sábado, 30 de maio de 2015

Facas (2)


   A piada do post anterior diagnostica um problema real, que são as investigações baseadas em provas "frágeis". Afinal, sob tortura, muito provavelmente, eu me acusaria até de ter matado meu pai. Mas a crítica feita não se refere só à tortura, mas na fragilidade material das provas como um todo. No caso específico do latrocínio do médico Jaime Gold, por exemplo, há a testemunha que identificou dois garotos negros, quando tinha dito que era um branco e um negro. Isso, sem contar o fato de que, num primeiro momento, ele afirmara que não poderia reconhecer os criminosos.
   Mas eu não gostaria apenas de registrar uma opinião contra a Polícia e seus métodos investigativos. Se essa crítica pode até ser válida sob o enfoque específico do oferecimento da caracterização do crime e de seus autores para o Ministério Público prosseguir com o caso, isto não resolve a questão sob uma avaliação mais ampla, que envolve a perspectiva da violência social como um todo.
   Quisera eu, como vejo tantos "especialistas" fazerem, apontar uma única ação que corrija o problema da violência como um todo. Uns apontam o aumento do contingente policial... E ponto final. Outros dizem que é necessário diminuir a maioridade penal, e só. Uns tantos mais dizem que é só a educação que pode mudar essa situação. Há outros ainda que falam da importância de inculcar nos jovens os valores corretos. Existem propostas de penas mais duras - perpétuas e até de morte - para os criminosos. E algumas outras.
   O que me parece correto, contudo, é perceber que se trata de um problema com diversas causas simultâneas - que, eventualmente, podem até se retroalimentar umas às outras. E, se é assim, a solução dificilmente passará por resolver pontualmente apenas uma dessas múltiplas causas. 
   Chamou minha atenção, por exemplo, especificamente neste caso, a situação do segundo menor acusado, que tem quinze anos. Segundo as informações que obtive pela mídia, trata-se de um jovem que estuda numa escola pública bem conhecida; que foi entregue pela própria mãe, ao ter conhecimento da participação do filho em crime com tamanha gravidade; que já fora apreendido duas vezes anteriormente por furto e que teve determinado, por parte da Justiça, o cumprimento de medida socioeducativa - ficando 45 dias numa instituição para tais fins, da qual foi solto para cumprir pena alternativa de serviços à comunidade... o que, no entanto, não foi realizado.
    Embora haja diversas nuances que poderiam ser acrescentadas nessa minha breve lista, seria importante chamar atenção para alguns fatos:
   1º) o jovem estuda - parece-me que está no 8º ano. Não parece que a educação lhe foi suficiente;
   2º) a mãe do jovem parece ser uma pessoa de princípios, e, pode-se imaginar, que tenha apresentado os valores nos quais acredita ao próprio filho. Isso também não pareceu suficiente;
   3º) o jovem foi apreendido pela Polícia, não sendo possível escapar com o famoso "Sou de menor, tio!". E, isso, por duas vezes. Mas a eficácia da Polícia também não foi suficiente para coibir a violência; e
   4º) houve cumprimento de medida socioeducativa em instituição para menores por um tempo razoável. Contudo, isso também não foi suficiente.
   Obviamente, muitas análises mais profundas podem ser feitas. Aliás, devem ser feitas... e, isso, contando com informações mais diretas do jovem, de sua família, dos casos em que esteve envolvido, de seu comportamento na escola e na instituição de recuperação e etc. Mas o que eu quero registrar é a complexidade da questão, que, por vezes, apresenta casos que nos surpreendem pela presença de circunstâncias cuja ausência nos pareceriam essenciais para a ocorrência deste grau de violência.

"A melhor polícia do mundo"


   O título do post é o mesmo do da coluna do jornalista Aydano André Motta, publicado hoje em O Globo.
   A coluna faz uma crítica à rapidez com que foi "resolvido" o caso do Dr. Jaime Gold, o ciclista morto a facadas na Lagoa. A crítica, na verdade, é à possibilidade de essa veloz solução do caso não condizer com o que ocorreu, de fato. 
   Apesar da seriedade da questão, a coluna começa com uma piada, que, no entanto, faz parte da realidade de situações similares - ou até mesmo desse próprio crime. 
   Como eu brinco dizendo que perco o amigo, mas não a piada... lá vai o texto, que simula a narração de um concurso para determinar a melhor polícia do mundo - com ar daquelas transmissões futebolísticas que conhecemos:
   "Bem, amigos do GLOBO: falamos diretamente da final do concurso de melhor polícia do mundo. A competição chega ao seu desfecho com a apresentação do último concorrente, que vem de uma capital tolerante e morena, amada por todos [Nem dá para imaginar que se trata do Rio de Janeiro, não é?]. A prova derradeira consiste em encontrar um coelho num pequeno bosque. Com um avançado sistema de satélites, o FBI conseguiu achar o bicho em três minutos; a Scotland Yard e seus cães farejadores cumpriram a missão em dois minutos. Agora, lá vai mata adentro o inspetor Bigode, solitário representante da polícia morena. Haja coração! E apenas 30 segundos depois, ele está de volta, conduzindo a presa, que apresenta diversas escoriações. É uma tartaruga! Mas esperem... vamos ouvi-la:
- Eu sou um coelho! Eu sou um coelho!
É tetraaaaaa!"
   Apesar da brincadeira, o assunto é muito sério. 

