sexta-feira, 17 de julho de 2009

A entrevista de Heidegger (1)

Conforme nosso amigo de blog Júlio havia sugerido, li a entrevista que Heidegger concedeu à revista Der Spiegel, em 23 de setembro de 1966.
Realmente, não há como ler a entrevista sem deixar de "inocentar" Heidegger pelas acusações lançadas contra ele no que diz respeito ao nazismo. Isso, obviamente, se considerarmos que ele está sendo sincero. E, aí, a decisão cabe a cada leitor.
Uma das primeiras perguntas diz respeito à chegada de Heidegger à reitoria da Universidade de Freiburg.
Heidegger explica que seu antecessor, o professor von Mölendorf, tomou posse como reitor em abril de 1933 e, apenas duas semanas depois, foi deposto do cargo, por decisão do ministro da Cultura da província de Baden. Segundo ele, o próprio von Mölendorf, junto com o pró-reitor, teria dito: "Heidegger, agora o senhor tem que assumir a reitoria!". Heidegger explica que ponderou com os interlocutores sobre o fato de não ter experiência. Os dois argumentam que haveria a possibilidade, caso Heidegger não concordasse em se lançar candidato, de o governo impor como reitor um "funcionário" - imagino que o texto deva se referir a algum funcionário administrativo, simplesmente, que não fosse, portanto, um professor. Heidegger comenta que, além desses dois, vários colegas mais jovens, com quem ele conversara a respeito de uma nova estruturação da universidade, insistiram na sua candidatura. Diz ele que, só então, concordou.
Ele insiste que essa posição quanto a uma nova estruturação da universidade já tinha sido expressa na sua aula inaugural em Freiburg, em 1929 - conhecida hoje como o texto "O que é Metafísica?" -, quando fala que as ciências estão muito distantes umas das outras e que "esta multiplicidade dissipada de disciplinas só mantém uma unidade graças à organização técnica das universidades".
Heidegger destaca que "No segundo dia de minha gestão, apareceu na reitoria o 'dirigente dos estudantes' e exigiu que se pendurassem cartazes contra judeus. Eu recusei".
Até onde sabemos, mesmo das fontes que atacam Heidegger, ele não parece ter tido um sentimento antissemita (essa feia palavra é resultado no nosso novo acordo ortográfico!), ao contrário, dizem, da sua esposa.
Os entrevistadores perguntam: "Devemos entendê-lo no sentido de que o senhor pretendia alcançar uma melhora da universidade com os nazistas?".
Heidegger se opõe: "Não era com os nazistas. O que pretendia era que a universidade se renovasse... e conquistasse uma posição firme diante do perigo da politização da ciência".
Os entrevistadores tentam, através de algumas frases proferidas por Heidegger, tanto no discurso de posse da reitoria, quanto retiradas de um jornal de estudantes, perceber o sentimento do filósofo para com Hitler e o nazismo.
É interessante a resposta de Heidegger, que mostra claramente ter reconhecido seu engano cedo: "Ao assumir a reitoria, não tinha dúvidas de que não conseguiria sair-me sem compromissos. As frases citadas, EU NÃO AS SUBESCREVERIA HOJE. EM 1934, EU JÁ NÃO AS DIZIA." (Grifo meu)
Em função da resposta, os entrevistadores identificam que Heidegger se movia entre dois polos, nas ações de 1933: um, meramente "burocrático" e outro, mais "positivo", quando, por exemplo, diz "Eu tinha a sensação de que surgia algo novo, era um desabrochar!" - no discurso de posse, após quatro meses da escolha de Hitler para chanceler.
Heidegger concorda e diz: "Eu via realmente tal possibilidade"
Reafirmando a discordância pessoal quanto ao antissemitismo, Heidegger diz "Nunca acedi às reiteradas intimações para retirar os livros de autores judeus [da biblioteca]... não somente os livros não foram eliminados... como até os próprios autores, sobretudo Husserl, eram citados e debatidos, como antes de 1933".
Em outro ponto, até os próprios entrevistadores dizem constar que, mesmo depois de 1933, Heidegger teria tido alunos judeus, com os quais mantinha relacionamento muito cordial.
Heidegger, então, fala de uma aluna sua, Helena Weiss, obrigada a fugir da Alemanha, tendo colado grau na Basileia, com uma tese que seria publicada em 1942, cujo prefácio contém um agradecimento ao seu antigo professor Heidegger. O filósofo ainda mostra aos entrevistadores um exemplar com dedicatória da própria autora, e indica tê-la visitado diversas vezes em Bruxelas.
Os entrevistadores tocam um ponto muito conhecido e aproveitado pelos detratores de Heidegger, que seria a retirada da dedicatória impressa nos exemplares de Ser e Tempo feita para seu amigo e mestre Edmund Husserl.
Heidegger explica que a dedicatória deixou de constar da 5ª edição, de 1941 - lembrando que o livro é originalmente de 1927, e que teve uma 4ª edição em 1935, antes da morte de Husserl, na qual a mesma ainda estava presente. Diz, ainda, que a dedicatória deixou de constar por um acordo com o seu editor, Niemeyer, que teria pressentido uma proibição ao livro, se a dedicatória a um "judeu" fosse mantida logo nas primeiras folhas. Em contrapartida, o editor deixou registrada uma nota que dizia "Se a seguinte investigação dá alguns passos adiante na explicação das 'coisas mesmas', o autor deve em primeiro lugar a Edmund Husserl".
Heidegger, entretanto, explica que já havia ocorrido o rompimento, por parte de Husserl, com ele e com Max Scheler, no início dos anos 30, por discordâncias meramente doutrinárias. Argumenta, inclusive, que esse rompimento se deu publicamente, num discurso de Husserl em Berlim.
Constatado que não teria participado do funeral de Husserl, em 1938, Heidegger aparece como um sujeito "demasiado humano". Ele diz que "Em maio de 1933, minha mulher escreveu, em nosso nome, uma carta à Sra. Husserl. Nesta carta, testemunhávamos nossa gratidão inabalável; e enviamos a carta com flores, para os Husserl. A Sra. Husserl respondeu brevemente com um agradecimento formal e disse que as relações entre as duas famílias estavam interrompidas. O fato de não ter reiterado meus agradecimentos e minha consideração durante a doença e morte de Husserl, CONSTITUI, SEM DÚVIDA, UMA FRAQUEZA HUMANA. POR ELA, CHEGUEI A APRESENTAR MINHAS DESCULPAS, EM CARTA À SRA. HUSSERL" (Grifo meu)
Volto com o final da entrevista...

