sexta-feira, 31 de julho de 2009

Comemorando os posts

Hoje chegamos ao final do mês. Embora quantidade não signifique necessariamente qualidade, gostaria de registrar que em julho houve post em cada um dos dias do mês.
Quero agradecer aos amigos que colocaram os comentários nos posts e pedir desculpas se a agilidade em "comentar os comentários" não foi a adequada.
É verdade que ainda espero uma presença maior de alguns amigos e a presença, marcada por comentários, de outros.
De qualquer forma, o mês foi bom para o blog.

Urumqi (2)

No dia 22 deste mês, registrei minha preocupação com o sumiço, na mídia, das notícias sobre a violência chinesa na província. Eis que ontem, no jornal O Globo, apareceu uma notícia cujo título era "Dez mil desaparecidos em uma noite".
A matéria narrava que a líder da etnia muçulmana uigur na China, Rebiya Kadeer, que vive no exílio, denunciou que dez mil uigures desapareceram em uma só noite, durante os confrontos do início do mês em Urumqi.
Fiquei assustado com o fato do próprio governo chinês reconhecer que as revoltas teriam deixado cerca de 1.700 feridos e 1.600 presos. Se os números oficiais são tão grandes, imaginem os verdadeiros. Afinal, todos sabemos que dados oficiais sempre recebem uma "maquiagem", para agredir menos a opinião pública. Outro fato preocupante é a ausência do número de mortos, na versão oficial.
Rebiya, que sofre campanha diplomática negativa tão intensa quanto a do Dalai Lama, por parte da China, pediu uma investigação da ONU, para que se saiba exatamente o que aconteceu na tal noite do desaparecimento das dez mil pessoas e também para que se conheça o destino dos presos pela China.
Ou seja, a minha preocupação tinha fundamento e é absolutamente necessário que órgãos internacionais e países estrangeiros participem mais ativamente, exigindo informações sobre os eventos em Urumqi.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Agradecendo

O aniversário do pai, ontem, foi comemorado como fazemos todos os anos: uma reunião de família em algum restaurante. Nesses momentos, sempre nos vêm à memória algumas estórias dele e o carinho de todos por ele fica demonstrado. Nesses momentos, ele novamente está conosco... não como uma entidade espiritual, mas como uma impressão vívida em nossas mentes... e corações - como talvez dissesse Pascal.
Mas mesmo aqueles "irmãos" que não estiveram presentes ao nosso "evento" mandaram mensagens tão bonitas que não havia como deixar de agradecer-lhes as palavras. É certo que isso poderia ser feito em um comentário no post anterior, mas achei mais marcante - em retribuição às, também marcantes, palavras deles - registrar o agradecimento num post.
Obviamente, muito do que foi dito por eles se deve ao comportamento de meu pai, mas uma grande parte tem a ver com o carinho deles em reter essas vivências como parte dos seus quotidianos.
A menos do Júlio - a quem não conheço pessoalmente -, Paulo e Mundy são "irmãos" que também já passaram pela experiência da perda dos seus pais. Eu, que também participei da vida familiar de ambos, enquanto seus pais eram vivos, só posso constatar que tivemos pais maravilhosos, dignos de servir de exemplo para muitos, apesar da singularidade de comportamento de cada um. Por esse motivo, estendo os parabéns de ontem, a todos os que puderam conviver com "Pai Garcia", para incluir também aqueles que conviveram com "Pai Expedicto" e "Pai Carlinhos".
Obrigado, "irmãos", e obrigado, Júlio!

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Herança e legado

O título do post de hoje deveria fazer referência a outro aniversário. Desta vez, entretanto, não seria de um amigo de blog... apesar disso, seria de uma pessoa marcante em minha vida: meu pai.
Isso mesmo, hoje é aniversário do meu pai. Infelizmente, "Pai Garcia" - como era conhecido pelos meus amigos - não está disponível para conversarmos e bebermos aquela cervejinha. Nem por isso, diria que ele deixa de estar vivo. Esse sempre foi o meu "sentimento": ele está vivo nas ações e comportamentos de todos que têm carinho por ele, e que tentam repetir sua honestidade, tranquilidade, simpatia, gentileza e educação.
É verdade que temos sentido a falta de suas conversas, que estavam sempre recheadas de experiências interessantes e de comentários sobre fatos históricos. Suas opiniões, mesmo as mais "apaixonadas", eram sempre plenas de equilíbrio. Mas a melhor forma de mantê-lo vivo é fazer do meu comportamento aquele que ele me mostrou realmente ser o mais valoroso... apesar de respeitar as nossas diferenças pessoais.
Hoje, então, teria que fazer o registro de seu aniversário de uma forma especial. Escolhi, então, um trecho do texto do antropólogo Roberto Da Matta, cujo título é "Depois de tudo: em torno de heranças e legados", que consta do livro "Crônicas da vida e da morte".
É certo que as descrições de "herança" e de "legado" não correspondem àquelas do Direito, mas vale a pena refletir sobre elas.
Lá vai, então:
"A pessoa morre, mas o papel social que desempenhou permanece. No plano visível... quando o papel alcança, em virtude do excepcional desempenho do seu ocupante, um nível de virtuosismo, de generoso desempenho e de sucesso, essa dolorosa separação produz o legado (que, neste sentido, ultrapassa a herança), deixando ver algo além do vazio da morte. Ou melhor: permitindo que o grupo lide satisfatoriamente com a angústia da finitude que chega com o falecimento do corpo, mas que, nesses casos, garante a presença indiscutível da alma.
... todas as vidas, mesmo as mais humildes, sempre deixam uma herança, mas nem todas produzem essa 'mais-valia' moral, essa reserva de alentos que divide as grandes histórias das biografias comuns. O legado grandioso, visível, gritante e concreto é a ponte da eternidade.
A herança é, em geral, aquilo que quem se foi deixa de qualquer modo e independentemente de sua vontade. Pois, mesmo quando não planeja ou deseja, trata-se de algum conjunto garantido pela hereditariedade e pelo direito sucessório. Penso que se pode estabelecer uma correlação entre os grandes mortos e suas vidas vividas como entregas incondicionais que produziram legados (e, com eles, ressurreições); e os pequenos mortos que, ao contrário, deixam muita herança e pouco legado".
Seguindo o texto, então, parece-me que "em virtude do excepcional desempenho" na vida, a nossa "dolorosa separação" produziu um "legado", "permitindo que o grupo lide satisfatoriamente com a angústia da finitude que chega com o falecimento do corpo, mas que, nesses casos, garante a presença indiscutível da alma".
Por fim, sinto a presença do pai sob aquela espécie de eternidade da qual falava Spinoza, em virtude justamente de seu comportamento enquanto entre nós... talvez, ecoando o que disse Da Matta: "... todas as vidas, mesmo as mais humildes, sempre deixam uma herança, mas nem todas produzem essa 'mais-valia' moral, essa reserva de alentos que divide as grandes histórias das biografias comuns. O legado grandioso, visível, gritante e concreto é a ponte da eternidade".
Antes de dar parabéns para o pai, dou para nós, que tivemos a grande felicidade de desfrutar de seu convívio e de receber o seu "legado".

terça-feira, 28 de julho de 2009

Um post para ontem

Ontem, meu dia foi meio corrido - como promete ser hoje, também -, o que impossibilitou que eu colocasse um outro post, referente à data 27 de julho... de 1656. Para quem não lembra, ou não sabe, esse foi o dia da excomunhão do jovem Spinoza.
Queria registrar o texto do 'herem' (um dos "graus" de excomunhão possível na religião judaica), para que os amigos percebessem quão sério era esse ato, em termos sociais, principalmente o final do mesmo.
"Os senhores do Mahamad fazem saber a Vossas Mercês, como há dias que, tendo notícias das más opiniões e obras de Baruch de Spinoza, procuraram por diferentes caminhos e promessas retirá-lo de seus maus caminhos, e não podendo remediá-lo, antes pelo contrário, tendo cada dia maiores notícias das horrendas heresias que praticava e ensinava e enormes obras que obrava, tendo disto muitas testemunhas fidedignas, que depuseram e testemunharam tudo em presença do dito Spinoza, do que ficou convencido; o qual tudo examinaram em presença dos senhores Hahamin, deliberaram com seu parecer que o dito Spinoza seja 'enheremado' a apartado da nação de Israel, com o 'herem' seguinte: Com sentença dos Anjos, nós enheremamos, apartamos e amaldiçoamos e praguejamos a Baruch de Spinoza, com o consentimento de Deus Bendito e consentimento de todo este Kahal Kados, diante dos Santos Sepharin, estes com os seiscentos e treze preceitos que estão escritos neles, com o 'herem' que enheremou Joshua a Jericó, com a maldição que proferiu Elias aos Mossos e com todas as maldições que estão escritas na Lei.
Maldito seja de dia e maldito seja de noite; maldito seja seu levantar e maldito seja seu deitar; maldito ele em seu sair e maldito ele em seu entrar.
Não quererá Adonai perdoar a ele, que então lançará o furor de Adonai e seu zelo nesse homem e todas as maldições escritas no livro da Lei e arremeterá Adonai a seu nome debaixo dos céus e apartá-lo-á Adonai para mal de todas as tribos de Israel, com todas as maldições do firmamento escritas no Livro da Lei. E vós, os apegados com Adonais vosso Deus, vivos todos hoje; advirto-vos que ninguém lhe pode falar, nem oralmente, nem por escrito, nem dar-lhe nenhum favor, nem debaixo de teto com ele permanecer, nem próximo quatro côvados, nem ler papel feito ou escrito por ele".
Após o registro do ato, queria destacar que só restaria a Spinoza a retratação, que poderia vir a suspender a excomunhão - visto que esse ato poderia ser temporário, apenas - ou abandonar sua comunidade.
Vários judeus abandonaram suas opiniões heterodoxas e foram reintegrados à religião e, por conseguinte, à comunidade. O caso mais famoso é o de Uriel da Costa. Este, entretanto, parecendo ter uma mente um pouco "tumultuada", cedeu inicialmente, mas depois voltou a defender ideias "heréticas". Em função disso, após 'herems' e suspensões desses atos, acabou passando por uma humilhação muito "agressiva", tendo que ser "pisado" por todos que saíam da sinagoga. Após essa profunda humilhação, Uriel se matou.