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Não-reforma Política


   Fiquei muito preocupado ao saber como seria feita a votação da "Reforma Política" brasileira. Com a votação em separado dos diversos temas, corríamos o risco - que ainda corremos - de ter uma "colcha de retalhos" horrível ao final do processo.
   Porém, triste mesmo eu fiquei ao ver serem rejeitados o fim das coligações para votos proporcionais (deputados e vereadores) e da rigidez na cláusula de barreira. Desta forma, permanece a possibilidade das "legendas de aluguel", bem como a eleição de candidatos com linhas ideológicas - se é que isso ainda existe realmente - totalmente díspares, a partir da existência, na coligação, de um grande "puxador de votos".
   Em O Globo de hoje, há uma matéria com o título "Mudança que não muda". No canto da página, há um texto sobre a visão do professor de Filosofia Política e Ética da Unicamp, Roberto Romano, que eu assinaria embaixo com muito orgulho.
   O texto diz:
   "Esta reforma política é uma estratégia de despiste. Uma estratégia para não se resolverem os problemas essenciais do Estado e da representação: o Parlamento trata de questões da reforma para a sociedade não o cobrar mais. Para citar a frase muito conhecida de Lampedusa, 'é preciso mudar para que tudo continue o mesmo'. Não é uma reforma séria. O Parlamento brasileiro não tem a qualidade do Estado moderno de ser institucionalizado. A atitude do presidente da Câmara de desconstituir a comissão de reforma, por exemplo; por mais defeitos que o relatório da comissão tivesse, era um instrumento institucional. Mas, na tradição brasileira personalista pré-democrática, ele usou os poderes de presidente, de forma imperial. Além disso, para que esta fosse uma reforma política crível, precisaria ter começado por tratar da legitimidade dos partidos. O que a Câmara fez hoje (ontem), ao manter as coligações para eleições proporcionais e ao aprovar cláusula de barreira não tão rigorosa para o acesso a Fundo Partidário e tempo de TV, mostra como políticos são autopreservadores, e como tiram os programas partidários da vista do eleitor. No caso do acesso ao Fundo e ao tempo de TV, desde que o STF proibiu a cláusula de barreira, a anarquia se estabeleceu nessa área. Se você não tem critério juridicamente seguro para que só partidos com estofo político obtenham esses recursos, isso dificulta decisões sobre a questão. Em um seminário esta semana, ouvi a seguinte análise de um jurista: 'Cobram a fidelidade do político ao partido, mas não a fidelidade do próprio partido'. Não se questiona a fidelidade ao programa, o que legitima o partido. O problema é que a base da legitimidade democrática é a legitimidade partidária".
   Valeu, professor Romano!

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Mais um amigo...


   Recebamos nosso novo amigo, J de Oliveira, de braços abertos. Bem vindo, amigo. O blog é nosso. Fique à vontade para qualquer comentário.
   Agora, somos 108!

