segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Dispondo de pouco tempo...

Já que, neste momento, o tempo está curtinho, quero apenas registrar um "palavrório" futebolístico.
Não é que meu Fluzão conseguiu, no finalzinho do campeonato brasileiro, dar uma leve respirada em relação à zona de rebaixamento. Se a coisa continuar assim, escaparemos da "degola".
Quem sabe os "deuses do futebol" ainda não levem em consideração o esforço hercúleo do Fluzão e permitam que ele receba como prêmio o Campeonato Sulamericano?
Ah... e o Flamengo está chegando ao hexa, hein! Quem diria?!
Esgotado o "palavrório", volto aos assuntos "normais"! Rsss.

O fermento do blog voltou a funcionar?

Apesar da falta de certeza se esse fermento que coloquei no blog está ativo, visto que já havíamos chegado a desfrutar da amizade de 22 amigos e depois "encolhemos" para 21, fico satisfeito em ver que momentaneamente somos 23 amigos dos amigos de Spinoza.
Às duas novas amigas, minhas boas vindas. Espero que o espaço e os outros amigos possam ser agradáveis a vocês. E... expressem suas opiniões à vontade.

sábado, 28 de novembro de 2009

"O curso das ideias" (2)

Achei o livro "O curso das ideias - História do pensamento político no mundo e no Brasil", de Roberto Saturnino Braga, fantástico!!!
Já havia listado algumas informações sobre ele no último post. Mas eram mais sobre a estrutura do livro. Agora, com o livro lido, o conteúdo já pode ser avaliado.
Aliás, antes de falar especificamente do conteúdo, uma observação altamente relevante sobre a "forma". O livro passa incólume a uma revisão de Português. Um dos raríssimos livros que li que contém esse atributo. Nesse quesito, recomendaria apenas o destaque dos títulos das obras citadas (em itálico ou entre aspas).
Mas, voltando ao conteúdo...
Antes de comentar o "mar" de aspectos positivos do livro, uma pequena crítica (uma "gota", comparada ao tanto de qualidades do livro).
Primeiro, sobre a "vontade geral" em Rousseau. Saturnino enfatiza que ela equivale à "vontade da maioria" ou à "vontade do povo". Particularmente, discordo do autor. Um dos conceitos mais interessantes em Rousseau é justamente esse da "vontade geral", que corresponde a uma vontade do corpo social como um todo. Nesse tipo de vontade, o que se procura é aquilo que aumenta a qualidade de "vida" da comunidade. A vontade individual é relegada a segundo plano. O ponto chave nesse conceito, entretanto, é que ele exige uma "consciência social" enooooorme, visto que, em determinados momentos, o indivíduo vai apoiar opções que vão diametralmente contra aquilo que deseja... tudo em nome da sociedade.
Quando Saturnino indica a total paridade entre os conceitos de "vontade geral" e "vontade da maioria" ou "do povo", ele parece esquecer que a tal "vontade da maioria" só realiza o "egoísmo" num grau de generalidade maior. É difícil concordar que o "povo" terá consciência suficiente para escolher o que lhe prejudica, a fim de aumentar a "saúde" do "tecido social".
Segundo, sobre a visão da democracia no mundo. Saturnino pensa que a democracia está "consolidada em definitivo". Mesmo reconhecendo que, de um modo geral, a democracia se estabeleceu como melhor regime a ser adotado, não há como negar que há diversas tentativas de estabelecer regimes que, se não são autoritários, não são exatamente democráticos. Nós sul-americanos temos vários exemplos perto de nós, com Zelayas e Chavez que só trocam de nome e de país.
Antes de passar para as ideias políticas no Brasil, Saturnino propõe três soluções para a crise em que nosso mundo se "meteu". Lindas teses, mas que me parecem utópicas demais. Mas nem é isso que quero criticar. 
A sua primeira proposta diz respeito à redução da jornada de trabalho, de modo agudo, composta de quatro horas diárias. Segundo ele: "O volume de emprego mais que dobraria, a massa excluída cairia a quase desaparecer, e a disponibilidade de tempo dos trabalhadores para cuidar do seu desenvolvimento espiritual e cultural seria capaz de produzir, sim, um extraordinário salto qualitativo na evolução do espírito humano".
Saturnino, de que planeta você está falando? Ou, para não ser tão radical: de que cultura você está falando?
A tese da redução da jornada a níveis de quatro horas diários já me parece complicada demais, mas a de que os homens gastarão suas horas vagas para "desenvolvimento espiritual e cultural" me parece fantasiosa demais. Lembremos que ele está falando de uma massa global de pessoas. Aqui no Brasil, por exemplo, a grande maioria se preocuparia em ver mais novela, beber mais cerveja e aproveitar as baladas ou os pagodes por mais tempo. Eu não acredito que, com raras exceções, o mundo todo investisse mais em cultura que em um lazer "vazio".
Mas... ele já havia colocado, no começo do livro, que acredita numa evolução constante do homem, no sentido moral... enquanto eu só consigo vislumbrar uma evolução tecnológica, enquanto, moralmente, temos apenas "idas e vindas" em torno de um mesmo nível.
Espero que ele seja o certo e eu o errado!
Em breve falo de tudo o que o livro tem de bom... que é a maioria esmagadora de suas páginas.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