Uma foto fantástica

Nosso amigo Guilherme postou em seu blog uma foto realmente fantástica. Sugiro que quem não viu dê uma visitada em seu blog.
Sinceramente, só fico preocupado com o que a foto não mostra: os momentos seguintes da jovem que lá aparece.

Sentindo falta...

Todos os amigos que acompanham este blog são muito importantes para mim. Obviamente, todos fazem falta, quando deixam de registrar aqui seus comentários - única forma que tenho de senti-los presentes... a menos daqueles com quem posso ter um contato realmente físico.
Desta forma, quero registrar a falta que está fazendo nossa amiga Maria que, se tem acompanhando o blog, não tem registrado mais suas reflexões sobre os assuntos que temos discutido.
Devo ressaltar que a primeira pessoa a acompanhar o blog - ainda o do "globolog" - foi nossa amiga de Portugal. Portanto, se tivéssemos "carteirinhas de sócio", no blog, Maria seria a "number one".
Espero que a ausência se deva ao que costumeiramente nos afasta do mundo "nético": o excesso de trabalho.
De qualquer maneira, lanço o manifesto "Volta Maria!". Rsss. Aguardo a adesão dos outros amigos de blog.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A "alameda dos castanheiros"

Conforme eu já havia contado, a tal "Alameda dos castanheiros" do livro "O passeio do cético", de Denis Diderot, correspondia à via dos filósofos.
A esta altura, estou na parte do livro que descreve essa via. Diderot, no momento em que lista os "bandos" que povoam esta alameda, escreve: "Um quarto bando dir-te-á que a alameda foi construída sobre as costas do monarca [que corresponde a Deus]... Tira-se proveito de algumas expressões equívocas para insinuar que o príncipe faz parte do mundo visível; que ele e o universo são apenas uma e mesma coisa e que nós mesmos somos parte de seu vasto corpo. O chefe desses visionários foi uma espécie de guerreiro que fez incursões frequentes e sempre causou alvoroço na alameda dos espinhos".
Na verdade, esse "bando" é o dos panteístas. E o líder dos panteístas, segundo a nota da edição francesa - Editora Hermann, é justamente o "nosso" Spinoza.
Como eu já havia destacado antes, que a força das metáforas de Diderot é muito grande. Entre essas metáforas, está a da "alameda construída sobre as costas do monarca" e a de Spinoza como um "guerreiro que fez incursões frequentes e sempre causou alvoroço na alameda dos espinhos" (dos devotos). E, além disso, a feliz aproximação entre a ideia spinozana de "Deus sive Natura" e a de que "ele [Deus] e o universo são apenas uma e mesma coisa". Ou seja, em um único parágrafo Diderot nos deu um "ultraminiresumo" do pensamento spinozano.
Lembremos, realmente, que Spinoza "causou alvoroço" entre os devotos, sendo motivo de perseguição pelos judeus. Talvez, posteriormente, a perseguição maior tenha sido pelas opiniões políticas, mas restava sempre o "incômodo" da posição antissupersticiosa de Spinoza.

domingo, 26 de julho de 2009

Filósofos "mortos"

O professor Leandro Chevitarese, que ministrou o curso "O que significa conhecer?", na Casa do Saber, em uma das aulas, contou que sempre se lembra de um professor seu que, em uma de suas primeiras aulas na faculdade de Filosofia, disse: "Eu não falo de filósofos mortos!". Os alunos, entre eles o Leandro, naquela ocasião, ficaram surpresos e pensaram "Ué, a maior parte dos grandes filósofos já morreu! Será que ele não falará de nenhum desses 'gigantes' da Filosofia?". Mas o professor esclareceu: "Eu só falo de filósofos que 'conversam' conosco atualmente, ou seja, cujos pensamentos nos dizem algo ainda hoje. Se eles não estão 'presentes' na nossa vida, eles estão mortos. Então, eu não falo deles!".
Ah... aí, sim!
Eu não sei quando o professor do Leandro disse isso, mas certamente foi depois de Heidegger ter escrito "A tese de Kant sobre o ser", que é de 1961. O começo do texto diz algo que lembra a afirmação do professor do... professor Leandro. Vejamos:
"Pelo título, pode-se ver que esta exposição enfocará um aspecto doutrinal da filosofia de Kant. Ela nos instruirá sobre UMA FILOSOFIA DO PASSADO. Isto PODERÁ TER sua UTILIDADE; sem dúvida, porém, APENAS NO CASO DE AINDA CONTINUAR DESPERTO O SENTIDO PARA O QUE NOS VEM PELA TRADIÇÃO". (Grifo meu)
Ou seja, esse "continuar desperto" é justamente o "dizer algo a nós, ainda hoje". E, realmente, a beleza do pensamento de todos os que fizeram história na Filosofia é terem produzido algo que ainda sentimos ecoar em nós, mesmo passados vários anos, décadas, séculos e até milênios.

sábado, 25 de julho de 2009

DVD com Paulo Ghiraldelli Jr.

Está nas bancas o primeiro DVD da coleção "Cristianismo, fé & Deus - à luz da Filosofia". O DVD apresenta uma ótima entrevista com o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr. sobre a fé cristã, segundo o ponto de vista filosófico.
O interessante é que o filósofo não "ataca", em momento algum, a fé cristã. Ele se limita a fazer considerações "técnicas" sobre diversos aspectos relativos ao embate fé e razão.
Minha esposa, que é católica, mas vive com a "pulga atrás da orelha", por conta dos meus questionamentos, apreciou a entrevista, e adorou o modo com que Ghiraldelli abordou a questão.
Vale a pena assistir... e já estou esperando o segundo DVD.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Agradecendo ao Guilherme
















Tenho que agradecer ao Guilherme Fauque pela sua indicação do meu blog para participar do Top Blog.
Valeu,Guilherme!

"O passeio do cético"

Esse é o nome do livro que estou lendo, com mais dedicação, no momento. O autor, para quem não lembra, é justamente uma das figuras que têm aparecido no blog: Denis Diderot.
Como outros filósofos franceses - Voltaire e Sartre, por exemplo -, Diderot escreve fantasticamente. As metáforas são de um brilhantismo poucas vezes vistas por mim.
Maria das Graças de Souza, que faz a apresentação do livro, indica que este "é constituído por três discursos, que correspondem à descrição de três caminhos distintos pelos quais os homens costumam caminhar em suas vidas, que remetem à concepção de Deus e da natureza e a questões morais... A 'alameda dos espinhos' é a dos devotos, que se caracterizam sobretudo pela fé cega e com a preocupação com o pecado... São intolerantes... atacando os que não pensam como eles... dando a Diderot oportunidade de exercitar todo o arsenal deísta contra o fanatismo cristão. Algumas passagens certamente seriam assinadas por Voltaire. Na 'alameda das flores', a vida é organizada tendo em vista o prazer... A 'alameda dos castanheiros' é a dos filósofos".
Por enquanto, estou concluindo a leitura sobre o primeiro caminho, a "alameda dos espinhos". Diderot metaforicamente explica que os que viajam através dessa alameda têm vendas nos olhos (alusão à "fé cega", que dispensa totalmente o contato com o mundo) e uma roupa branca (que corresponde à "limpeza da alma"). Existe um "exército" que cuida para que os viajantes não tirem suas vendas e criam regras para que eles não sujem suas roupas. O "exército" em questão é o de monges (papa, bispos e padres). Alguns deles, apesar de preocupados em manter as vendas dos viajantes, visitam, às escondidas, a "alameda das flores" (o lugar dos prazeres). Outra metáfora inteligentíssima é que os membros do "exército" vendem "sabão" para limpar as vestes brancas dos viajantes.
Apesar de tudo o que contei, o mais interessante é que Diderot "re-narra" algumas passagens do Antigo e do Novo Testamento, à sua maneira, utilizando metáforas sempre inteligentes.
Sinceramente, é um dos livros mais interessantes e mais gostosos que já li. Isso prova que uma obra prima não tem idade.
Depois colocarei mais posts sobre o livro.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Paranormalidade

Normalmente, gosto das matérias publicadas na revista Superinteressante. Desta vez, entretanto, achei que o texto "Mundo paranormal" foi apenas "interessante" - em vez de "super". Rsss -, pois penso que o tema mereceria uma descrição mais extensa. Além disso, na parte "Para saber mais", onde são indicados livros para enriquecer o conhecimento sobre o assunto, só há três livros, e em inglês. Será que não há mais publicações e nada em português, sobre o assunto?

A paranormalidade é algo que me causa muita curiosidade. Ao mesmo tempo em que percebo que há muita "pilantragem" nessa área, reconheço que há estórias que são difíceis de explicar - seja de curas, seja de premonições, etc.

Para aguçar ainda mais minha curiosidade, há algum tempo, a TV Globo mostrou uma matéria em que um repórter movia uma bolinha com o "poder da mente". A coisa não era muito bem explicada, além de mostrar que existia um "capacete" cheio de fios, colocado pelo sujeito e que, concentrando-se numa bolinha, ela "flutuava", impulsionada pelo fluxo de ar de um ventilador. O repórter explicava que, se a "concentração" diminuísse, a bolinha caía.

Mas, voltando à revista...

A matéria mostra que várias entidades utilizam serviços de paranormais - entre elas, o exército americano, departamentos de polícia e empresas privadas. Aliás, um estória muito famosa é apresentada. A de um paranormal que, inquirido sobre o que os russos construíam em um galpão, em 1977, respondeu que era um submarino. Os militares riram do sujeito, visto que o tal galpão estava a quase um quilômetro do mar. Entretanto, quatro meses depois, saía de lá, realmente, um submarino.

Depois da constatação do uso da paranormalidade no mundo "real", vem a parte que chamaria mais minha atenção: evidências científicas.

O texto afirma que os experimentos científicos sobre a paranormalidade começaram na década de 30, com o psicólogo Joseph Rhine, na Universidade Duke, nos EUA. Explicam-se alguns dos experimentos realizados, no campo das adivinhações, da telepatia e da telecinese. Aliás, neste último campo, ao contrário do que intuitivamente pensaríamos sobre um teste desse gênero, que seria o pesquisador mandar um paranormal mover objetos, o teste consistia em mudar a reflexão da luz de uma determinada superfície. O resultado foi a mudança dos 8% naturais para 8,005% - Nossa... Tudo isso?! Rsss.