terça-feira, 26 de maio de 2015

Laranja Mecânica


   Ao ouvir a expressão "Laranja Mecânica" é quase natural lembrar de Stanley Kubrick e do filme produzido por ele. Só que, como sabemos, Kubrick fez uma adaptação para os cinemas do livro, de mesmo nome, escrito por Anthony Burgess, em 1961.
   Num de meus aniversários, recebi de presente de uma querida amiga - que, aliás, é a protagonista do meu interesse pela Filosofia -, a Sandra, a edição comemorativa do livro. Ele é encadernado com capa dura e tem várias páginas de conteúdo extra, com artigos do próprio Burgess e até cópias de páginas originais datilografadas, com anotações pela mão do autor.
   Novamente, no período sabático, era a hora de ler o livro. E foi o que fiz. Por enquanto, ainda faltam os conteúdos extras.
    A estória, para quem não lembra, é a do jovem Alex - um encrenqueiro de marca maior, como tantos outros jovens do ambiente do livro - que é submetido a um tratamento inovador, que consta de "reforços negativos para a ação", numa linguagem de B. F. Skinner, teórico do behaviourismo. Este tratamento dá "certo", pelo menos no que concerne à violência do garoto. Contudo, há certos "problemas" que aparecem posteriormente, os quais serão utilizados politicamente, e que acabam por tornar importante fazer com que o comportamento do jovem volte a ser aquele de antes, tornando-o novamente aquele reprovável rapaz violento e "imoral".
   Há um epílogo no livro - que não aparece no filme e nem na versão americana do texto - que mostra Alex "crescendo", e se pensando em se afastar da vida violenta, retomada após o desfazimento do processo de modificação comportamental.
   O livro é realmente ótimo. Valeu a pena a leitura. Mas o mais curioso foi algo que li nos conteúdos extras - coisa que minha amiga não sabia quando me deu o livro.
   Burgess discute a questão da submissão a um certo nível de "padronização" ser reconfortante. Ele diz algo assim: "Existe algo em nossa natureza gregária que faz com que desejemos nos submeter. Até mesmo os rebeldes anticonformistas encontram suas próprias conformidades: o 'uniforme' de cabelo longo, barba, calças de algodão trançado, miçangas e amuletos, por exemplo, e o invariável gosto por maconha e músicas de protesto tocadas no violão". Contudo, o mais engraçado mesmo é algo que vem um pouco antes: "Talvez exista algo de positivo na submissão social, considerando que a vida dos trabalhadores tem muito pouco espaço para o individualismo: é doloroso ser um especialista em Spinoza à noite e um operário durante o dia".
   Eu me sinto um pouco "um especialista em Spinoza à noite e um operário durante o dia". Rssss.

Steven Nadler e o TTP


   Steven Nadler é autor de A book forged in the Hell, que já tem tradução no Brasil. Desta vez, ninguém inventou, e o título em Português é Um livro forjado no Inferno, ou seja, o equivalente exato do original Inglês.
   O livro já está na minha biblioteca há algum tempo, mas sempre foi ficando para ser lido em um momento mais adequado. E qual o momento mais adequado do que um período sabático? Ou seja, agora. Rsss.
   Por enquanto, só quero registrar que o livro já foi lido. No máximo, acrescentar a observação de que Nadler é um gênio desse tipo de escrita: ele consegue tratar um tema histórico sem deixar de fazer uma análise filosófica. Quero lembrar que ele é também o autor do fantástico Spinoza -  A Life.

domingo, 24 de maio de 2015

Facas


   Diversos blogs, com ênfase em diferentes assuntos, devem estar apresentando seus posts sobre a quantidade incrível de crimes no Rio de Janeiro que têm sido realizados com instrumentos perfurocortantes.
   Um dos mais emblemáticos foi o do ciclista Jaime Gold, um médico de 55 anos, que foi esfaqueado, ao ter sua bicicleta roubada, e infelizmente não resistiu ao ferimento no abdômen, vindo a falecer. 
    Quando se investiga um pouco mais, vê-se que os criminosos são usualmente menores de idade. A violência dos crimes reacende as discussões - ou, talvez, melhor dizendo, aviva mais o fogo - sobre a redução da maioridade penal.
    Penso que realmente há a necessidade de alguma modificação na legislação... contudo, não me parece que seja simplesmente a redução da maioridade penal.
   Vejamos, por exemplo, que, no caso do médico, o adolescente que supostamente participou do crime já tem quinze apreensões, mas apenas pouco mais de um mês de internação em instituições apropriadas. Portanto, para aqueles que exigem a reclusão dos menores infratores, haveria que simplesmente investir nas medidas sócio-educativas que já estão disponíveis. Obviamente, seria outra questão, por exemplo, se elas são suficientes para "corrigir" o comportamento do infrator.
   Particularmente, acho que essa discussão toda tem que ser conduzida com muito cuidado. Há aspectos relevantes que concernem à insegurança social dos menores, ou seja, ao abandono a que eles estão submetidos; mas também à falta de uma autoridade capaz de conduzir melhor o destino dos jovens; e, talvez isso seja o principal, à possibilidade real de correção de uma instituição penal - seja ela voltada para adultos, seja exclusivamente para jovens.

