mesmo! Vá em frente!
   Apesar de não fazê-lo no sentido citado acima, eu mesmo já comentei a frase aqui no blog... pelo menos, penso que sim. Rsss.
   O que me faz escrever, hoje, entretanto, é registrar o quanto, muitas vezes, perdemos as circunstâncias em que se diz algo, deixando de compreender o real sentido da sentença. Em alguma medida, penso que isso acontece com essa frase de Píndaro.
   Senão vejamos. Completemos, inicialmente, a frase escrita nas Píticas II: "Torna-te o que tu és, compreendendo".
   Depois, expliquemos que "compreendendo", no grego de Píndaro, diz respeito ao verbo "manthanein", e não "didaskein". Há grande diferença entre um e outro. O primeiro designa a apreensão de um saber técnico, que tem como fonte exclusivamente o exterior, e que pode ser compreendido por um homem qualquer que seja sua natureza. Já o segundo, do qual Píndaro faz uso, evoca a apreensão de algo que, embora sendo fruto de uma paideia, isto é, de uma educação formadora, só pode repercutir em homens de determinada natureza, uma natureza nobre.
   Píndaro é defensor da ideia de que a nobreza de caráter é uma questão de sangue. Segue-o nesta ideia outro poeta, seu contemporâneo, Teógnis, quando afirma que "Nunca, ensinando, farás de um vilão um homem de bem". E não o farás, diria eu, porque as virtudes não pertencem ao gênero do que pode ser apreendido pelo ensino que diz respeito ao didaskein, mas tão somente por aquele ensino que amadurecerá conteúdos do próprio homem de bem, o qual diria respeito ao manthanein.
(Fonte: VERGNIÉRES, Solange. Ética e Política em Aristóteles - physis, ethos, nomos. São Paulo: Paulus, 2008)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

"Ética aplicada"

   Hoje em dia, vemos muito a expressão "ética aplicada"... junto com "bioética", "ética da Imprensa", etc. e tal.
   Mas será que nos esquecemos que, desde Aristóteles, a "ética" fazia parte dos conhecimentos "práticos" - em oposição aos "teóricos"? Isso significa que, desde sempre, a "ética" foi proposta como "aplicada", no sentido de não dizer respeito a algo apenas contemplativo, mas eminentemente prática.
   Afinal, o que pensamos que é a "ética", hoje em dia?

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Leibniz "Arght"

   Alguns não devem ter entendido o "Arght!" que fazia parte do terceiro post sobre o "neoestoicismo" de Spinoza, quando falei de Leibniz. Embora já tenha feito algumas citações explicando minha "bronca" com este "senhor", explico novamente, para os mais novatos no blog.
   O fato é que "Herr" Leibniz - segundo alguns, mesmo se valendo de "apoios" da filosofia spinozana - negava, por medo de ficar "mal falado", sequer ter mantido contato com o holandês... ao contrário do que provam as cartas trocadas entre ambos... quanto mais tê-lo encontrado alguma vez. Esse Leibniz era um "mentiroso" de marca maior!
   Vejamos o que nos diz Maria Luísa Ribeiro Ferreira, em seu "Uma suprema alegria", pp. 59 e 60, sobre a opinião do alemão em relação a Spinoza:
   "Leibniz conhece Espinosa directamente, com ele estabelece relação pessoais e epistolares (Nota 13: São disso testemunho as Cartas XLV de Leibniz a Espinosa; XLVI de Espinosa a Leibniz e LXXII de Espinosa a Schuller). Mesmo antes da publicação de Opera Postuma tem contacto com extractos da Ética. No dizer de Yvon Belaval, interpreta o filósofo segundo dois critérios: lógico-matemático e metafísico. O seu posicionamento é ambivalente, alterando-se os testemunhos elogiosos [Esses, eu não conheço!?!?] e as críticas cerradas. A confissão de espinosismo com a qual inicia os Novos Ensaios revela um interesse e uma atracção que nunca o abandonam. Contudo, a posição oficial (a predominante) é de repulsa.
   Embora leitora atento de Espinosa, Leibniz partilha das críticas comuns à sua época. Espinosa é para ele um cartesiano que não soube levar a cabo a aplicação dos 'mos geometricus' [Caramba... Spinoza é reconhecido justamente pelo contrário!?!?!]. As suas demonstrações são enganadoras e as definições iniciais da Ética são desmontadas, numa tentativa de lhes apontar fragilidades [Ah... Fala sério, Leibniz!]
   No plano metafísico, Leibniz rejeita explicitamente certas temáticas espinosanas como a identificação de Deus e da Natureza, a negação da criação, a definição de uma Substância única, a inerência dos modos na Substância, a recusa de uma vontade livre quer em Deus quer no homem. Todas estas teses são sistematicamente refutadas pelo filósofo alemão, que aponta até mesmo a sua extrema perigosidade. E as críticas nem sempre mantêm a serenidade e o rigor desejáveis num filósofo [Pois é, "num filósofo", mas estamos falando de Leibniz!]. Tal como seus contemporâneos (e posto que Espinosa sempre o tenha fascinado [E a quem não fascina?]), Leinbiz é excessivo nas acusações e injusto nos confrontos [Mas esse é o caráter do sujeito, Dra. Maria Luísa!]. Interessa-lhe denegrir Espinosa, e todos os meios são válidos [E a gente ainda acha que as "rasteiras" no meio acadêmico são coisas da atualidades apenas! Rsss]. Mesmo que se tenham que combinar elementos tão díspares como cartesianismo e cabalismo, como aparece no excerto: '(...) é a partir de uma combinação da Cabala e do cartesianismo, maximamente corrompidos, que Espinosa formou a sua doutrina monstruosa' (Carta de Leibniz a Bourguet, 1709)".
   "Uuuuuuuuu!". Esse é o único a argumento que me vem à cabeça para refutar "Leibinho".
  