Uma passagem interessante do texto é a que tenta justificar cientificamente a validade da paranormalidade. Esté escrito "Dizer que a paranormalidade está 'além da imaginação' não adianta. Metade da Física está 'além da imaginação'. A mecânica quântica, por exemplo, ensina que existem partículas capazes de ficar em dois lugares ao mesmo tempo. E não são excentricidades loucas. Você mesmo é feito dessas partículas. Em outra frente, a da Física que explica a geometria do espaço e do tempo, está provado que o tempo, da forma como o percebemos, simplesmente não existe".

Uma especialista em "Psiência" (a "Ciência dos Fenômenos Psi"), a astrofísica Elizabeth Rauscher, que já deu aulas na Universidade de Stanford, apela para o próprio Einstein. O texto indica que "se toda a história do Universo estivesse em um rolo de filme, o primeiro frame seria o momento do Big Bang; no meio estaria o nosso presente e o futuro completaria o resto do rolo. Só tem um detalhe: os frames que formariam o futuro já estão lá. Você não sabe se vai sair no fim de semana ou não? Quem pudesse olhar o Universo pelo 'lado de fora' saberia... Se os eventos do futuro já estão impressos de alguma forma, a gente não poderia ter algum sentido capaz de captar o que está por vir? É exatamente isso que Rauscher e outros entendidos em Física e chegados em parapsicologia imaginam... alguém poderia nascer com o talento de ler o que está escrito no que viria a ser o futuro".

Segundo o texto, "Enquanto Einstein fica com a explicação para as premonições, telepatia e telecinese se apoiam na mecânica quântica. Mais precisamente no fenômeno mais inexplicável desse ramo da ciência: uma espécie de telepatia entre partículas. Os físicos chamam a coisa de 'entrelaçamento quântico'. Funciona assim: os físicos pegam duas partículas fundamentais (como elétrons) e, quando mexem em uma delas, a outra se move também. Instantaneamente, sem que haja nada as unindo... É um prato cheio para os parapsicólogos. Se elétrons podem se comunicar a distância, então as partículas do nosso cérebro também poderiam interconectar-se com as do mundo exterior".

Agora, como toda boa abordagem sobre um assunto, a revista apresenta o outro lado da estória: o dos céticos.

No ponto de vista dos céticos, os mesmos dados que afirmariam a validade da paranormalidade são analisados sob nova óptica, dando margem a outras interpretações, que minimizam o apoio aos fenômenos estudados.

O "apoio" mais forte parecia vir da Física Quântica, mas o texto apresenta a opinião do neurocientista Renato Sabbatini, da Unicamp. A "Super" indica que "a teoria quântica aceita que coisas como o entrelaçãemnto só podem acontecer mesmo nesse mundo infinitesimal... Imaginar, então, que algo enorme como um cérebro conseguiria 'conectar-se' com outro por entrelaçamento não faz sentido para a ciência convencional - pelo simples motivo de que as experiências de laboratório indicam o contrário".

Quanto ao apoio da Teoria da Relatividade à premonição, o texto indica que "A relatividade mostra, de fato, que o espaço e o tempo são como um grande rolo de filme, em que o futuro já está impresso. Mas não há nada na teoria, nem fora dela, mostrando que dá para o cérebro ter acesso a regiões do espaço-tempo que não sejam o que chamamos de presente".

Entretanto, a revista é coerente ao registrar que "Nada disso significa que os pesquisadores dos fenômenos psi sejam charlatães ou burros. O ponto é que, no estágio em que a ciência está hoje, ainda não existe nada que corrobore suas teorias. E seus experimentos, que não têm nada de desonestos, precisam de resultados mais consistentes do que os que apareceram até hoje, para que a ciência convencional os leve realmente a sério. Os próprios estudiosos da paranormalidade concordam".

Eu não sou apologista de que tudo tem que ser comprovado pela ciência. Acho que há coisas, inclusive, que fogem a essa possibilidade. Entretanto, não posso deixar de negar que uma comprovação científica, em geral, diminui as possibilidades de engano. E isso tanto é verdade que várias das pessoas que creem na paranormalidade trabalham para possibilitar esse tipo de comprovação.

A revista lembra, ainda, que até hoje está "em aberto" o desafio de um milhão de dólares, feito pelo mágico James Rand para o primeiro que demonstrar poderes paranormais em seu laboratório.

Mas faltou explicar a tal bolinha flutuando com o poder da mente, apresentada pela TV Globo.

Aí vai a explicação contida na revista...

"Quando você se concentra, seu cérebro emite ondas dentro de um certo padrão, diferente do normal. Quando um sistema [de eletrodos contidos no capacete, ligado a um aparelho semelhante ao de eletroencefalograma, que "lê" as ondas cerebrais] detecta isso [esse padrão diferenciado], faz um ventilador se mover. E ele levita a bolinha". Ou seja, não é o "desejo de manter a bolinha no alto" que faz com que ela "levite". É, sim, o padrão de ondas cerebrais desenvolvido em qualquer tipo de concentração - até mesmo em um beijo na telenovela -, padrão que é lido pelo aparelho, que aciona o ventilador... como poderia acionar qualquer outro aparelho elétrico, mesmo que não ligado ao evento da bolinha flutuante.

Agora eu vou dormir mais tranquilo com a explicação da bolinha... mas, ainda, cheio de dúvidas quanto à paranormalidade!

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Urumqi

Já postei aqui comentários sobre a violência ocorrida no Irã. Aliás, não fui só eu que usei a internet para registrar esse acontecimento. No entanto, há outro lugar em que correram notícias de violências, das quais, aliás, não temos tido mais informações. Falo da cidade de Urumqi, na província chinesa de Xinjiang.
O que será que tem acontecido por lá? Quantas mortes mais terão ocorrido? Será que a falta de uma bela jovem, escolhida como mártir, limita o nosso interesse pela vida das pessoas? Será que o fato de termos nos acostumado com a violência chinesa no Tibet vai nos anestesiar com sua política imperialista em outro local? A potência econômica que cresce insatisfatoriamente 9% em período de crise mundial pode tudo, no que diz respeito ao aspecto social?
Essas têm sido algumas das perguntas que não querem calar em mim.
Lembro que, até dia 09 de julho, já havia 156 mortos!!!!

terça-feira, 21 de julho de 2009

Grata surpresa

Depois de um hiato na troca de e-mails, eis que recebo um texto do amigo Bernardo, fazendo algumas ponderações sobre entendimentos - ou não-entendimentos - meus do pensamento de Heidegger.
Respondi, rapidamente, sinalizando que enviarei em breve meus comentários sobre o texto. Quem sabe, mais um amigo se junte a nós, agregando valor ao blog? E se ele falar de Merleau-Ponty, então... aí, a gente vai "babar"!
Obrigado pela consideração, Bernardo!

Uma classe religiosa

O Ancelmo Gois publicou a seguinte nota em sua coluna de O Globo, sob o título de "Faz sentido":
"A plateia do Teatro Cândido Mendes, em Ipanema, sempre aplaude a atriz Sônia de Paula, na peça 'A secretária do presidente', quando a personagem diz: - Não há classe mais religiosa que a dos políticos. Vivem de promessa; de toda verba, tiram um terço e ainda mandam para o paraíso... fiscal, mas paraíso!".
Não é que a moça tem razão?!

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Dia do Amigo

Aos amigos do blog, feliz Dia do Amigo!

A entrevista de Heidegger(2)

Retomando...
A entrevista continua com os entrevistadores abordando o afastamento de Heidegger da reitoria. Heidegger explica que, com a intenção de promover as melhorias pretendidas na universidade, propôs a nomeação de colegas jovens, eminentes em suas respectivas áreas, como decanos nas diversas faculdades, sem levar em conta a relação deles com o partido. Já no Natal de 1933, segundo ele, ficou claro que não seria possível introduzir as mudanças pretendidas na universidade, por conta da resistência tanto dos colegas mais antigos quanto do próprio partido nazista.
Heidegger contou ainda que, certo dia, foi chamado pelo ministro, que exigiu a substituição de dois decanos por outros mais ligados ao partido. Nesse momento, ele recusou a pretensão do ministro e apresentou sua demissão.
Heidegger diz que não participou da transmissão do cargo e que o jornal do partido anunciou a nomeação do novo reitor com a manchete "O primeiro reitor nacional-socialista da universidade".
Os entrevistadores perguntam como ficou a situação de Heidegger depois da sua renúncia.
Ele explica que passou a ser vigiado pelo partido, tendo sido informado disso, inclusive, por um aluno-espião. Além disso, narra várias retaliações sofridas, como não ser incluído na lista dos que iriam participar de dois congressos internacionais e ter vários trabalhos submetidos a uma certa dificuldade de circulação.
Entretanto, uma parte que me causou grande surpresa foi o desrespeito com que o filósofo foi tratado mais perto do fim da guerra.
Heidegger narra que "No último ano da guerra, quinhentos dos mais importantes cientistas e artistas foram dispensados de qualquer serviço militar. Eu não estava entre os dispensados. Ao contrário, fui enviado, no verão de 1944, para trabalhar nas escavações de trincheira ao norte do Reno".
E completou que "No semestre de inverno de 1944/45, depois de terminar os trabalhos de trincheira no Reno, anunciei uma preleção com o título 'Dichten und Denken', em certo sentido, uma continuação das preleções sobre Nietzsche [Nota minha: essas preleções reinterpretaram Nietzsche, afastando-o da apropriação nazista], isto é, da tomada de posição frente ao nazismo. Após a segunda aula, fui incluído na convocação geral do povo, o mais idoso de todos os membros convocados do corpo docente".
Parece ficar claro, se acreditarmos completamente no que foi dito, que Heidegger aceitou o cargo com a esperança de melhorar o ensino universitário; que acreditava - talvez ingenuamente, é certo - na possibilidade do partido nazista apoiar essa melhoria; que se desencantou com o governo nazista, ao perceber que a intenção deste não se compatibilizava com seu discurso; que ele não participou de nenhuma ação, nem tinha um ânimo antissemita; que, em função das suas posições firmes, foi prejudicado pelo partido, no que se refere à carreira acadêmica, e que foi discriminado como intelectual, sendo utilizado como mão de obra comum no esforço de guerra e, ainda uma segunda vez discriminado, quando não se levou em consideração sua idade maior neste grupo.
A única coisa que não me parece ficar bem esclarecida é o porquê de tanta demora no anúncio de todos esses fatos. E a demora ainda foi estendida, em relação à concessão da entrevista em 1966, visto que Heidegger condicionou a realização desta à publicação ser efetuada apenas após sua morte.