Luís Roberto Barroso


   O ministro do STF Luís Roberto Barroso revogou a prisão preventiva de um jovem no Rio Grande do Sul, detido com 69 g de maconha. Em sua decisão, afirmou que "no atual sistema prisional brasileiro, enviar jovens, geralmente primários, para o cárcere, em razão do tráfico de quantidades não significativas de maconha, não traz benefícios à ordem pública".
   Também observou que: "O ingresso no sistema penitenciário brasileiro, em quase todos os estados, significa colocar o indivíduo em um lugar no qual ele irá embrutecer e tornar-se mais perigoso [...]. De modo que prender uma pessoa não perigosa, pelo tráfico de quantidades não relevantes de maconha, é sujeitar a sociedade ao risco imenso de estar tornando um indivíduo de baixo potencial ofensivo em um criminoso perigoso".
   Afirmou ainda que: "Além disso, custa caríssimo [alguns milhares de reais por mês] para a sociedade brasileira essa política de encarceramento de pequenos traficantes".
     Por último: "Acredito que, em matéria de drogas, é preciso menos Direito Penal e mais soluções alternativas que envolvam superação de preconceitos, informações, tratamentos e reabilitação. O que o mundo já constatou é que o Direito Penal não tem sido uma boa resposta para o problema das drogas".
   Achei a argumentação do Exmo. Sr. Ministro extremamente lúcida. Aliás, neste momento de debate sobre a redução da maioridade penal, vale uma reflexão com base no que disse o ministro Luís Roberto Barroso.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Todos... menos alguns


   Sempre que alguém quer aprofundar seu conhecimento de Aristóteles, e me pede alguma sugestão de leitura, indico Introdução a Aristóteles, de Giovanni Reale, publicado pela Contraponto Editora.
   O livro em questão tem uma visão bastante geral. Contém uma biografia do Estagirita e depois vai se desdobrando em capítulos que tratam das áreas de pensamento a que ele se dedicou - quase tudo, como bem sabemos. Vemos desfilar diante de nós uma análise da Metafísica, da Ética a Nicômaco, da Política, da Poética  e do Organon, para sermos apresentados a uma história das interpretações do pensamento peripatético e, por fim, a uma lista comentada da bibliografia existente.
   Acho o livro importante porque apresenta, em um só volume, uma grande quantidade de conceitos aristotélicos de forma suficientemente clara.
    Contudo... neste final de semana, enquanto aguardava minha esposa comprar roupas para minha filha - o que demoooooora muito -, fui passear em uma livraria e decidi comprar um outro livro introdutório ao pensamento peripatético. Além de sempre haver algo novo a aprender, podia ser válido como sugestão para os amigos interessados em Filosofia. O título do livro é Aristóteles para todos - uma introdução simples a um pensamento complexo, de Mortimer J. Adler. 
   Como tenho certa desconfiança das propostas que tentam explicar Filosofia "para todos", decidi dar uma espiada no currículo do autor. O senhor Mortimer era filósofo, professor e pesquisador nos Estados Unidos, até falecer em 2001. "Ah... assim posso continuar a investigar o livro!", pensei. Afinal, estamos cheios de jornalistas escrevendo livros de Filosofia. Reconheço que, dependendo do caso específico, a leitura pode até fluir melhor para um curioso, mas sempre me inclino a valorizar mais alguém da área utilizando a pena para registrar suas impressões sobre assuntos filosóficos.
   Fui ao Prefácio e soube que o primeiro título pensado por Mortimer foi Aristóteles para crianças. Se este fosse o título, confesso que dificilmente teria a curiosidade de abrir o livro. Mas o autor diz ter compreendido que tal título não representaria "com exatidão a plateia a que essa exposição simples e fácil da obra de Aristóteles se destina. A plateia, acreditava, eram todos - de qualquer idade, a partir dos doze ou quatorze anos". Ah... melhor assim: não era apenas para crianças, mas para qualquer um a partir da adolescência! Aí, veio uma parte curiosa, onde Mortimer explica melhor quem é seu público alvo: "Quando digo 'todos', quero dizer todos menos os filósofos profissionais, em outras palavras, todas as pessoas de experiência e inteligência comuns, que não foram maculadas pela sofisticação e pela especialização do pensamento acadêmico".
   Ooooopa! Pera lá! Senti-me discriminado com esse "maculado". Isso é bullying! Rsss. Brincadeiras à parte, entendi o recado de Adler... embora ache que isso possa ser mais uma estratégia mercadológica para divulgação do livro entre o público apenas  superficialmente interessado pelo mundo filosófico, que poderia se assustar com algo do tipo "este livro atende ao público em geral, mas também aos estudantes universitários e, mesmo, aos filósofos  e pesquisadores na área de Filosofia". Tal apresentação poderia intimidar o curioso, fazendo-o pensar num nível de aprofundamento além das suas próprias expectativas.
    Sinceramente, tendo a não concordar com a ideia de que alguém, simplesmente por ter cursado uma faculdade de Filosofia, deixe de poder usufruir uma leitura mais leve sobre o assunto. Talvez Adler tenha razão no que concerne a um pesquisador especializado em Aristóteles. Este já está tão impregnado com os debates aprofundados sobre as nuances do pensador grego que até se arrepia ao abrir um livro e se deparar com "Aristóteles nasceu em Estagira, na Macedônia, no ano de 384 a.C. ..."
   Por enquanto, o livro ficará de lado, aguardando sua vez na fila sabática. Mas depois eu falarei mais dele.