"O curso das ideias"

Suspendi momentaneamente a leitura de "Horror metafísico", do Kolakowski, para ler rapidamente o livro "O curso das ideias - História do pensamento político no mundo e no Brasil", de Roberto Saturnino Braga.
Apesar de só ter lido metade das poucas 105 páginas, já foi possível ter uma percepção clara da qualidade do livro. Embora seja engenheiro e economista, por formação, o autor lista bem todos os movimentos da análise filosófica da política ao longo da História do Ocidente. Importante registrar que o prefácio é de Afonso Arinos Filho.
Embora Saturnino indique, logo no início do livro, que o texto não tem "finalidade acadêmica", tratando-se de um "livro para leigos... - políticos, militantes e interessados na política", pouco depois, ele afirma categoricamente que "ideias políticas são parte da Filosofia". Ou seja, mesmo sem ter "finalidade acadêmica" e sendo apenas para "interessados na política", o livro tem que "enfrentar" a Filosofia. E, pessoalmente, acho que conseguiu fazê-lo com muita qualidade.
A análise começa lá na Grécia de Sócrates, Platão e Aristóteles; passa pela República Romana; Idade Média; Renascimento - onde dá uma parada estratégica no brilhante Maquiavel -; explica o momento de três revoluções importantes - a Revolução Gloriosa, a Revolução da Independência norte-americana e a Revolução Francesa -; chegando ao momento em que estou, que se refere ao surgimento do socialismo.
Interessante é perceber que, apesar de serem chamados de ingênuos, os socialistas utópicos, como Charles Fourier, Robert Owen, conde Saint-Simon e Joseph Proudhon, realmente tentaram empreender, em termos práticos, um movimento de melhor distribuição de riquezas. De um modo geral, por motivos diferentes, acabaram colhendo insucessos.
Com um aparelhamento teórico mais bem estruturado - oriundo da filosofia hegeliana -, Marx consegue levar à frente suas ideias, que culminaram na Revolução Russa de 1917...
Depois que eu ler mais, conto mais.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Aniversário do Blog

Li, por esses dias, um post do blog do nosso amigo Sérgio M., o excelente "Histórico-Filosóficas", no qual estava registrado o seu segundo aniversário. Só hoje me dei conta de que o "Spinoza e amigos", aqui no Blogspot, também apagou velinhas de 1 ano no dia 19 de novembro.
Parabéns para o blog, então!
Entretanto, há que se registrar, para os mais novos amigos, que este blog deu continuidade a outro de mesmo nome, que funcionava no "Globolog". Este outro "Spinoza e amigos", que acabou tendo, em seu final, alguns posts comuns com  esse aqui, já estaria comemorando mais de dois anos, visto que foi posto no ar em 26 de julho de 2007.
Parabéns dobrados, então! E, aos amigos que acompanham o espaço, meu muito obrigado pela paciência e carinho com este que escreve.