domingo, 19 de julho de 2009

O "virulento" Diderot

Um dos livros que tenho - e mais um que eu não li - é "O ateu virtuoso". Quando o vi na estante da livraria, imaginei que se tratava de um livro sobre Spinoza. Afinal, foi assim que Pierre Bayle definiu o nosso querido filósofo luso-holandês, no seu famoso dicionário.
Retirando o livro da estante, pude perceber que se tratava de um texto sobre Denis Diderot. À época, pela similaridade do apelido, fiquei curioso em relação àquela figura. Comprei o livro e não o abri mais. Nesses tempos de novas investigações, deparo-me com a necessidade de encontrar o tal livro. É nessas horas que não me arrependo de comprar livros que não leio imediatamente.
Mas esse post é para registrar uma coisa diferente envolvendo Diderot.
Há uma frase famosa, normalmente atribuída a este pensador, que é a seguinte: "O homem só será livre quando o último déspota for estrangulado com as tripas do último padre".
A frase é forte. Como temos conhecimento das limitações à liberdade impostas pelo par Monarquia-Igreja, na época em que se desenvolveu o Iluminismo, podemos entender a reação violenta dos protagonistas do Esclarecimento a essa dupla "coercitiva". E, com isso, podemos entender a afirmação do ateu Diderot.
Mas existem algumas dúvidas sobre a frase. A mais comum é se a mesma pertenceria mesmo a Diderot ou a outro expoente do Iluminismo francês, Voltaire. A verdade é que ela também poderia ter saído da pena deste último. É só lembrar que Voltaire, embora crente em Deus (numa perspectiva deísta) atacava a religião enquanto instituição.
Entretanto, há uma segunda possibilidade sobre a autoria da frase. Esta é um pouco mais curiosa. Ela poderia ter sido proferida por um... padre... e poderia ter tido uma outra forma: "Eu gostaria, e este será o último e o mais ardente dos meus desejos, eu gostaria que o último rei fosse estrangulado com as tripas do último padre". Esse "mais ardente desejo" é pior do que uma simples constatação do fato indicado na frase mais conhecida.
Num artigo de Giba Assis Brasil, a estória é contada direitinho. Vejamos:
"Jean Meslier (1664-1729), cura da aldeia de Étrépigny, passou seus últimos anos de vida rezando missas, celebrando batizados e matrimônios, enquanto, à noite, preparava uma tentativa de extrema unção do Estado católico francês: seu livro de memórias, de título quilométrico, geralmente reduzido para 'Memória dos pensamentos e sentimentos do abade Jean Meslier', tratando dos 'erros e abusos dos governos' e principalmente da 'falsidade de todos os deuses e religiões do mundo'. Foi neste livro que nasceu a frase, o 'desejo mais ardente', as tripas de uns no pescoço dos outros.
Publicado postumamente, o livro do 'padre ateu' Meslier tornou-o um dos precursores do Iluminismo. Voltaire, então com 35 anos, foi seu primeiro editor, fazendo circular por toda a França suas ideias subversivas e anticatólicas numa versão reduzida, 'Extrait des sentiments de Jean Meslier'.
Diderot, que na época tinha apenas 14 anos, mais tarde escreveria (em 'Les Éleuthéromanes') um poema em alusão direta à frase mais violenta e mais conhecida do 'pai do ateísmo': 'E suas mãos arrancarão as entranhas do padre / na falta de uma corda para estrangular os reis'. ('Et ses mains ourdiraient les entrailles du prêtre / Au défaut d'un cordon pour étrangler les rois.') Violento sem dúvida, eventualmente visionário, mas sem a menção aos 'últimos' e menos ainda à necessidade de mortes para a redenção dos sobreviventes.
Foi Jean-François de la Harpe, que só iria nascer em 1739, 12 anos após a morte de Meslier, o responsável pela confusão em torno da autoria da frase. La Harpe, um pós-iluminista que, ao contrário de Voltaire e Diderot, viveu para presenciar a Revolução de 1789 e o terror jacobino, tornou-se no final da vida um reacionário defensor da monarquia.
Em seu 'Cours de Littérature Ancienne et Moderne' (1799), La Harpe alterou os versos de Diderot, citando-os assim: 'E com as tripas do último padre / estrangulemos o pescoço do último rei.' ('Et des boyaux du dernier prêtre / Serrons le cou du dernier roi.') Engano histórico? Talvez. Mas não me parece tendencioso ver aí uma deliberada intenção de acusar os iluministas (e por extensão os intelectuais, as idéias) pelos rumos violentos da História.
Seja como for, a frase seguiu seu rumo, às vezes usada para justificar assassinatos, outras para exprimir ódios mortais ou simples revoltas, às vezes apenas para atribuir culpas.
O livro de Meslier, que eu saiba, só foi publicado em português em 2003, pela editora Antígona, de Lisboa, com tradução de Luís Leitão. Em 2004, Paulo Jonas de Lima Piva doutorou-se em Filosofia na USP com uma tese sobre 'os manuscritos de um padre anticristão e ateu: materialismo e revolta em Jean Meslier'.
Uma das muitas e criativas pixações de maio de 1968 em Paris propunha uma variação interessente para o desejo de Meslier: 'E depois de estrangular o último burocrata nas tripas do último sociólogo, ainda teremos problemas?'('Lorsque nous aurons étranglé le dernier bureaucrate avec les tripes du dernier sociologue, aurons-nous encore des problèmes?').
Quanto aos iluministas, eu prefiro ficar com outra frase de Voltaire, sem tripas, sem enforcamentos, sem mísseis: 'Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo.' É só estar preparado para ouvir (e ler) muita bobagem".
Adorei o texto... e aprendi mais essa.

sábado, 18 de julho de 2009

Um pouco mais de Diderot

Essa descrição eu achei na internet... mas não retive a fonte.
"Preocupam-no sempre a natureza do homem, a sua condição, os seus problemas morais e o sentido do destino. Admirador entusiasta da vida em todas as suas manifestações, Diderot não reduz a moral e a estética à fisiologia, mas situa-as num contexto humano total, tanto emocional como racional."
Chamaram-me atenção as expressões "admirador entusiasta da vida" e "a moral... num contexto humano, tanto emocional como racional".

Dia de aniversário...

Hoje, abro o blog com um post de felicitações ao nosso amigo Guilherme, pelo dia do seu aniversário.
Parabéns, Guilherme. Desejo-lhe muita felicidade e que possa se aproximar, cada dia mais, da tão procurada "summa laetitia"!
Tenho certeza de que todos do blog acompanham-me no desejo de muita saúde, alegria e harmonia na sua vida.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

A entrevista de Heidegger (1)

Conforme nosso amigo de blog Júlio havia sugerido, li a entrevista que Heidegger concedeu à revista Der Spiegel, em 23 de setembro de 1966.
Realmente, não há como ler a entrevista sem deixar de "inocentar" Heidegger pelas acusações lançadas contra ele no que diz respeito ao nazismo. Isso, obviamente, se considerarmos que ele está sendo sincero. E, aí, a decisão cabe a cada leitor.
Uma das primeiras perguntas diz respeito à chegada de Heidegger à reitoria da Universidade de Freiburg.
Heidegger explica que seu antecessor, o professor von Mölendorf, tomou posse como reitor em abril de 1933 e, apenas duas semanas depois, foi deposto do cargo, por decisão do ministro da Cultura da província de Baden. Segundo ele, o próprio von Mölendorf, junto com o pró-reitor, teria dito: "Heidegger, agora o senhor tem que assumir a reitoria!". Heidegger explica que ponderou com os interlocutores sobre o fato de não ter experiência. Os dois argumentam que haveria a possibilidade, caso Heidegger não concordasse em se lançar candidato, de o governo impor como reitor um "funcionário" - imagino que o texto deva se referir a algum funcionário administrativo, simplesmente, que não fosse, portanto, um professor. Heidegger comenta que, além desses dois, vários colegas mais jovens, com quem ele conversara a respeito de uma nova estruturação da universidade, insistiram na sua candidatura. Diz ele que, só então, concordou.
Ele insiste que essa posição quanto a uma nova estruturação da universidade já tinha sido expressa na sua aula inaugural em Freiburg, em 1929 - conhecida hoje como o texto "O que é Metafísica?" -, quando fala que as ciências estão muito distantes umas das outras e que "esta multiplicidade dissipada de disciplinas só mantém uma unidade graças à organização técnica das universidades".
Heidegger destaca que "No segundo dia de minha gestão, apareceu na reitoria o 'dirigente dos estudantes' e exigiu que se pendurassem cartazes contra judeus. Eu recusei".
Até onde sabemos, mesmo das fontes que atacam Heidegger, ele não parece ter tido um sentimento antissemita (essa feia palavra é resultado no nosso novo acordo ortográfico!), ao contrário, dizem, da sua esposa.
Os entrevistadores perguntam: "Devemos entendê-lo no sentido de que o senhor pretendia alcançar uma melhora da universidade com os nazistas?".
Heidegger se opõe: "Não era com os nazistas. O que pretendia era que a universidade se renovasse... e conquistasse uma posição firme diante do perigo da politização da ciência".
Os entrevistadores tentam, através de algumas frases proferidas por Heidegger, tanto no discurso de posse da reitoria, quanto retiradas de um jornal de estudantes, perceber o sentimento do filósofo para com Hitler e o nazismo.
É interessante a resposta de Heidegger, que mostra claramente ter reconhecido seu engano cedo: "Ao assumir a reitoria, não tinha dúvidas de que não conseguiria sair-me sem compromissos. As frases citadas, EU NÃO AS SUBESCREVERIA HOJE. EM 1934, EU JÁ NÃO AS DIZIA." (Grifo meu)
Em função da resposta, os entrevistadores identificam que Heidegger se movia entre dois polos, nas ações de 1933: um, meramente "burocrático" e outro, mais "positivo", quando, por exemplo, diz "Eu tinha a sensação de que surgia algo novo, era um desabrochar!" - no discurso de posse, após quatro meses da escolha de Hitler para chanceler.
Heidegger concorda e diz: "Eu via realmente tal possibilidade"
Reafirmando a discordância pessoal quanto ao antissemitismo, Heidegger diz "Nunca acedi às reiteradas intimações para retirar os livros de autores judeus [da biblioteca]... não somente os livros não foram eliminados... como até os próprios autores, sobretudo Husserl, eram citados e debatidos, como antes de 1933".
Em outro ponto, até os próprios entrevistadores dizem constar que, mesmo depois de 1933, Heidegger teria tido alunos judeus, com os quais mantinha relacionamento muito cordial.
Heidegger, então, fala de uma aluna sua, Helena Weiss, obrigada a fugir da Alemanha, tendo colado grau na Basileia, com uma tese que seria publicada em 1942, cujo prefácio contém um agradecimento ao seu antigo professor Heidegger. O filósofo ainda mostra aos entrevistadores um exemplar com dedicatória da própria autora, e indica tê-la visitado diversas vezes em Bruxelas.
Os entrevistadores tocam um ponto muito conhecido e aproveitado pelos detratores de Heidegger, que seria a retirada da dedicatória impressa nos exemplares de Ser e Tempo feita para seu amigo e mestre Edmund Husserl.
Heidegger explica que a dedicatória deixou de constar da 5ª edição, de 1941 - lembrando que o livro é originalmente de 1927, e que teve uma 4ª edição em 1935, antes da morte de Husserl, na qual a mesma ainda estava presente. Diz, ainda, que a dedicatória deixou de constar por um acordo com o seu editor, Niemeyer, que teria pressentido uma proibição ao livro, se a dedicatória a um "judeu" fosse mantida logo nas primeiras folhas. Em contrapartida, o editor deixou registrada uma nota que dizia "Se a seguinte investigação dá alguns passos adiante na explicação das 'coisas mesmas', o autor deve em primeiro lugar a Edmund Husserl".
Heidegger, entretanto, explica que já havia ocorrido o rompimento, por parte de Husserl, com ele e com Max Scheler, no início dos anos 30, por discordâncias meramente doutrinárias. Argumenta, inclusive, que esse rompimento se deu publicamente, num discurso de Husserl em Berlim.
Constatado que não teria participado do funeral de Husserl, em 1938, Heidegger aparece como um sujeito "demasiado humano". Ele diz que "Em maio de 1933, minha mulher escreveu, em nosso nome, uma carta à Sra. Husserl. Nesta carta, testemunhávamos nossa gratidão inabalável; e enviamos a carta com flores, para os Husserl. A Sra. Husserl respondeu brevemente com um agradecimento formal e disse que as relações entre as duas famílias estavam interrompidas. O fato de não ter reiterado meus agradecimentos e minha consideração durante a doença e morte de Husserl, CONSTITUI, SEM DÚVIDA, UMA FRAQUEZA HUMANA. POR ELA, CHEGUEI A APRESENTAR MINHAS DESCULPAS, EM CARTA À SRA. HUSSERL" (Grifo meu)
Volto com o final da entrevista...