domingo, 17 de maio de 2015

Caminhando para os 1000 posts


   Há uma memória estatística sobre os posts aqui do blog. E não é que o último deles foi o de número 950!?!? Isso quer dizer que estamos a caminho do milésimo post. Eu vou comemorar, quando isso acontecer. E prometo contar a vocês. Rsss

Le fatalisme vs. The necessitarianism


   Apesar de minha ênfase, agora, ser a Filosofia Política, não posso deixar de continuar estudando alguns assuntos que me encantam, como a natureza, a liberdade e a felicidade humanas. 
  No caso específico da liberdade, Spinoza tem concepções bastante interessantes - a bem da verdade, não é só em relação à liberdade, mas esse é um conceito spinozano que me preocupa muito, em função principalmente do meu campo de estudo, a Ética.
   Um aspecto que sempre tem que ser discutido quando se trata da ética spinozana é o "necessitarismo". Quem se debruça sobre o mundo francófono do mundo spinozano, normalmente descarta essa questão como meramente anglófona. Contudo, eles esquecem que há uma discussão semelhante no mundo francês, que responde pelo título de "le fatalisme". 
   Esse paralelo entre "fatalisme" e "necessitarianism" será algo a que me dedicarei nos próximos tempos.
   Isso... sem esquecer o meu período sabático. Rssss.

Boca vs. River


   Assisti ao triste espetáculo oferecido pela torcida do Boca Juniors, no último jogo contra o River Plate, pela Copa Libertadores. Com o lançamento de um spray similar ao de pimenta sobre os jogadores do River Plate, dentro do túnel de acesso ao campo, a partida teve seu recomeço adiada por quase uma hora, até que finalmente se decidiu sobre sua paralisação definitiva.
   Depois do triste espetáculo, já no dia seguinte, fiquei pensando o quanto o aspecto afetivo da nossa relação com o futebol acaba por "barbarizar" nossa participação como torcedores. Não vamos ao estádio, ou nos postamos diante da televisão, tentando simplesmente apreciar o que se passa diante de nossos olhos. Não! Nós nos colocamos apaixonadamente nesses espaços. Mas a "paixão", aqui, nos empurra de um lado para o outro, sem que pensemos exatamente no que está acontecendo. E essa agitação  de nossa alma, dos nossos estados internos se dá, infelizmente, mais usualmente para o lado "desagradável", digamos assim.
   Vejamos o que disseram especialistas no futebol - embora eu sinceramente ache que esse caso exemplar mereça a discussão por pensadores de outras áreas.
   Renato Maurício Prado, em O Globo, do dia 17/05/15, diz: "Impressiona e desanima a capacidade que o futebol tem de aglutinar imbecis e marginais [...]. [Palavras duras, mas absolutamente verdadeiras!] O problema é que os cartolas e seus tribunais, na América do Sul (Brasil aí incluído), costumam ser tão ou mais nocivos que os 'barras bravas'. E assim, a Libertadores segue ano após ano como um competição de várzea metida a besta". [Muito feliz a expressão "competição de várzea metida a besta", visto que, naquele tipo de competição, há um "vale tudo" danado].
    Fernando Calazans, no mesmo dia e mídia, diz: "[N]ão tem o menor cabimento, num MUNDO MAIS OU MENOS CIVILIZADO, a repetição dos acontecimentos de quinta-feira [...]. Se uma partida da Libertadores não pode acabar por causa de agressões a adversários como essa, melhor acabar com a própria Libertadores" (Grifo nosso). [Não chego ao que considero um exagero, acabar com a Libertadores, mas que a repetição de violências, incluindo o que vemos quando brasileiros vão jogar em outros países daqui da América Latina, é uma tristeza sem tamanho para quem gosta de futebol, e acha o mundo "mais ou menos civilizado", isso é!]
   Dois detalhes a mais: (1) os dois times eram argentinos - ou seja, não havia rivalidades internacionais envolvidas e (2) só havia uma única torcida no estádio, a do próprio Boca, para diminuir a possibilidade de confusões - Doce ilusão!

sexta-feira, 15 de maio de 2015

B.B. King


   Perda incalculável para o mundo do Blues e da guitarra: morreu, nesta madrugada, B. B. King.
   Curiosamente, por esses dias, li num jornal que estava havendo uma briga judicial entre algumas filhas do grande gênio da guitarra e sua empresária. As filhas alegavam que o pai estava sendo "explorado" pela empresária, e pediam uma indenização entre US$ 20 e 30 milhões. Esta última, por sua vez, dizia que, em função de um acidente ocorrido com B. B. King durante uma apresentação, vários shows teriam sido cancelados, o que importava em uma perda de arrecadação para ele.
   Nem sei se essa briga continua...
   Mas o fato é que Mr. King se foi, aos 89 anos. 

