terça-feira, 30 de abril de 2013

"Acima das paixões"

   Por estes dias, foi publicada, na revista encartada no jornal O Globo, uma matéria que tratava do júri popular presente nos tribunais.
   O texto explicava toda a dinâmica de escolha e participação das pessoas que compõem o júri. Como fonte de informação, a matéria cumpria bem seu papel. Mas penso que não haveria nada que merecesse espaço aqui no blog.
   Entre as fotos publicadas, entretanto, havia uma que era de uma placa que se encontra no Museu da Justiça. Nessa placa, estavam inscritas as seguintes palavras:
"Cidadão Jurado!
Engrandeça este Tribunal,
engrandecendo-se.
Agigante-se dentro de si mesmo,
decidindo ACIMA DAS PAIXÕES.
Não sinta ódio, nem pena, de ninguém.
Julgando com a sua consciência, 
não tenha medo de errar.
Entrando neste recinto, 
só aceite compromisso com a lei
e com a sua dignidade." (O GRIFO É MEU)

   Sem querer discordar da instituição "Tribunal de Júri", realmente para decidir "acima das paixões"? 
    Mesmo concordando com outras partes da citação, como "não sinta ódio" ou "só aceite compromisso com a lei e com a sua dignidade", esse excesso de racionalismo chega a ser ingênuo.
   Eu não sei quando a placa foi escrita. Provavelmente, o foi naqueles áureos tempos do Positivismo. Desculpa-se, neste caso, aquela crença excessiva na razão. Mas... o pior é percebermos que, ainda hoje, se acredita nessa possibilidade de um ser humano "à la Spock" - de Jornada nas Estrelas -, no qual a paixão pode - e deve, inclusive - estar dissociada da razão para que se possa proceder a um julgamento bem feito.
   Mais feliz foi Spinoza ao propor uma espécie de "razão afetiva"!          

quarta-feira, 24 de abril de 2013

85ª amiga dos amigos

    Mariana Belize, seja bem vinda!
   Temos a sorte de ter mais alguém capaz de compartilhar conosco as aventuras de um pensar vivo. Espero que a Mariana possa, em algum momento, atualizar essa possibilidade.
   Mariana, sinta-se à vontade para fazê-lo quando desejar, tanto colocando comentários sobre algum post, quanto sobre algum assunto que deseje.
   Grande abraço!

quarta-feira, 17 de abril de 2013

O "mistério" do Mundo

   
   Na segunda parte de O Mundo como Vontade e Representação, Schopenhauer fala sobre o espírito filosófico, que se espanta/admira diante do quotidiano, buscando investigar, então, mesmo aquilo que não suscita a curiosidade das demais pessoas.
  Ao final de sua análise, ele escreve algo muito interessante, que está absolutamente conforme sua descrição anterior, mas que, em certa medida, contraria o senso comum. Diz ele:
   "Quanto menos um homem é inteligente, menos mistério tem para ele a existência".
   Seria bom entender o "inteligente", não necessariamente como uma capacidade inata, mas sim como uma espécie de resultado do exercício do intelecto.

A tragédia do estupro (3)

   A Parte III da Ética contém uma passagem que lembra bem o que sentimos no caso de "tragédias" tão marcantes quanto aquela do estupro que tem ganho espaço neste blog.
   Trata-se do escólio da Proposição 52. Lá está:
   "Esta afecção da mente, ou essa imaginação de uma coisa singular que, sozinha, ocupa a mente, chama-se admiração [Aqui, com o sentido de 'espanto']. Se, entretanto, a admiração [ou espanto] é provocada por um objeto que tememos, designamos por pavor, pois a admiração [ou espanto] diante de um mal mantém o homem de tal maneira suspenso na sua exclusiva consideração que ele é incapaz de pensar em outras coisas que lhe permitam evitá-lo. [...] Chama-se, além disso, horror, se o que nos admira [ou espanta] é a ira, a inveja, etc."
   No caso do "horror" que sentimos na situação em questão, ele representa o espanto não só pela "ira, inveja, etc.", mas sim pelo conjunto de afecções produzidas pelos "não-humanos" que perpetraram aquelas ações.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Steven Nadler

