quarta-feira, 15 de julho de 2009

"O sentido da vida"

Conforme eu havia escrito antes, pretendia postar algo sobre o livro "O sentido da vida". Escolhi a parte em que os jovens "politicamente corretos", que invadiram a casa a fim de evitar a construção de uma estrada que poluiria o lugar, vão conversar com um burocrata da Secretaria de Obras. Isso nos coloca diante de uma boa reflexão sobre a democracia.
O trecho apresenta os jovens reclamando do impacto ambiental da nova estrada. O funcionário argumenta que o parlamento, eleito pelos cidadãos, decidiu pela construção daquela. Ao final, pergunta: "Com a invasão, vocês estão tentando impedir a execução de um projeto elaborado democraticamente. Vocês acham isso certo?".
Os jovens retrucam que a população local não foi consultada. O hábil interlocutor mostra que não é possível consultar diretamente todos os envolvidos na questão, até porque ela não envolve apenas os moradores da localidade, mas também aqueles que serão beneficiados, em outros locais, pela maior agilidade do tráfego. Fica demarcada a impossibilidade - ou, pelo menos, a monstruosa dificuldade - de uma democracia direta; reforçando a ideia de que a democracia representativa é a opção mais viável.
Os jovens insistem em sua posição dizendo: "... mesmo que a construção seja desejo da maioria, está claro que mais trânsito será prejudicial para a floresta... isso sem falar no efeito estufa, que influencia a vida no mundo todo. Todos os seres vivos têm direito à vida, mas nem todos têm direito ao voto".
O funcionário diz: "Vocês estão se intitulando representantes de todos os seres vivos?! Não se esqueçam, porém, que vocês se elegeram sozinhos. Ninguém os escolheu.". A argumentação deste continua, na linha de que os jovens estão imaginando que sabem mais do que aqueles envolvidos na decisão. Ele pondera sobre os jovens poderem tentar levar seu pretenso maior conhecimento à população e aos partidos políticos, a fim de convencer a maioria a se colocar a favor do ponto de vista deles. Ao final, afirma: "Mas acho errado um grupo autonomeado infringir as leis e tentar impedir a execução de uma resolução tomada".
Os jovens ponderam sobre a mudança positiva do curso da História se os alemães não tivessem apoiado as Leis de Nuremberg (aquelas anti-semitas, adotadas pelos nazistas em 1935).
O funcionário rebate: "Isso é o que achamos agora, em retrospectiva. Mas imaginem que outros grupos queiram fazer a mesma coisa que vocês. Suponham que um grupo de neonazistas acredita que a política de imigraçaão sueca esteja completamente errada. O grupo, então, passa a tentar afugentar os imigrantes com terror e violência. Vocês acham isso certo?".
O trecho é muito sugestivo. O dilema diante do qual estamos é: até que ponto a desobediência civil é uma ferramenta adequada num regime democrático participativo?
Ora, se entendemos que, dentre os atuais, o regime democrático representativo é o mais adequado numa sociedade de proporções maiores, só poderíamos tentar modificar suas decisões pela via democrática. Mas, diante de decisões aparentemente absurdas, não teríamos o direito de reagir diante daqueles que são nossos mandatários, antes mesmo de tirar-lhes a nossa representação? Porém, se achamos que esse último caminho está correto, quem será o "juiz" sobre o fato dessa decisão ser apenas "aparentemente absurda" ou "realmente absurda"?
Pensemos no caso de Honduras, por exemplo. Um presidente, democraticamente eleito, quer se perpetuar no poder. Ele usa suas "ferramentas" políticas - sejam elas de natureza ética ou não - a fim de alcançar seu objetivo. Um grupo, identificando uma aparente imoralidade, toma à força o poder do presidente... a fim de manter as leis no país. Só que, para manter a legalidade do sistema, tiveram que ferir essa mesma legalidade.
No exemplo de Honduras, vemos partidários de ambos os lados questionando a legalidade das ações de seus adversários... talvez, sem criticar a própria atitude.
Não é fácil, mesmo! Mas esse é mais um dos desafios éticos que a Filosofia tem que se colocar constantemente, a fim de poder pensar melhor o mundo em que vivemos.

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