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Ainda sobre "O sentido da vida"

Entre os jovens recebidos pelo funcionário da Secretaria de Obras estava o mais reflexivo do grupo, que depois vai conversar com o bibliotecário-filósofo.
No meio da conversa, aborda-se a aversão de Platão à democracia. Este pensador acreditava que a melhor opção seria uma sociedade comandada pelo "rei-filósofo", ou seja, um líder sábio. Desta forma, a resposta à pergunta "Quem deve governar?" seria "Os melhores, ou seja, aqueles que sabem mais".
O bibliotecário registra a opinião do filósofo Karl Popper, apresentada em "A sociedade aberta e seus inimigos". Popper demonstra acreditar que nazistas e comunistas tinham essa mesma perspectiva: uma pequena elite reconheceu a verdade e deve mandar na sociedade. Ainda que concordando com a afirmação de que os mais sábios devem conduzir a sociedade, Popper identifica que o problema está em deliberarmos quem sabe mais.
É verdade que a visão de "aristocrata" e de "filósofo"/"sábio", segundo Platão, não estava relacionada apenas ao aspecto gnoseológico, mas também ético... talvez até fosse melhor dizer que, concordando com seu mestre Sócrates, Platão achava que o maior conhecimento impediria a falta de um comportamento ético. Desta forma, o "rei-filósofo" seria uma figura ética, justamente pela sua sabedoria. E esta sabedoria faria com que ele merecesse sua posição como líder da sociedade.
Portanto, não estamos falando apenas de diplomas, de pós-graduações e de doutoramentos, ou seja, de mero conteúdo teórico adquirido, chamado "conhecimento", mas de uma "sabedoria viva", aliando boa teoria e boa prática.
Além do mais, hoje seria difícil admitir que características meramente quantitativas (como medidas de crânios, por exemplo) pudessem chancelar categoricamente a maior qualidade de alguém, como se pretendeu na época do nazismo.
De qualquer forma, ainda acho que as "boas intenções" de alguns que se candidatam a cargos políticos teriam que ser "emolduradas" por um maior conhecimento da estrutura de poder - o que incluiria a delimitação e a relação entre as forças em jogo - e do comportamento minimamente ético que se exigiria dos agentes políticos. Uma vez conhecidos esses parâmetros teóricos, a prática dos eleitos teria que se adequar a eles... ainda que se valorizassem as boas intenções de suas ações.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

"O sentido da vida"

Conforme eu havia escrito antes, pretendia postar algo sobre o livro "O sentido da vida". Escolhi a parte em que os jovens "politicamente corretos", que invadiram a casa a fim de evitar a construção de uma estrada que poluiria o lugar, vão conversar com um burocrata da Secretaria de Obras. Isso nos coloca diante de uma boa reflexão sobre a democracia.
O trecho apresenta os jovens reclamando do impacto ambiental da nova estrada. O funcionário argumenta que o parlamento, eleito pelos cidadãos, decidiu pela construção daquela. Ao final, pergunta: "Com a invasão, vocês estão tentando impedir a execução de um projeto elaborado democraticamente. Vocês acham isso certo?".
Os jovens retrucam que a população local não foi consultada. O hábil interlocutor mostra que não é possível consultar diretamente todos os envolvidos na questão, até porque ela não envolve apenas os moradores da localidade, mas também aqueles que serão beneficiados, em outros locais, pela maior agilidade do tráfego. Fica demarcada a impossibilidade - ou, pelo menos, a monstruosa dificuldade - de uma democracia direta; reforçando a ideia de que a democracia representativa é a opção mais viável.
Os jovens insistem em sua posição dizendo: "... mesmo que a construção seja desejo da maioria, está claro que mais trânsito será prejudicial para a floresta... isso sem falar no efeito estufa, que influencia a vida no mundo todo. Todos os seres vivos têm direito à vida, mas nem todos têm direito ao voto".
O funcionário diz: "Vocês estão se intitulando representantes de todos os seres vivos?! Não se esqueçam, porém, que vocês se elegeram sozinhos. Ninguém os escolheu.". A argumentação deste continua, na linha de que os jovens estão imaginando que sabem mais do que aqueles envolvidos na decisão. Ele pondera sobre os jovens poderem tentar levar seu pretenso maior conhecimento à população e aos partidos políticos, a fim de convencer a maioria a se colocar a favor do ponto de vista deles. Ao final, afirma: "Mas acho errado um grupo autonomeado infringir as leis e tentar impedir a execução de uma resolução tomada".
Os jovens ponderam sobre a mudança positiva do curso da História se os alemães não tivessem apoiado as Leis de Nuremberg (aquelas anti-semitas, adotadas pelos nazistas em 1935).
O funcionário rebate: "Isso é o que achamos agora, em retrospectiva. Mas imaginem que outros grupos queiram fazer a mesma coisa que vocês. Suponham que um grupo de neonazistas acredita que a política de imigraçaão sueca esteja completamente errada. O grupo, então, passa a tentar afugentar os imigrantes com terror e violência. Vocês acham isso certo?".
O trecho é muito sugestivo. O dilema diante do qual estamos é: até que ponto a desobediência civil é uma ferramenta adequada num regime democrático participativo?
Ora, se entendemos que, dentre os atuais, o regime democrático representativo é o mais adequado numa sociedade de proporções maiores, só poderíamos tentar modificar suas decisões pela via democrática. Mas, diante de decisões aparentemente absurdas, não teríamos o direito de reagir diante daqueles que são nossos mandatários, antes mesmo de tirar-lhes a nossa representação? Porém, se achamos que esse último caminho está correto, quem será o "juiz" sobre o fato dessa decisão ser apenas "aparentemente absurda" ou "realmente absurda"?
Pensemos no caso de Honduras, por exemplo. Um presidente, democraticamente eleito, quer se perpetuar no poder. Ele usa suas "ferramentas" políticas - sejam elas de natureza ética ou não - a fim de alcançar seu objetivo. Um grupo, identificando uma aparente imoralidade, toma à força o poder do presidente... a fim de manter as leis no país. Só que, para manter a legalidade do sistema, tiveram que ferir essa mesma legalidade.
No exemplo de Honduras, vemos partidários de ambos os lados questionando a legalidade das ações de seus adversários... talvez, sem criticar a própria atitude.
Não é fácil, mesmo! Mas esse é mais um dos desafios éticos que a Filosofia tem que se colocar constantemente, a fim de poder pensar melhor o mundo em que vivemos.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Denis Diderot

Tenho pesquisado um pouco sobre esse pensador francês nascido do século XVIII. Infelizmente, as fontes são poucas, em relação às que encontramos sobre outros pensadores.
Chamou-me a atenção sua passagem do cristianismo para o deísmo e desse para o materialismo... outros falam em panteísmo e até ateísmo. Lembraram de alguém?
Por enquanto, queria registrar algumas boas frases dele:
"A ignorância não fica tão distante da verdade quanto o preconceito.";
"É fácil criticar corretamente; e difícil executar mediocremente.";
"Ter escravos não é nada, mas o que se torna intolerável é ter escravos chamando-lhes cidadãos.";
"Perguntaram um dia a alguém se havia ateus verdadeiros. Você acredita, respondeu ele, que haja cristãos verdadeiros?";
"A voz da consciência e da honra é bem fraca quando as tripas gritam.";
"E por que punir o culpado quando não resulta quaisquer vantagem do seu castigo?";
"A razão sem paixões seria quase um rei sem súditos.";
"Clama-se incessantemente contra as paixões; imputam-se-lhes todos os males do homem, esquecendo que elas são também a fonte de todos os seus prazeres.";
"Apenas há um dever, o de sermos felizes.";
"Um única demonstração impressiona-me mais do que cinquenta fatos.";
"Nem que seja para fazer alfinetes, o entusiasmo é indispensável para sermos bons no nosso ofício.";
"As coisas de que mais se fala entre os homens são quase sempre aquelas de que menos se sabe.";
"A paixão destrói mais preconceitos do que a filosofia.";
"A superstição ofende mais a Deus do que o ateísmo."; e
"O dinheiro dos tolos é o patrimônio dos espertos."
Certamente, depois voltaremos a ele.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Uma animação...