   Depois que li Espinosa - vida e obra, do Steven Nadler, passei a nutrir grande admiração por esse autor, que é professor de Filosofia da University of Wisconsin-Madison.
   Consegui comprar, já há algum tempo, Spinoza's Ethics - An Introduction, publicado pela Cambridge University Press. O livro é fantástico. Por esses dias, consegui outro dele: A book forged in Hell. Esse, publicado pela Princeton University Press, em 2011, versando sobre o Tratado Teológico-Político, de 1670. Não li ainda, mas, por conta de um "preconceito" (positivo), imagino que deva ser ótimo também.
   De qualquer forma, o que eu queria registrar era um resumo que Nadler faz da Ética, em apenas um parágrafo, e que dá uma noção interessante da profundidade do livro de Spinoza.
   Escreve Nadler:
   "Spinoza's ultimate goal in the Ethics is to demonstrate the way to human happiness in a deterministic world filled with obstacles to our well-being, obstacles to which we are naturally prone to react in not entirely beneficial ways. Before he attempts to answer that ethical question, though, it is necessary for Spinoza to reveal the nature of the world itself, as well as the nature of ourselves as human beings and our place as knowers and agents in that world. Thus, before it enters the terrain of moral philosophy (in Parts Four and Five), the Ethics begins with metaphysics (Part One), a philosophical anthropology and a theory of human knowledge (Part Two), and a philosophical psychology (Part Three)".
   Lido isso, qualquer um pode partir tranquilo para explorar esse "tesouro" que é a Ética.
    Obrigado pela participação no blog, Nadler... indiretamente, é claro! Rsss. 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Mente sã... em um corpo sadio

   Uma mais leve, agora... Ufa...   
  
   Se é possível existir uma mente sem um corpo, eu não sei. Opino que não seja. De qualquer forma, enquanto estou na "duração" - lembrando nosso querido Spinoza -, vou cuidando desse "modo finito da Extensão" - repetindo, também o luso-holandês.
   Ultimamente, para cuidar do corpo, tenho corrido. Bem... na verdade, correr, já o faço desde uns dezoito anos, sozinho; mas agora estou participando de corridas de rua, com aquele montão de gente. Tem sido muito interessante. O ambiente é bastante legal. Pena que não haja uma "Corrida Filosófica"... Vou sugerir isso a alguém. 
   Ops... voltando do meu desvio...
   Ontem, domingo, participei de uma corrida no Aterro do Flamengo - Série Delta, 1ª etapa. Antes, só corria 5 km. Oficialmente, foi meu debut nos 10 km. E não é que consegui ficar em 21º lugar na minha categoria ("coroas" entre 45 e 49 anos)?! Boa estreia, não foi?
   À noite, tive que fazer uma reidratação com cervejas. Afinal, ninguém é de ferro. Rsss.

Marco Feliciano

   Sinceramente este senhor, que é pastor evangélico e deputado federal, não me espanta com nenhuma de suas afirmações. Portanto, seus ataques homofóbicos e racistas, apesar de causar indignação, não despertam estranheza.
   Hoje, soube da divulgação de um vídeo - não prestigiei o Sr. Marco Feliciano nem mesmo assistindo à exibição - onde o "homem de Deus" e "representante do povo" diz que Deus teria matado John Lennon e os integrantes dos "Mamonas Assassinas". Não se pode negar que, em certa medida, o "ilustríssimo" deputado está dizendo a verdade; afinal, desde criancinha, sempre escutei que Deus controla tudo no mundo. Portanto, cada morte, seja ela violenta ou não, atende a um desígnio seu. 
   Mas... obviamente não foi isso que o Sr. Feliciano - antes ele se chamasse "Tristeciano"! - quis dizer. O que ele propôs foi que, por causa de Lennon dizer que os Beatles eram mais famosos que Jesus Cristo e das músicas dos "Mamonas" terem conteúdos inadequados, eles foram castigados, tendo mortes violentas.
   Por incrível que pareça, também não me causou espécie isso.
  E, pasmem, também não estranho o sujeito ter um "rebanho" - que, como todo rebanho, é conduzido pelo seu pastor... mesmo que ele, o pastor, mas não necessariamente o deputado-pastor, seja um louco e jogue todas as ovelhas precipício abaixo -, e que este rebanho, agora, do deputado-pastor comungue da mesma opinião que ele, seja sobre homossexuais, negros, Lennon, etc.
   Assustem-se mais ainda. Também não estranho que o tal "rebanho" vote em seu pastor, e que tenhamos que dizer que ele é "nosso" deputado. Afinal, isso é o que se chama de "democracia" - não era à toa que Platão não gostava dela!
   O que me assusta mesmo é um país grande como o nosso - em extensão e em riquezas, mas pequeníssimo, micro mesmo, em cultura - ter um sistema de "troca de favores" tão humilhante que coloque um "senhor" como esse em uma comissão legislativa tão importante como é a dos Direitos Humanos.
   Para esse Brasil, porque eu quero descer!