terça-feira, 3 de abril de 2012

Comte-Sponville e a arte contemporânea

   Mesmo o "pessimista" Schopenhauer, em relação à arte, tinha seus momentos de otimismo... o mesmo com o "amargo" bigodudo Nietzsche.
   Se os "duros" alemães citados veem uma "saída" na arte - se bem que "a arte" de seus tempos -, o "leve" francês André Comte-Sponville se mostra meio "rigoroso" com a arte do nosso tempo.
   No ensaio "O capitalismo é moral?", incluído no livro "Valor e verdade", publicado pela Martins Fontes, em 2008, o autor escreve:
   "Vejam (com exceção de alguns artistas) nossos museus de arte contemporânea e perguntem a quem aquilo pode atrair [...] Mas a arte é apenas um sintoma. Do quê? [...] do vazio, do niilismo, da mercantilização de tudo... Temos os artistas que merecemos. Como recriminá-los de ser insignificantes, se é nossa sociedade que não tem mais nada a dizer? O mercado só conhece mercadorias".
   Caramba... Sponville estava meio "amargo" nesse dia, hein!

Spinoza "neoestoico" (3)

   Fiquei surpreso quando quis retomar o assunto do possível "Neoestoicismo" de Spinoza, e reparei que o post anterior - que prometia continuidade em breve - é de julho de 2011. Aliás, mais do que surpresa, fiquei envergonhado. Um projeto tão inacabado assim merece uma crítica severa... Olha o "prato feito" para você, compadre Mundy. Rssss.
   O fato é que, desde a longínqua postagem de número dois, venho lendo mais sobre o movimento estoico. Isso tem me dado mais clareza de que não é adequado falar em um Spinoza "neoestoico".
   O livro "Os estoicos", organizado por Brad Inwood, publicado pela Odysseus em 2006, que é uma tradução do - sempre ótimo - "The Cambridge companion to the Stoics", traz vários artigos interessantes, que acabam "respingando" na questão que me interessa - o "Neoestoicismo" de Spinoza. Entretanto, há um bem específico, escrito por A. A. Long, "Estoicismo na tradição filosófica: Spinoza, Lipsius, Butler". O item que trata do "nosso" filósofo é "Spinoza (1632-1677): um quasi-estoico?".
   Agora, uma curiosidade: vocês sabem quem foi o "sujeito" que inaugurou esse questionamento sobre o "estoicismo" de Spinoza? Só descobri agora... foi um tal de... - arght! - Leibniz!
   O item que eu citei acima - do quasi-estoico - começa assim:
   "Leibniz atribuiu a Spinoza e Descartes a condição de dirigentes da 'seita dos estoicos novos', mas sua avaliação revela antes a inquietação com a ética e a teologia destes do que como esses filósofos viam a própria relação com o estoicismo".
   Depois - espero que não oito meses depois -, eu comento mais!
   

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Para descontrair...

   Vejam vocês como um aluno que dá respostas "pouco convencionais", na nossa estrutura de ensino que preza fundamentalmente a ortodoxia, pode sair "prejudicado".
   O link foi enviado por uma amiga. Riam o quanto quiserem!
http://lobotomia.com.br/tirou-zero-sem-responder-nada-errado/
   Mas há um problema com a brincadeira. Já na primeira pergunta - "Em qual guerra Napoleão morreu?" - há um engano, já que Napoleão não morreu em guerra nenhuma. Ele morreu, sim, na Ilha de Santa Helena.
   Então, ficamos com a questão anulada... e o garoto tiraria nota 1,0, pois, neste caso, ele e o professor erraram juntos.