Ainda sobre o DVD do Gramsci

Mais dois registros sobre a filosofia gramsciana, retiradas do DVD que citei no post anterior.
"A educação deve elevar as pessoas do senso comum ao bom senso. O bom senso é a capacidade de entendimento da realidade, do conhecimento dos requisitos da ação... de modo que esta seja esclarecida pela consciência filosófica. A educação é o processo de elevação do senso comum para a consciência filosófica, para que a prática não seja condicionada... como ocorre no caso dos demais seres vivos, cujas ações não são produzidas por significações intelectualmente elaboradas. Cabe à educação suscitar o bom senso, o exercício da reflexão crítica" e
"O papel da escola é explicitar [para tomarmos consciência] a ideologia e construirmos uma contraideologia".
Só lembrando que a "ideologia", para Gramsci, é "um conjunto de conceitos e valores, um conjunto de representações de uma sociedade histórica que é compartilhado espontaneamente no âmbito do senso comum e que, muitas vezes, é inconsciente".

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

"Filósofos e a Educação"

Esse é o título de uma boa coleção de DVDs lançada numa parceria entre a Editora Paulus e a Atta Mídia e Educação.
Na capa do DVD está escrito: "O que os filósofos têm a dizer aos educadores? Muito. A começar por ajudar na compreensão dos papéis do professor e no desenvolvimento dos alunos, focalizando os limites e as potências de sua atuação, além de analisar o que fazer para melhorar suas práticas educacionais e pedagógicas. Esta coleção traz um dos filósofos e educadores mais reconhecidos do Brasil, Antônio Joaquim Severino, doutor em Filosofia pela PUC e professor da USP, falando das inestimáveis contribuições à educação de pensadores como Sócrates, Aristóteles, Platão, Kant, Nietzsche e Gramsci".
Parece-me que essa coleção começou com os filósofos acima citados e foi se estendendo um pouco, pois já conta com vídeos sobre Agostinho e Tomás de Aquino, Descartes, Rousseau e Marx.
Gostei muito do material e acho que ele pode servir muito bem numa sala de aula. Há uma breve introdução histórica sobre o pensador, que é logo "embutida" na exposição de seu pensamento. O professor Antônio Joaquim vai explicando os conceitos chave do pensador, enquanto aparecem imagens que remetem àquela explanação.
De ruim - para nós, que apreciamos a Filosofia - só a duração dos vídeos, que têm pouco menos de meia hora cada. Por outro lado, certamente é uma vantagem em sala de aula, para que a apresentação não se torne maçante.
Gostei muito do vídeo que apresenta as ideias de Gramsci. Registro aqui algumas poucas partes apresentadas.
"Ao mesmo tempo que a educação dissemina a ideologia, ela também tem a função de criticar essa ideologia [disseminando uma concepção de mundo contraideológica]";
"Para Gramsci, a escola deve ter um caráter unitário, não se separando em 'escolas técnicas' (mais práticas) e 'escolas teóricas'. A mesma escola tem que formar o aluno para participação total na sociedade, ou seja, para integrar a pessoa em todas as dimensões de nossa existência";
"Paulo Freire tem uma inspiração gramsciana quanto à educação ser necessariamente emancipatória"; e
"O professor não deve simplesmente passar a experiência dele, ele tem que ser um suscitador de experiências significativas".
Pelo pouco que foi dito, percebe-se em Gramsci uma forte consideração pela educação vivenciada pelo aluno, e não meramente exposta, como algo "morto" que é simplesmente revisitado, mas que não diria nada à existência do próprio aluno. Além disso, a ênfase numa educação que componha um mundo "total" para o aluno e não que fragmente esse mundo em saberes "pontuais". Essa, infelizmente, parece ser uma coisa mais difícil de realizar, em função de vivermos num mundo "técnico". Mas há que se buscar sempre um equilíbrio, que coloque um mundo "vivo" diante de nós, e não um "conceito" que não pode ser vivido visceralmente. Por último, mas não menos importante, a visão gramsciana de que a tradição - ou, a ideologia, na sua linguagem - tem que ser ensinada, mas ao mesmo tempo criticada... não para substituí-la por qualquer outra "coisa", mas para possibilitar sempre um alargamento do horizonte do mundo criado por ela. E, a partir disso, poder lançar-se à tarefa de construir algo que sempre valha mais a pena ser vivido.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Projeto de Lei Complementar nº 122