Philosophy: key themes (2)


   Neste post, gostaria de tratar do conceito de "Tolerância", segundo o que está exposto no livro em questão, de Baggini e Southwell.
   Gostaria de fazer alguns recortes no texto, de uma forma relativamente livre.:
   "We might say that the rights and freedoms embodied in a democratic society imply tolerance". [Nada muito estranho de se pensar!]
   "We need to get a clearer idea as to what tolerance involves. [Essa parte é digna de atenção!] Firstly, tolerance implies an attitude of active disapproval. We cannot be said to be tolerant of things [...] which we are indifferent to. Secondly, we cannot be tolerant of things that we are powerless to change. Tolerance therefore fundamentally must involve a different attitude or practice that we disapprove of, and that we are in a position to change, but choose not to. Tolerance is a choice".
   "But what would lead us to make this choice? One central motive for tolerance is therefore that it leads to social harmony. Most modern societies are increasingly multicultural, containing many belief and value systems, and somehow we must all get along. Tolerance, then, is an essential attitude that enables this to happen". [Muito bem colocada a razão, pelo menos pragmática, da escolha da tolerância como valor]
   [Curiosa a parte que cita John Locke, e sua defesa da tolerância religiosa... principalmente, pelo que virá a seguir] "But there are other reasons to be tolerant. In his essay on religious tolerance, John Locke argues that, as earthly mortals, we are fallible judges of divine truth. People must be allowed to make their own mistakes. [Agora, sim...] But some would object here that such an attitude cannot be true tolerance. If you say to yourself, 'I disagree with his opinion, but he must find out for himself that he is wrong', then you are not according his different opinion any genuine value, for you still think that it's wrong and want it changed. Full tolerance, the objection implies, requires me to accept the validity of your differences with me".
    Aqui está um ponto interessante. Tolerância não pode significar apenas suportar um engano de outrem, pois isto implica que se espera que o tal "erro" se corrija. Não há, então, o reconhecimento da multiplicidade cultural, que é uma realidade atualmente. Neste caso, a liberdade do outro não é realmente contemplada. Talvez até, a "tolerância"/paciência vá se esgotar em algum momento, quando o pretenso detentor da verdade perceber que o outro não se "emenda", insistindo em prosseguir ad aeternum no seu "erro", o que necessariamente exigirá uma correção forçada. E lá se foi a tal "tolerância"!
    Mas há limites para a tolerância? Podemos ser intolerantes com a falta de tolerância?
   Isso é papo para outro post. Rssss

quinta-feira, 14 de maio de 2015

"Minha Casa, Minha Sina"


   O programa do governo federal "Minha Casa, Minha Vida" é uma tentativa de diminuir o problema do déficit habitacional aqui na Terra Brasilis. A ideia parece muito boa: produzir apartamentos a um custo acessível e vendê-los para pessoas que não teriam condições de tomar um empréstimo habitacional em uma entidade regular do Sistema Financeiro. 
    Se a ideia é boa, a execução da mesma tem sido muito questionada. Os locais escolhidos para os empreendimentos não têm a infraestrutura suficiente para abrigar os que para lá vão e as próprias construções são de qualidade ruim - houve até prédios que já tiveram que ser integralmente demolidos, por conta de problemas estruturais severos.
   Agora, porém, um problema maior atinge o programa - obviamente, sem culpa nenhuma direta do governo federal: o domínio das milícias. 
   Uma série de reportagens do jornal Extra, sob o título "Minha Casa, Minha Sina", mostrou que TODOS os 64 empreendimentos destinados à faixa mais baixa de renda, no Rio de Janeiro, estão sob domínio de milícias. Pior ainda, como se lê hoje, "Na ocasião, a série de reportagens 'Minha casa, minha sina' mostrou que, na Zona Oeste, alguns síndicos funcionam como um 'braço' da milícia dentro dos condomínios, cobrando o pagamento de taxas de segurança e levando aos paramilitares moradores que não cumprem à risca as regras".
   Escrevo este post justamente a partir da notícia publicada, hoje, de que um síndico foi preso após ter entregue um morador aos milicianos e de este, supostamente, ter sido morto pelos "donos do condomínio". Escapa-se da moradia em áreas de risco - seja por questões geológicas ou de segurança pública - e se chega a outro lugar com uma lei própria, imposta por bandidos. Ou seja, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come!