9 comentários:

mundy disse...

Bem em outro dia voce escreveu sobre DIDEROT, gostaria de tirar uma dúvida voce já o pesquisava ou aguçou seu instinto de curiosidade ao Ler o Livro do Jean Louis , pois ele cita Diderot, aliá, excelente dica do Livro de Jean Louis , boa leitura, sorvi cada página com enorme prazer, um excelente livro, certamente voce já leu muita coisa superior a este livro, mas este me agradou por completo.

Maria disse...

Deus descansou ao 7º dia mas, o senhor Ricardo que não é Deus e sim carioca descansa ao sexto e ao sétimo e sempre nos deixa sem os seus comentários dos comentários..
Assim sendo e para honrar o meu posto de secretária internacional(como o Júlio disse) , não posso deixar de passar este dia em branco…Hoje um dos acompanhantes do blog faz aniversário o GUILHERME. Então palmas para o Guilherme e desejos de feliz aniversário.
Agora eu que sou portuga e alentejana, Deus me fadou para romper com a tradição de duplamente preguiçosos e por isso me submeteu diariamente a um trabalho de escrava e quase igual à Cinderela (esquecendo-se do pormenor da beleza ) me obriga a limpar, cozinhar , arrumar e esfregar todos os dias…rs.
Um dia fantástico para vocês, acompanhantes do blog do senhor Ricardo.
Aqui apesar de escrava , minha alma é livre e voa, voa, voa…rs
Maria

mundy disse...

Mas este fato Maria de o Ricardo, não responder aos comentários, deixando as vezes por dias ,a nós sem resposta , já foi cobrado dele ao VIVO, eu mesmo postei um comentário dias atras e até hoje já se passam mais de 10 dias , não obtive resposta, ,mas o que fazer é o jeito dele, não tem preguiça para ler, escrever e se alimentar cada vez mais de cultura, mas é muito preguiçoso em diveros outros aspectos, mas tá tudo certo, não vou mais me alongar, pois ele fica aborrecido com cobranças dos amigos, heheheheheehehehe.

Maria disse...