Meu filho me apresentou duas animações muito engraçadas: uma mostrando Lula dançando e outra, Obama.
Sabedor que os presidentes desconheciam minha veia artística, apresento um vídeo feito com minha esposa, na época em que deslizávamos pelas pistas de dança Disco.
Riam à vontade.
http://sendables.jibjab.com/view/nrWis7718qA3SeEO

domingo, 12 de julho de 2009

Spinoza, o "Homem Aranha"

Nosso amigo Guilherme escreveu em seu blog um post muito interessante aproximando imaginariamente Spinoza e o "Homem Aranha". Um dos pontos altos do post, logo depois do texto, foi uma imagem do nosso intrépido herói "Spinoza Aranha". Vale a pena conferir os dilemas éticos dos dois "heróis", conforme o ponto de vista do Guilherme.
Entretanto, além do marketing gratuito oferecido ao companheiro blogueiro, escrevi para registrar uma coincidência. Enquanto procurava na internet dados para corrigir a informação sobre o registro da admiração de Nietzsche por Spinoza - se carta ou em livro -, deparei-me com um texto muito curioso, chamado "The meeting".
O texto apresenta um encontro entre Spinoza e Nietzsche, no MIT. Estranho? Vou explicar melhor. Especialistas do Massachussets Institute of Technology conseguem recriar as mentes - só as mentes - de oito filósofos, entre os quais estão o bigodudo alemão e o simpático luso-holandês (se eu não registrar "luso", a Maria me mata!). O projeto tem a intenção de colocar os filósofos... ou as suas mentes, em pares, para discutir seus sistemas filosóficos. Um desses pares é formado por Nietzsche e Spinoza.
"Interessante... e o que isso tem a ver com o texto do Guilherme?", alguém poderia perguntar. Eu respondo. Logo na primeira fala, Nietzsche diz que chamará Spinoza não pelo nome, mas de "Spiderman" ("Homem Aranha"), o que nos remete ao amigo Guilherme.
Se eu disser que o texto é filosoficamente interessante, vocês vão achar que estou brincando. Mas ele é.
Spinoza inquire Nietzsche sobre as aproximações entre seus sistemas. Temos um diálogo divertido e com conteúdo. Resta só ter algum cuidado, como em qualquer texto divulgado na grande rede, pois não conheço o currículo do autor, Daniel Spiro. De qualquer forma, há uma referência ao livro "Espinosa e outros hereges", de Yirmiyahu Yovel, o que já dá alguma credibilidade à abordagem comparativa realizada pelo autor.
Boa diversão!

sábado, 11 de julho de 2009

Nietzsche admirador de Spinoza

O título do post poderia ser "Desfazendo um engano", pois escrevi erradamente que Nietzsche teria deixada registrada sua admiração por Spinoza em um livro, contrariando a informação correta de Guilherme de que teria sido em uma carta.
A informação correta é a de que Nietzsche registra seu apreço por Spinoza em carta endereçada a Franz Overbeck, datada de 30 de julho de 1881.
Para matar a curiosidade sobre o conteúdo da carta, transcrevo parte do que ela continha.
"Estou profundamente surpreso, encantado; tenho um precursor e que precursor! Eu conhecia pouco Spinoza: que eu me tenha voltado para ele justamente agora, me foi inspirado pelo instinto... Sua tendência suprema é a minha, que faz do conhecimento o mais potente dos afetos... Em suma: minha solidão, que, como sobre cumes elevados, com frequência tornou minha respiração difícil e esvaziou meu sangue, é ao menos uma dualidão".
Nietzsche registra, também, os pontos em que se identifica com Spinoza, na seguinte passagem: "Me reencontro em cinco pontos primordiais de sua doutrina: ele nega o livre arbítrio, a finalidade, a ordem moral do mundo, o desinteresse e o mal".
Sinceramente, não entendi o tal "desinteresse", que Nietzsche registrou. Mas...
Mais tarde, como sabemos, Nietzsche se voltará também contra nosso simpático filósofo luso-holandês. Mas seria pedir muito a constância em Nietzsche! De qualquer forma, mesmo na referida carta, o bigodudo alemão já demarca seu "território" filosófico do de Spinoza, quando diz: "É verdade que as distâncias [entre nós] são também enormes, mas elas se devem sobretudo às diferenças de época, de cultura e de ciência".
O fato é que, ao que me parece, novamente Nietzsche cometeu uma injustiça em suas críticas, da mesma forma que já o fizera em relação à acusação da radical conceitualização presente em Sócrates. O professor André Martins, especialista em Spinoza, aqui no Rio, escreveu algo sobre isso, no artigo "Nietzsche, Espinosa, o acaso e os afetos": "Nietzsche passará a criticar Espinosa, por interpretar que este consideraria o conhecimento como algo oposto aos instintos (ou afetos) - quando, todavia, Espinosa propõe que o conhecimento é justamente o que permite uma transmutação dos afetos de tristes, porque passivos, a alegres, porque ativos. O maior incômodo de Nietzsche deve-se, sem dúvida, ao racionalismo das obras espinosianas e, em particular, à ordem geométrica de demonstração pela qual Espinosa apresenta sua Ética. Estas crítcas começam a aparecer em Gaia ciência. Podemos concluir que Nietzsche não considerava o intelectualismo de Espinosa uma forma alegre (um gaio saber) para se chegar à alegria. A crítica de Nietzsche a Espinosa dirige-se sobretudo ao método deste, e não às suas ideias; não invalidando, portanto, seus pontos em comum".

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Perspectivismo nietzscheano

Já fiz alguns cursos na Casa do Saber, como sabem os que acompanham o blog. Portanto, já tive aula com diversos professores, vivenciando diversas formas de conduzir as palestras. Todos os professores, até agora, foram de alta qualidade. Todos com doutorado e ministrando aulas em universidades de primeiro nível no cenário carioca e nacional. Entretanto, não posso deixar de registrar a altíssima qualidade do professor Leandro Chevitarese - doutor em Filosofia pela PUC-RJ e professor da mesma instituição.
O curso "O que significa conhecer? Um diálogo entre Kant e Nietzsche" ainda não acabou. Mas há que se destacar a simplicidade com que ele trouxe Kant e Nietzsche até nós... sem perder a qualidade do conteúdo, e a densidade do pensamento de ambos. Suas "traduções" de termos intrincados de Kant e sua sensibilidade na escolha de trechos de Nietzsche são de fazer o queixo cair.
Mas o melhor de tudo pareceu-me a rapidez na análise das perguntas que lhe são lançadas e a precisão com que ataca o questionamento, extraindo-lhe a resposta, que flui como quase óbvia. Fica a impressão de que a pergunta, ainda que bem feita, quase já continha a resposta em si mesma.
Ótimo professor... ótimo curso! Não poderei escapar de registrar alguns momentos do curso para os amigos. Um desses momentos, inclusive, é uma dúvida que me "atormentou" desde que assisti a uma palestra sobre o "Perspectivismo nietzscheano", no I Congresso Internacional Nietzsche & Spinoza. Eu conto essa depois.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Livros "comportados"

Há livros tão bem educados, tão comportados, tão pacientes. Eles são comprados; prometo a eles que serão logo lidos e eles aguardam. Veem outros passarem sua frente, mas esperam pacientemente. Às vezes, fazem cara de choro. Eu os pego na estante... faço um agrado, dizendo "É... interessante isso aqui! Tenho que pegar logo para ler. Será depois desse outro, que vem depois desse...". Eles sorriem, e veem novamente outros passarem sua frente. Mas continuam comportados.
Agora... há outros que são "insuportavelmente" exigentes, ou melhor, intransigentes. Eles são comprados e ficam reclamando que querem ser lidos logo; que têm lá os seus direitos; que, se não foi para serem lidos, mas para ficarem tomando poeira na minha estante, era melhor eu os ter deixado lá, para que outras pessoas mais interessadas iniciassem logo sua leitura.
Dois desses livros da última espécie foram adquiridos por mim, por esses dias. Um deles se chama "O sentido da vida", de Ragnar Ohlsson, publicado pela Callis Editora. Ao contrário da profundidade do título, é um livro quase juvenil. Mas achei bastante interessante para introduzir um jovem no pensar filosófico. O livro é um romance. Ele conta a estória de jovens que invadem uma casa que será destruída para passagem de uma rodovia. Para evitar a autoestrada e a poluição que ela produzirá, o grupo decide entrar na casa e impedir sua derrubada pelas autoridades competentes. O grupo, conversando, trata de temas filosóficos. Há discussões sobre temas sempre caros à Filosofia como o livre-arbítrio; a democracia (e a desobediência civil); a realidade; o aborto, bem como diversos aspectos da moral. Ao longo do texto, aparece um bibliotecário que conhece Filosofia e que apresenta ideias de alguns filósofos ao jovem mais reflexivo do grupo.
Espero colocar alguns posts, bem leves, sobre esse livrinho de apenas 87 páginas.
Outro livro recém adquirido desse último tipo foi "A Filosofia como remédio para o desemprego", de Jean-Louis Cianni, publicado pela Editora Best Seller. Uma ressalva, de antemão, a este livro: ele, apesar de publicado em 2009, ainda não foi redigido segundo as novas regras ortográficas. Isso é uma lástima, pois é justamente a leitura que nos fará adquirir o hábito dessa mudança. Mas... vá lá... e vamos ao livro.
Esse último, embora lido até a metade apenas, também é um romance, porém mais reflexivo. O personagem principal, jornalista envolvido com propaganda, é demitido. Ele vê seu "eu social" ir se desmoronando ao longo da jornada de busca de emprego e resolve usar a Filosofia como "saída" para seu questionamento existencial. Logo no começo do livro, o recém desempregado pensa: "Nessa época em que as religiões, as buscas exóticas dos mais variados tipos e até as seitas propõem as soluções existenciais pré-fabricadas, pareceu-me que o questionamento filosófico ocidental não só preservava todo o seu vigor e interesse, mas que nos bastava amplamente como apoio nas adversidades".
Na minha leitura, tomo a situação real do autor - a demissão - metaforicamente, entendendo-a como "qualquer situação adversa". Nesse sentido, todos precisamos de um apoio. Melhor que ele seja um apoio que fortalece do que um que ilude - penso.
O autor acrescenta: "Entender, tornar-nos mais fortes, abrir-nos para os outros: eis aí o kit de sobrevivência da Filosofia", e, seguindo a minha metáfora, oferece o livro aos seguintes leitores: "De maneira mais abrangente, a todos que desejam voltar ao mundo depois de uma provação. Que possam encontrar aqui os caminhos de sua ressurreição filosófica!"
Dito isto, o autor vai usando "lições" (não meramente teóricas, mas principalmente práticas, ligadas às vidas de alguns filósofos) de Sócrates, Spinoza, Pitágoras, etc.
Depois lanço uns posts desse livro, também.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