Recebi um e-mail de um amigo, solicitando minha participação numa enquete eletrônica no site do Senado, sobre o Projeto de Lei Complementar nº 122, que propõe que a homofobia seja considerada crime... como outras discriminações já o são.
Como, refletindo seriamente, não consigo ver diferença de valor entre pessoas seja por cor, seja por sexo, seja por opção sexual, participei da dita enquete, apoiando a aprovação da lei. Mas me espantei um pouco com o resultado parcial da pesquisa. Afinal, dos cerca de 200 mil participantes, mais da metade  não desejaria ver a tal lei aprovada.
É verdade que não conheço o conteúdo exato do projeto, que pode até criar uma "discriminação duplicada", quando se começa a "impor" ao grupo majoritário a aceitação do grupo minoritário; aceitação essa que não existe por algum motivo cultural. Essa convivência, penso, tem que ir aumentando naturalmente, começando com uma respeitosa assunção da realidade da existência do grupo minoritário - seja de que natureza for a "diferença" que os distingue -, até a percepção de que o valor de cada ser humano está em suas atitudes no que diz respeito ao "outro", e não a opções pessoais que não envolvem nenhum prejuízo ao tecido social.
Atentemos para o fato de que não se está falando simplesmente de concordar ou não com a opção sexual, mas de agir contra a integridade física ou moral de um outro ser humano que pensa diferente.
Não por coincidência, por esses dias, o jornal O Dia publicou um artigo do estilista Carlos Tufvesson sob o título "Só por que a Bíblia diz?". O texto começa assim: "Fica difícil entender por que toda vez que um projeto de lei para tutelar os direitos de uma minoria, no caso, os homossexuais, está para ser votado, começa uma grita orquestrada por líderes religiosos para que isso não seja visto pelo que é - um caso de direito civil e humano - e, sim, pela ótica religiosa".
O autor do texto prossegue comparando a situação em questão com a dos negros, e com a existência da Lei Caó, que protege estes últimos. E cita um dado que, se for verdadeiro, é preocupante demais: "No Brasil, um homossexual morre a cada três dias por crime de ódio!".
O supracitado autor propõe que "A Bíblia reflete os costumes da época em que foi escrita. Entre eles, por exemplo, a concordância com que um homem compre escravos, desde que de outro país (Levítico 25,44) e mesmo indica como castigo a pena de morte, tão condenada pela Igreja (Levítico 24,17)". E, por fim, diz: "Diante disso, cabe uma reflexão: devemos mudar a legislação para adaptar o Código Civil às leis da Sagrada Escritura? E, numa sociedade com tantas religiões, como no nosso país, como isso seria?".
Particularmente, eu ampliaria a questão para outros aspectos que estão pedindo uma solução mais "imparcial", como a dos estudos com células tronco, mas, como o post gira em torno do tal projeto de lei, limito-me a comentar o que escreveu Carlos Tuvfesson.
Spinoza, como iniciador da exegese bíblica, já indicava que os regramentos religiosos visavam preponderantemente à boa convivência dentro das comunidades. Sob este aspecto, o Antigo Testamento acerta, por exemplo, impedindo que se tomasse um concidadão como escravo - que se vá buscá-los na África, não é? E isso estaria justificado biblicamente. Mas não podemos deixar de constatar que o regramento social, tanto no nível da legislação, quanto no nível menos "formalmente" determinado, como é o caso da moral, é um constructo humano. Poucos pensadores, atualmente, concebem uma tábua de valores absolutos. Se os valores são "plásticos" - não meramente "relativos", entretanto -, moldáveis de acordo com o tempo e o espaço, não há um motivo real, a menos de uma "teimosia" desmedida - desconsiderando uma possível "má-fé" dissimulada - de, em constatando um fenômeno efetivo, encará-lo segundo o quadro social atual.
Mas, ainda que se mantenha um preconceito interior - o que também deve ser "tolerado" pela "minoria" em questão -, não se pode aceitar a violência física ou moral contra outro ser humano. 
Se atualmente se discutem as agressões contra os animais e a natureza, em geral - reflexões impensáveis na época do Antigo Testamento, com todas aquelas "ofertas" sacrificiais ao Senhor e a ideia de que a natureza, incluindo os animais, foi feita apenas para servir ao homem -, como não erradicar agressões a outros seres humanos?
Juízo, Brasil!