Philosophy: key themes


   Há alguns posts atrás, tratei do autor Julian Baggini. Elogiei-o, e indiquei que faria outras leituras de textos seus. Acabei comprando Philosophy: key themes - que é escrito em parceria com Gareth Southwell. O livro é introdutório, mas apresenta muito bem a própria Filosofia e áreas da mesma, como Epistemologia, Ética, Filosofia da Mente, Filosofia da Religião, Filosofia Política e Estética.
   Como meu foco, agora - mesmo durante esse período sabático. Rsss - tem sido a Filosofia Política, foi sobre tal parte do livro que me detive. 
   Há uma primeira apresentação da própria ideia de Filosofia Política, para depois se tratar de conceitos como Liberalismo, Socialismo... e os demais "ismos". Nesta parte, os autores não só apresentam as linhas mestras dessas doutrinas, mas também fazem um pequeno apanhado dos argumentos contra elas. Bastante interessante. Há uma parte que trata mais essencialmente dos fundamentos da Filosofia Política, como, por exemplo, da justificação do Estado e de sua autoridade sobre os cidadãos. Contudo, a parte que mais gostei foi aquela que trabalha os conceitos de Liberdade, de Justiça, de Direitos e de Tolerância.
   Vale à pena a leitura!
   Num próximo post, tratarei de algumas questões do livro.

   

terça-feira, 12 de maio de 2015

Recorde


   Fiquei tão feliz por ter batido meu recorde nos 10 km. Domingo passado, numa corrida pelas ruas do Centro do Rio de Janeiro, estabeleci a marca de 50'02". Já havia corrido abaixo dos 51 minutos (50'40"), mas desta vez fiquei tão pertinho dos 50 minutos que dá até para pensar em bater essa marca. 

A Política de Spinoza (2)


   Voltando ao livro Modelos de Filosofia Política, mais especificamente ao capítulo onde encontramos o item tratando do pensamento de Spinoza.
   O texto faz referência a duas diferenças entre as concepções do "Contrato social" em Spinoza e em Hobbes.
   "Ao passo que Hobbes preferia a forma monárquica, Spinoza defende com grande força que a melhor forma de governo é a democrática. Com efeito, na democracia, o direito do qual cada um gozava no estado de natureza não é transferido a um indivíduo particular (o monarca ou o soberano) mas à coletividade de todos aqueles que subscreveram o pacto social. [...] Mas há também outro aspecto pelo qual a concepção de Spinoza se distingue muito claramente, e criticamente da de Hobbes. O pacto social, uma vez subscrito, não é, na perspectiva spinoziana, absolutamente irrevogável. [...] [S]e a sociedade não atua aquela utilidade comum que é a verdadeira razão do pacto, ele não tem mais nenhum motivo de existir e, portanto, pode ser anulado e destruído".
    Além disso, de acordo com Spinoza, não é possível transferir todos os direitos. A liberdade de pensamento, por exemplo, não é algo de que se possa abrir mão, a não ser recusando a própria humanidade.
   Talvez Spinoza devesse dizer que "a liberdade de pensamento não é algo de que se DEVA abrir mão". Isto porque vemos as diversas ideologias tomando para si o direito de "pensar" pelos seus diversos "seguidores", e estes até se orgulharem do seu pertencimento a grupos dessa natureza. Teriam aberto mão de sua humanidade, esses indivíduos? É... pensando melhor, talvez sim.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

A Política de Spinoza


   Eu citei, há alguns dias, a presença do pensamento político de Spinoza no clássico History of Political Philosophy. Contudo, para fazer justiça a um outro livro que já citei no blog, Modelos de Filosofia Política, há que dizer que, no capítulo referente a "O paradigma do contrato", o autor Stefano Petrucciani também trata do pensamento político do holandês. A extensão das referências é bem vantajosa em relação ao livro de Leo Strauss, mas o que vale é a presença do filósofo num texto específico sobre o tema. Assim, quem se interessar pode pesquisar mais e mais profundamente.
   O capítulo do livro de Petrucciani começa explicando o modelo contratualista. O item seguinte, dentro do capítulo, faz referência ao pensamento de Hobbes. É bem longo, rivalizando com os que abordam Locke, Rousseau e Kant, e ganhando em muito daquele que trata de Spinoza.
   Mesmo perdendo em extensão, a referência ao aspecto democrático do pensamento político spinozano é bem marcante. O autor começa assim o item sobre nosso filósofo: "Encontramos, porém, uma declinação democrática do pacto social na perspectiva de Spinoza (1632-1677)".
   Nos próximos posts, tratarei um pouco mais deste item no livro de Petrucciani.
   