QI vs. ateísmo

Aqui no Estado do Rio de Janeiro, há uma tradicional feira de livros internacional que ocorre em Paraty - a FLIP. Como ocorre nesse tipo de evento, autores do mundo inteiro se reúnem em debates e lançam seus últimos livros.
Na FLIP desse ano, estamos recebendo Richard Dawkins - autor de "Deus, um delírio" -, que lança um livro mais "científico" do que "antirreligioso".
Fato é que, deu no jornal que "a tarde de quinta-feira começou com o tradicional almoço no casarão do príncipe Dom João de Orleans e Bragança. Católico fervoroso, ele conversou longamente com o escritor Richard Dawkins, que é ateu". Perguntado sobre a curiosa conversa, o príncipe - meio anacrônico isso, não é, pessoal? - disse: "Adoro conversar com ateus, são inteligentes".
Ainda bem que o príncipe "católico fervoroso" reconhece os dotes intelectuais de nosso grupo ateu. Mas, ficou uma vontade de perguntar: "Por quê? Os crentes não são?". Rsss.
Agora, só para provocar meus amigos...
Em setembro de 2008, foi publicado um artigo na revista acadêmica britânica "Intelligence" defendendo a tese de que pessoas com QI mais alto são menos propensas a ter crenças religiosas, de autoria do professor de Psicologia Richard Lynn, da Universidade do Ulster, Irlanda do Norte, em parceria com Helmuth Nyborg e John Harvey.
A pesquisa é uma compilação de dados de duas pesquisas feitas anteriormente.
Obviamente, não acredito que essa relação seja tão direta assim. O professor de Psicologia Andy Wells, por exemplo, lança dúvidas sobre o estudo, dizendo que vários estudos já demonstraram que pessoas com níveis de QI altos tendem a ter níveis de educação mais altos e é mais provável, por isso, que tenham acesso a teorias alternativas de criação do mundo, por exemplo. Isso sim, levá-las-ia a questionar as crenças estabelecidas e juntar-se à legião de ateus. Ou seja, seria um maior nível de informação, mais do que de QI, que motivaria o ateísmo.
Brincadeiras à parte... só estou registrando as palavras do príncipe e do pesquisador. Rssss.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Ollivier Pourriol

Pessoal, não é que o Ollivier Pourriol - aquele autor do livro "Cinefilô", que frequentou vários posts aqui do blog - esteve no Rio, ontem? É verdade!

Um amigo filósofo, sabendo que eu li o livro de Ollivier, convidou-me para assisitir entrevista com o autor em Botafogo, ontem à noite. Infelizmente, não foi possível ir. Mas é bom saber que fazemos - no Brasil - parte do roteiro de bons autores.

E outro aniversário...

Não poderia deixar de abrir o blog, hoje, parabenizando nossa amiga Maria pelo seu aniversário.
Meus desejos de sempre são de muita "potência" para viver... o que se traduzirá em "summa laetitia".
Abraços e beijos do teu amigo de sempre.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

As cotas raciais nas universidades

Pessoalmente, sou a favor das cotas (ou "quotas", lá nas bandas de Portugal) para acesso às universidades... mas não da racial. Concordo que deva haver uma política afirmativa para aqueles que estão submetidos à situação de inferioridade, inserindo vantagens momentâneas para eles, a fim de que possam "descontar" a desvantagem que têm em relação a outros. É como acontece naquelas brincadeira de corrida entre garotos de tamanhos e idades diferentes, onde o maior diz "Te dou uma vantagem de dez passos!", por exemplo. A partir da vantagem dada, tudo é igual, e ambos correrão da melhor forma possível.
Entretanto, parece-me que os mais desafortunados não são exatamente os negros. Acho que quem está em inferioridade realmente são os alunos da maioria das escolas públicas. Esses sim, sem aulas diárias; com ausência total de professores de determinadas matérias; com recursos didáticos ultrapassados e etc. é que, mesmo tendo o potencial intelectual semelhante a de um aluno da rede particular, carecem de uma "vantagem" inicial.
Não desejo "paternalismo". Afinal, passado o marco do vestibular, ou seja, após entrar pela porta da universidade à frente do seu colega, estará em suas mãos a tarefa de chegar ao diploma. Mesmo durante o percurso, não estarão apagadas as diferenças. Lembro-me muito bem que meu pai comprava, por vezes, mais de um livro de determinada matéria, a pedido meu; o que certamente não será possível para um universitário mais carente... mas não se pode ir "igualando à força" o que é naturalmente diferente. Como é o caso dos dois meninos corredores do exemplo anterior. O que se pode fazer é que ele não seja simplesmente alijado da "corrida"... depois, é com ele mesmo!
Um pouco de informação sobre o tema.
A primeira, publicada na coluna "Opinião" do jornal "O Globo".
"Os Estados Unidos, depois de serem fonte inspiradora de cotas raciais e outras, abrigadas sob a rubrica de 'ações afirmativas', começam a fazer autocrítica, forçados pela Suprema Corte.
A decisão a favor de bombeiros discriminados num concurso interno da corporação em Connecticut, pelo fato de terem pele branca, chega em boa hora, a tempo de alertar congressistas brasileiros para o erro que cometerão se permitirem que o racismo se infiltre no país sob o mesmo disfarce de 'ações afirmativas'. Na verdade, são negativas".
Aliás, no Rio de Janeiro já houve uma reação da Justiça às cotas raciais no vestibular para a Uerj.
Outra, proveniente de entrevista com José Murilo de Carvalho, historiador que já citei em post anterior.
Inquirido sobre as cotas raciais, José Murilo disse: "Não acho que cotas sejam a forma mais adequada... Eu defendo ações afirmativas para levar benefícios a setores historicamente prejudicados... Falar em cotas raciais é complicado, porque se joga fora a grande tradição de miscigenação do país... A miscigenação não acabou com o preconceito... mas eu não acho que a melhor forma de combater um preconceito racial seja reforçando a [ideia de] raça".
Depois, perguntado sobre o que, historicamente, teria levado a essa diferenciação, o historiador diz: "O ponto chave, como indica Joaquim Nabuco, é que a escravidão no Brasil foi mais arguta, não obedeceu à linha da cor... Libertos e mulatos também tiveram escravos. Isso teve um efeito bem ruim, enraizando a escravidão mais profundamente na sociedade. Mas o lado positivo é que não houve a estratificação da linha da raça, que não ficou tão marcada quanto nos EUA".
Sobre esse último aspecto, eu já coloquei um post no blog que tinha antes. Os escravos da cidade tinham a possibilidade de comprar suas alforrias realizando serviços remunerados. Para acelerar esse objetivo, eles adquiriam outros escravos, que também realizavam serviços remunerados, só que para eles. Ou seja, escravos - ou recém-libertos - tinham escravos, também.
A questão é delicada. Mas é sempre necessário refletir sobre esses assuntos... até porque, não se trata de mera especulação, eles estão demandando ações efetivas.

domingo, 5 de julho de 2009

Jeff Healey

Alguns vão estranhar o post. Mesmo assim, lá vai ele.
Por esses dias, meu filho me pediu nomes de artistas que eu gostaria de ver em um DVD. Ele iria fazer uma coletânea, que começava com Jonny Lang - um guitarrista jovem, de quem somos ambos fãs. Seguindo a linha da guitarra, sugeri Stanley Jordan e Jeff Healey. O Eric Clapton - o maior dos maiores, para mim - ficou de fora pelo simples fato de eu ter vários DVDs dele.
O molecão, mesmo antes da confecção do DVD, conseguiu um aperitivo, que foi a discografia do Jeff... Healey, e não o Beck. Rsss.
Divertia-me ouvindo um CD atrás do outro, até que resolvi ver o site oficial de Jeff Healey. E... descobri que ele morreu!!!! Com apenas 41 anos!!!! No ano passado!!!! Caracas... o último disco que temos é justamente de 2008. Ele morreu em 02 de março. O site oficial, inclusive, apresenta mensagens sobre o primeiro ano de falecimento.
Ok... eu explico um pouco mais do porquê do post, que está baseado na minha admiração por ele.
Várias pessoas tocam guitarra. Algumas delas muitíssimo bem. Esse é o caso dos já citados acima e de alguns outros. Uma pequena parte, além de todo virtuosismo, ainda consegue criar um jeito diferente de tocar, como é o caso de Stanley Jordan, que toca duas guitarras ao mesmo tempo, usando a técnica do tapping.
Mas há alguns... há alguns... que só assistindo! Esse é o caso de Jeff Healey.
Ele teve um câncer raro que roubou-lhe a visão aos oito meses. Mesmo assim, começou a tocar guitarra com três anos de idade. Isso já mereceria destaque. É verdade que há outros casos de jovens talentos e também de pessoas com limitações que tocam instrumentos... entretanto, as duas coisas juntas deve ser raríssimo. Devido à falta de visão, Healey criou um estilo diferente de tocar. E aí, acho eu, o caso se torna único: uma criança, cega e criando um estilo próprio de usar o instrumento!
Não bastasse essa reunião de casos especiais numa pessoa só, o homem era realmente um grande compositor de blues, com têmperos de rock e jazz.
Aos 21 anos recebeu um prêmio Grammy pela melhor performance instrumental de rock, com o álbum "See the light". Ao longo da carreira tocou com gente como Steve Ray Voughan, BB King e Eric Clapton.
Morreu pouco antes do lançamento do seu último disco, de câncer.

sábado, 4 de julho de 2009

Eça de Queirós

Ancelmo Gois, de "O Globo", escreveu que circula na internet a seguinte frase atribuída ao romancista português Eça de Queirós: "Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente, e pela mesma razão".
Ancelmo completou: "Nada mais oportuno no momento em que tantos fichas-sujas se preparam para se reeleger".
É verdade, Ancelmo...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