Senhor Mundy!
Sou infinitamente pior que o senhor Ricardo. Meus amigos quando querem ter notícias minhas ou contactam com meu esposo ou têm que vir aqui a casa. As reclamações são mais que muitas, mas não é por falta de interesse ou por não querer estar com eles é simplesmente porque sou meio desligada , meus celulares estão quase sempre desligados e adoro estar em casa. Ainda tem sorte com o Ricardo porque ele gosta de ir a churrascos, como acho que todo o brasileiro gosta. Aqui não há esse hábito.
Como achei que ele se ia esquecer do aniversário do Guilherme, por ser fim de semana e porque quase todos os homens se esquecem de datas importantes, antecipei-me a ele.
Tirando isso ele é uma pessoa extraordinária e muito preocupada com os seus amigos.
Como se diz aqui “Não há bela sem senão”
Maria

Ricardo disse...

Compadre:
Eu já "esbarrei" com Diderot em algumas ocasiões. Mas a verdade é que sempre o "enxerguei" como alguém meramente ligado ao projeto da Enciclopédia, e de envergadura intelectual menor que Voltaire - de quem gosto muito - ou Rousseau - um "maluco beleza" meio estranho, mas muito considerado. É verdade, portanto, que o livro de Jean-Louis "humanizou" Diderot para mim, suscitando um interesse maior. Além disso, a informação de que Voltaire o apelidou de "pantófilo" (o que ama tudo) me deixou mais receptivo à sua qualidade intelectual.
Sendo assim, parti para leitura, e apenas ratifiquei essa minha "intencionalidade afetiva", através de uma "reflexão racional", pelo francês.
Sobre ter lido livros melhores. Eu diria que já li vários livros muito bons. Mas o juízo sobre o valor de um livro, aliás, de qualquer coisa, tem a ver com nosso "momento". Esse livro, além do aspecto filosófico, do qual sempre gosto muito, achei que tinha algo que lembrava você. Foi muito bom que eu tivesse razão e que você gostasse do livro.
Espero, ainda, que alguns dos "remédios" do livro possam ajudá-lo a resolver dilemas existenciais seus.
Por último, quero dizer que não postei nada sobre ele, não é?! Que tal me ajudar? Faça o comentário de algo que tenha lido e gostado.

Ricardo disse...

Maria:
Eu sou mais esperto que Deus; afinal, minhas "manifestações" continuam mesmo nos dias que descanso. Sobre os "comentários dos comentários", aí, só se eu contratar um "sub-ricardo" para fazê-los. De qualquer forma, o mais importante são os comentários, que oxigenam o blog enquanto estou "out", "descansando". Fico todo feliz quando "volto" e vejo aqueles "X comentários", em vez de "0 comentários". E sempre sei que virá algo legal de ser lido.
Sobre o aniversário do Guilherme, honraste mesmo o posto de "secretária internacional... não remunerada". Tive que registrar isso para que não peças, mais tarde, teus direitos na Justiça Trabalhista. Rsss.
De qualquer forma, não deixei escapar o aniversário do nosso amigo Guilherme. Mas aproveito esse espaço para reforçar os parabéns de todos.

Ricardo disse...

Compadre:
Você está "batendo" forte, hein! Rsss.
Da mesma forma que você, tenho tentado colocar as respostas nos posts mais recentes, a fim de que eles não fiquem "perdidos" no passado.
Você bem sabe que eu não deixaria um irmão meu - pois é assim que convivemos há trinta anos - sem uma resposta. E você bem pode perceber a alegria com que o recebo, quando você "aparece" aqui em casa.
Sobre suas cobranças. Nunca fiquei aborrecido. Aliás, nem falo que você não tem razão. E mais... acho que você está "contaminando" o meu outro compadre. Afinal, outro dia ele falou a mesma coisa que você: reclamou de eu não ir à casa dele e da minha preguiça em sair do "campo gravitacional" de Icaraí. Rsss.

Ricardo disse...

Maria:
Ainda bem que tenho a ti como "secretária internacional... não remunerada". Rsss. Além da lembrança prévia do aniversário - dessa vez, desnecessária... -, ainda tive uma defesa "merecida", com direito a elogios como "pessoa extraordinária, preocupada com os amigos".
Valeu até pelo "bela sem senão"... embora eu tivesse preferido "belo sem senão". Mas não vamos mudar um ditado português por causa de um brasileiro, não é?! Rsss.
A partir de hoje, por teu mérito, está dobrada a tua "não remuneração"! Rssss.

Ricardo disse...

Pessoal:
Mas falar do Heidegger, que originou o post, ninguém falou! Rsss.
Afinal, o que acharam da posição dele?
O compadre Mundy pode até falar do que já leu no livro do Jean-Louis Cianni.