Política de Estado


   Achei bastante interessante uma notícia divulgada em O Globo, no dia 1º de maio de 2015. Ela mostra que o bom senso pode imperar no meio político - raras vezes, é bem verdade -, dando-se mais importância a políticas de Estado do que a políticas de governo. E, portanto, que vale à pena brigar pela continuidade de determinadas ideias, mesmo que elas tenham sido postas em prática por governos de partidos opositores, se elas forem realmente boas para o país, ou também repudiar algo inapropriado para o país, mesmo que isto gere dividendos político-partidários pontuais.
   Lá vai a notícia:
   "Repúdio à redução da maioridade une ex-ministros.
    Sete ex-ministros dos Direitos Humanos - representantes dos governos Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma - se reuniram ontem no auditório da Universidade de São Paulo para assinar uma carta pública de repúdio à proposta de emenda constitucional (PEC) 171, que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade. [...] Paulo Sérgio Pinheiro, um dos ministros na gestão FH, afirmou que a reunião é prova de que o Brasil possui uma política de Estado nos direitos humanos, independentemente do partido que esteja no poder".
   Como eu disse, é uma pena que esses momentos sejam raros. Infelizmente, no Brasil, está difícil vermos atos que representem a Política (com "P" maiúsculo). Mas esse ato é a demonstração cabal de que há possibilidade da correção dos rumos.
   PS.: Em relação ao tema em questão "redução da maioridade penal", acho que a discussão tem que ser bem mais cuidadosa do que ela está se mostrando ser. Aliás, antes da redução da maioridade penal, acho que tem que ser discutida a situação dos encarcerados no Sistema Prisional brasileiro, a qual é muito degradante, em muitos casos que vemos.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

History of Political Philosophy


   O título do post faz referência ao, já clássico, livro organizado por Leo Strauss e Joseph Cropsey. 
   Antes de falar algo especificamente sobre o conteúdo, gostaria de fazer um comentário geral. Comprei a versão inglesa do texto, mas na mesma livraria havia a tradução para o nosso bom Português. O fato é que, curiosamente - aliás, eu não acho nem "curioso" apenas, mas sim "espantoso" -, o livro importado custa mais barato que o nacional. Alguém pode me explicar como um livro com características similares - encadernação quase igual, papel bastante semelhante, tamanho dos tipos também, etc. - que vem do exterior pode ser mais barato que outro produzido aqui? Realmente, acho isso muito esquisito.
   Vamos ao conteúdo, agora. 
   Realmente, o livro é uma peça preciosa, no que concerne à História da Filosofia Política. Há referência ao pensamento político de quase quarenta filósofos - dentre eles, o nosso tão querido Baruch Spinoza.
   Só para vermos a importância de Spinoza, no que diz respeito à Política, o texto escrito por Stanley Rosen começa assim: "Spinoza is the first philosopher to write a systematic defense of democracy".

terça-feira, 5 de maio de 2015

Essa, eu não entendi...


  

  O Lula saiu do PT? Por que ele discursa ao lado de uma placa "Abaixo Plano Levy", se o tal plano é do governo que ele ajudou a eleger?
   São os mistérios da Política brasileira! Rssss

A Revolução dos Bichos


   Já li 1984, de George Orwell, há muitos anos. Apesar de ter achado o livro espetacular, não me interessei por A Revolução dos Bichos. Achava, inocentemente, que o texto era um conto infanto-juvenil.
   Há alguns anos, um dos meus amigos filósofos desfez essa minha ilusão. Desde então, fiquei com vontade de ler o tal livrinho. O pior é que ele sempre adoçava a minha boca, com comentários sobre o texto, quando falávamos sobre Política... e, obviamente, sobre o socialismo.
   Neste meu período sabático, nada melhor do que pegar o livro na estante e começar a ler. Foi o que fiz. E achei realmente muito bom. Para quem conhece um pouco de História, os paralelos do livro com alguns fatos da União Soviética são absolutamente inconfundíveis.
   Adorei a ideia de manipulação do povo, com ferramentas retóricas; das mudanças dos fatos pretéritos; do desejo humano de poder e de tudo o mais que aparece no livro, só que remetido ao mundo animal. 
   Esse senhor Orwell é um ótimo escritor mesmo! Não à toa o fato do conto ter sido elencado pela revista Time entre os cem melhores em língua inglesa e constar da lista dos melhores romances do século XX, segundo a Modern Library List.