A tragédia do estupro (2)

   Não bastasse tudo o que já soubemos que aconteceu na "van do medo e da piedade", hoje é veiculada a notícia de que as três "coisas" foram "oferecer" a moça, já violentada e machucada fisicamente, a outra "coisa" numa "comunidade", e que ela foi recusada. Infelizmente, entretanto, não podemos ficar felizes com o suposto ato de dignidade humana de quem recebeu a oferta. O fato simples é que ela estaria "muito estragada".
   Isso me faz lembrar uma conversa filosófica que tive, em certa oportunidade - certamente, depois de alguma outra barbaridade cometida por um pretenso "ser humano" -, com meu amigo Henrique Peres. O tema era se alguém, através de alguma ação - ou mesmo omissão -, poderia perder seu status de "ser humano". Ou seja, algum ato faz com que um homem perca a qualidade da humanidade?
   Ambos concordamos que isso seria possível. O problema seria definir o responsável em decidir a perda da "humanidade" e o novo estatuto - ontológico, jurídico, político, etc. - desse "indivíduo".
   Continuo com uma ideia meio problemática quanto a isso. Penso sempre que se a nossa sociedade é de seres humanos, alguém que não o é não pode sequer ficar encarcerado, já que as prisões são também feitas - em tese, pelo menos - para indivíduos dessa espécie - "espécie", aqui, não no sentido meramente biológico, visto que, neste sentido, o tal indivíduo nunca perderia as qualidades que o distinguem de outras espécies animais.
   Penso, entretanto, que se Aristóteles está certo em relação ao homem ser um zoon politikon, só pode ser homem quem se submete a algum regramento político - e obviamente jurídico.
   Portanto, se houvesse uma instância capaz de decidir pela exclusão de um determinado indivíduo da "categoria" de ser humano, penso que ele deveria ser definitivamente exilado do "mundo humano", ainda que isso custasse a própria existência biológica desse ser.
   Difícil debate, hein!
   Tenho um livro sobre esse tema. Depois comento sobre ele.   

quinta-feira, 4 de abril de 2013

A tragédia do estupro

   Se eu acreditasse em reencarnação, diria que já fui uma mulher e que fui estuprado, ou melhor, estuprada, em alguma vida anterior. Digo isto por conta dos afetos que surgem em mim diante de casos  de violência sexual contra mulheres.
   Como não acredito em reencarnação, limitar-me-ei a fazer uma reflexão filosófica sobre a questão.
   Pensei logo na Poética, de Aristóteles, que analisa as tragédias.
   Lá, o Estagirita fala das emoções/paixões que surgem na plateia diante da representação do enredo. E essas emoções são as de piedade e medo.
   Percebendo o sofrimento não merecido de alguém, apiedamo-nos desta pessoa, e, ao nos identificarmos com sua condição humana, tememos pela possibilidade daquilo também acontecer conosco.
   No caso que me faz escrever - o do casal de turistas submetido a violência física e psicológica, durante seis horas, tendo sido a moça estuprada durante várias horas por três "coisas" -, o problema é que sentimos isso, mas não se trata de um enredo  - ou mythos, como escreve o macedônio -, e sim de um fato. Ficamos, portanto, privados daquela "barreira de irrealidade" que nos possibilita fazer uma experiência psicagógica saudável, que gerará efeitos positivos, transformando-nos eticamente, depois da katharsis, produzindo mesmo um prazer, segundo nosso filósofo.
   Sem essa "barreira", não estamos diante daquela universalidade do que "poderia ser", mas sim efetivamente do que é. Parece-me, então, que toda a teoria peripatética "vai por água abaixo" - embora tenhamos que fazer justiça a Aristóteles de que sua teoria não foi postulada para estas condições reais. Neste choque de realidade, ficamos com heleos (piedade) e phobos (medo) remoendo nossa alma/psyché, sem conseguir aquela salutar katharsis.
   O que fazer agora? Esse é um momento de cuidado, para que não cedamos àquela proposta simplória e pobre de "Tem que matar! Tem que castrar! Tem que estuprar, também!".
   Mas também temos que evitar a crença de que estes homens foram simplesmente moldados pelas circunstâncias - certamente violentas - que envolveram a constituição de suas subjetividades.
   Difícil, hein!