José Murilo de Carvalho

Há algum tempo quero escrever algo sobre esse historiador brasileiro. Para quem não o conhece - como era o meu caso, até bem pouco tempo atrás -, ele é membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Ciências. Além disso, já foi agraciado com o Prêmio Almirante Álvaro Alberto, uma das mais importantes honrarias na área da ciência e tecnologia do país.
Comecei a acompanhá-lo após ter lido uma entrevista sua dada ao jornal "O Globo". Curiosamente, a entrevista tinha como assunto principal a corrupção no Brasil, tema que ele já havia abordado em entrevista, no ano de 2005, ao "Jornal do Brasil". Nessa entrevista, o prato principal era o escândalo das passagens dos deputados federais, enquanto naquela época o destaque era dado ao mensalão.
Gostaria de destacar alguns trechos da última entrevista dada.
Perguntado se a enorme lista de casos de corrupção no Brasil tinha um fundo histórico ou se era apenas uma questão da mídia, atualmente, expor melhor o que antes acontecia às escondidas, significando que em todos os países a coisa era igual, José Murilo respondeu: "Certamente não é igual em todos os países, sobretudo os protestantes, em que a ética pública é mais rigorosa. Mas é comum aos países de origem ibérica, por conta do patrimonialismo, em que a distinção entre o público e o privado é pouco nítida".
A entrevistadora Roberta Jansen pergunta se não estaria havendo uma banalização da corrupção, por conta de ninguém mais se chocar tanto com as notícias veiculadas. O historiador responde: "O governo Lula tem muitos méritos, mas trata várias dessas práticas com condescendência, o que, de certa forma, as naturaliza e reduz a reação".
Neste ponto, eu gostaria de lembrar que no mais recente escândalo do Congresso, envolvendo o ex-presidente da República, atual presidente do Senado, José Sarney, Lula fez todo o esforço para salvar seu aliado, criando até um racha dentro do próprio PT.
O historiador é muito feliz, penso, quando responde à jornalista sobre se a população não deve ser mais "raivosa" em relação aos escândalos. Diz ele: "O bolsa família atinge quase um terço da população do país. Isso gera duas opiniões: a pública e a popular. A pública é aquela veiculada na imprensa por uma parcela da população que tem um nível de escolaridade mais alto e que, em geral, não depende das benesses do governo. Mas para os que dependem diretamente das políticas públicas é diferente. A maioria dessas pessoas nem concorda com essas práticas corruptas, mas age por pragmatismo. O que é totalmente justificável, já que elas vivem num mundo de necessidades".
Apesar de não concordar plenamente com o professor, não posso deixar de reconhecer que quem está abaixo da linha de pobreza, em estado de "miserabilidade", não pode "se dar ao luxo" de votar com a consciência, já que o apelo do estômago é mais forte.
Perguntado se vislumbra solução a curto prazo, o historiador responde: "Vai demorar. De um lado, você tem uma impunidade escandalosa. Um Congresso que não pune ou pune de forma inadequada... Só vai melhorar quando os eleitores passarem a punir com o voto, o que ainda vai levar um tempo".
É sempre importante destacar que, para punir com o voto, o eleitor tem que ter plena consciência de tudo o que está em jogo quando escolhe um tal sujeito para representá-lo. E essa consciência só pode ser fruto da educação política, aliada a uma "independência" social, que lhe permita uma escolha que, mesmo postergando um ganho pessoal imediato, aposte num ganho social a longo prazo.
A última pergunta dizia respeito à chegada de Lula ao poder, como um rompimento com a tradição do governo realizado por uma elite. O comentário de José Murilo é o seguinte: "Quando Lula foi eleito,... era gente diferente no poder, gente mais próxima do povo. Era um partido que se diferenciava por ter uma ideologia e por defender uma ética política. Mas a verdade é que para vencer, para passar daquele patamar histórico de 35% de votos, Lula teve que assumir determinados compromissos... No escândalo do mensalão, ficou claro que a chegada ao poder tinha corroído a tão trombeteada ética petista, e que as posições ideológicas do PT estavam sendo abandonadas. O escândalo o colocou no mesmo saco dos demais".
Esse "colocar no mesmo saco" é que me parece mais problemático. Não é incomum "pecar" - num sentido mais secular e menos religioso, com o significado de "errar". Mas quando o "pecador" é alguém que vive pregando a moral e vive condenando os outros pelos seus erros, aí o "pecado" ganha outra proporção.
O problema, então, a meu ver, não é afirmar que o PT não faz nada diferente dos outros; que esses fatos "obscuros" sempre aconteceram, em todas as épocas. O problema é justamente que o PT alardeava que era diferente de todo o "resto" - e "resto", aqui, com a pior conotação de "sobras apodrecidas". Então, ao copiar esse resto, "peca" duas vezes: pelo próprio pecado e pela mentira que usou para ludibriar aos que desejavam coisa melhor.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Königsberg

Sempre que lemos sobre Kant, aparece o dado biográfico de que ele nasceu "na pequena Königsberg" e que de lá não teria saído durante toda a sua vida.
Além de Kant, a cidade de Königsberg teve outro filho ilustre, a pensadora Hannah Arendt.
Mas, se Kant era prussiano e Hannah alemã, essa é uma cidade da Alemanha? Normalmente, a continuação dos dados biográficos de Kant responde a essa pergunta, informando-nos que atualmente a cidade se chama "Kaliningrado" e que pertence à Rússia. Por vezes, acrescenta-se que a atual Kaliningrado fica perto de Gdansk.
Peraí!? Alemanha, Polônia e Rússia... que confusão é essa?
A verdade é que Königsberg - "montanha do rei", em alemão - é um território que fica entre a Polônia e a Lituânia, tendo saída para o Mar Báltico. Esse território pertenceu à Polônia até 1656. Na época de Kant, era a capital da Prússia Oriental. Quando da unificação da Alemanha, no século XIX, integrou-se a esse país. Após a Segunda Guerra Mundial, foi anexada à URSS e rebatizada como Kaliningrado. Curiosamente, entretanto, não tem ligação direta com a própria Rússia, a quem pertence atualmente.
Mas por que falar tanto de Königsberg? Especialmente para colocar em questão algo que a maioria dos textos sobre Kant não diz: a "pequena Königsberg" não era um local onde se levasse uma vida provinciana. Esse post já disse por quê. Königsberg era, simplesmente, a capital da Prússia Oriental... e a Prússia era o maior estado do que viria a ser o Império Alemão. Aliás, a Prússia saiu das guerras napoleônicas como potência hegemônica do que seria a Alemanha.
Ou seja, indicar que é um fato curioso alguém, mesmo nunca tendo saído de sua "pequena" cidade natal, ser um homem de tamanha envergadura quanto foi Kant, pode ser facilmente explicado pelo fato de que essa "pequena cidade" era um grande centro de cultura. Mal comparando, seria como, hoje, surpreender-se com um grande pensador francês que nunca tivesse saído de sua "pequena" cidade natal Paris. Ora, Paris repercute os grandes pensamentos do mundo todo. Então, seria possível - embora não fosse ideal - um grande pensador "enclausurado" em sua "pequena" Paris produzir façanhas intelectuais para o resto do mundo. E o mesmo se deu com nosso querido Kant.
Fiz justiça com a pequena/grande Königsberg!

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Wilson Simonal

Recentemente, foi lançado o documentário "Simonal - Ninguém sabe o duro que dei", trazendo à tona novamente a discussão sobre se o cantor foi, ou não, informante do regime militar, durante a ditadura. Até então, afirmava-se categoricamente que ele era. A partir de novas pesquisas, chegou-se à conclusão que não se poderia afirmar isso de modo inquestionável, já que não havia provas do fato.
Entretanto, após o lançamento do documentário, Mário Magalhães, do jornal "Folha de São Paulo", publicou um depoimento que o próprio Simonal teria dado à Polícia, onde assumia ser "dedo-duro". Depois disso, a polêmica se reacendeu.
Sem pretender me manifestar sobre essa questão, especificamente, achei curioso o que li numa entrevista dada ao jornal "O Globo" pelo filho de Simonal, Max de Castro.
Vejamos.
Antes da entrevista, propriamente dita, o jornal afirma "Nos tempos da ditadura, assumir uma posição política era uma exigência feita tanto por aqueles alinhados com o governo militar, quanto por militantes de esquerda". Durante a entrevista, o filho do cantor diz que esse estória - que ele julga falsa - só pegou pelo estilo "marrento e exibido" de Simonal.
Paro por aqui... para traçar um paralelo entre as situações de Simonal com Heidegger.
A primeira observação, para colocar as coisas nos devidos lugares, é que existem dúvidas sobre a adesão de Simonal ao regime militar, enquanto as mesmas não parecem existir em relação a Heidegger e o nazismo. Digo que "não parecem" em função de não haver certeza sobre a adesão de Heidegger ao anti-sionismo, característica marcante e das piores do nazismo. Embora não duvide de sua concordância com os planos de tornar a Alemanha um país forte e, talvez até, de uma certa simpatia pela ideia de alguma "superioridade" do povo germânico - embora não diria que ele pensasse exatamente na criação de uma raça pura.
Feita essa consideração inicial, gostaria que se pensasse no que afirma o jornal - sobre o caso Simonal -, dizendo que "nos tempos da ditadura" era "exigido assumir uma posição". Imagino que algo similar devesse acontecer na Alemanha, nos tempos da ascensão do nazismo.
Como eu fiz questão de ressaltar, não imagino um Heidegger totalmente ingênuo, tomado da mesma euforia da "massa", e que simplesmente dava um apoio tácito a Hitler. No caso de Heidegger, sua participação foi mais ativa - ainda bem que não tanto a ponto de torná-lo um assassino -, alcançando, inclusive, um posto destacado como reitor. E talvez essa parte valha como nova comparação com o "marrento e exibido" Simonal. Até que ponto Heidegger também não pode ter se aproximado do nazismo por ser um intelectual "exibido"? Até que ponto seu pedantismo não atrapalhou sua clareza de pensamento, neste caso?
De qualquer forma, ainda fico com a impressão de Richard Rorty de que a sua péssima opção política não "transbordou" para a sua filosofia, a ponto de contaminar esta última pelo que de pior se produziu no nazismo.
É isso... por enquanto.