O aniversário mais importante

Procuro registrar os aniversários dos amigos do blog, mas hoje tenho que registrar o dia do nascimento de nosso mais ilustre "participante"... aquele que dá nome ao nosso espaço, o próprio Baruch Spinoza.
Mesmo não podendo desejar-lhe "muita felicidade" e "muitos anos de vida", dir-lhe-ia: "Desejo que seja cada vez melhor compreendido!".
E... felicidades para todos nós, amantes da Filosofia, que, de certa forma, eternizamos nosso querido luso-holandês neste mundo.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

"Guia politicamente incorreto da História"

A coluna do Ancelmo Góes noticiou que foi lançado pela editora portuguesa Leya o livro "Guia politicamente incorreto da História", do jornalista Leandro Narloch.
Alguns ilustres representantes da nossa História foram citados no livro... de maneira um tanto quanto "desconfortável".
Gilberto Freyre, indica o livro, "admirava a Ku Klux Klan" e Machado de Assis seria um "censor do Império".
Agora, um "soco no fígado", em tempos de comemoração do Dia da Consciência Negra, seria a revelação de que Zumbi teria... escravos?!?!
Em sendo verdade... espero, pelo menos para salvar a data, que eles fossem brancos!

Humor... com lógica

Gosto muito da coluna "Entreouvido por aí", publicada no jornal O Globo, aos domingos. São frases engraçadas e curiosas, escutadas nas ruas e enviadas para o jornal.
Li uma que, usando da lógica, é bastante engraçada, e que foi dita por uma moça fazendo hidroginástica num clube em Copacabana.
"Querida, dieta é uma ilusão. As baleias bebem só água, comem só peixe, fazem natação o dia todo e são gordas".
É... Tem fundamento! Rsss

sábado, 21 de novembro de 2009

Outro aniversário!

Já que eu registro o aniversário de todo mundo do blog - ou melhor, de todos que eu sei a data -, hoje, será a vez de me dar os parabéns. Afinal, ganho neste dia mais um ano de experiência de vida. E faço questão de agradecer pelos bons dias de convivência com os amigos do blog.
Muito obrigado, pessoal!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

"Epidemia do desencanto"

Esse é o título de um dos textos produzidos para o "Dossiê Depressão", da revista Cult do mês passado. O autor é Wilker Sousa.
O texto traz informações que me impressionaram. Apesar de minha assumida ignorância sobre o assunto, acho que algumas dessas informações podem completar o conhecimento dos amigos.
Inicialmente, o artigo informa que "estudos recentes da Organização Mundial da Saúde indicam que, em 2030, a depressão será a principal causa de incapacitação no trabalho, à frente, inclusive, do câncer e das doenças cardiovasculares. Atualmente, estima-se que 121 milhões de pessoas sofram da doença, ainda segundo a OMS".
A mim espanta saber que já há 121 milhões de pessoas no mundo portadoras dessa doença, considerada a "epidemia silenciosa do século XXI". Além disso, pensar que haverá um momento em que essa doença se tornará mais incapacitante, no aspecto laboral, que câncer e doenças cardiovasculares - que são tão temidas hoje em dia - é aterrador.
Perceba-se, também, que não se fala num mero "estado psicológico", mas efetivamente em uma "doença".
A matéria apresenta um histórico do "estudo dos desencantos e males da mente", indicando que seu início remonta à Antiguidade. Hipócrates, com sua Teoria dos Quatro Humores, indicava que o excesso de "bílis negra" no corpo causava um "quadro melancólico, cujos sintomas eram o medo e a tristeza". Somente muito mais tarde, sugeriu-se que a causa da melancolia não dizia respeito a uma substância, mas a fatores da natureza de cada homem, como amargura, solidão e tristeza. "No século XIX, o termo 'melancolia' perdeu força", diz a matéria. "A Psiquiatria passou a usar preferencialmente a palavra 'depressão' em substituição à 'melancolia'". O neorologista George Bard (1839-1883) cunhou o termo "neurastenia", que passou a ser considerada uma "doença da modernidade", que resultava das "condições extenuantes do crescente desenvolvimento industrial... Segundo ele, fatores sociais eram considerados fontes de adoecimento".
A revista demarca os dois campos em que se divide hoje a conceituação da doença, indicando dois representantes de ambos os pontos de vista. Num polo está Freud (1856-1939), com um "viés centrado, sobretudo, na fonte social do sofrimento", e, no outro, o "psicólogo e médico Pierre Janet (1859-1947), que enfatizava o aspecto orgânico e inato da depressão".
Portanto, hoje, temos a visão psicanalítica da depressão, como a defendida pela psicanalista Maria Sílvia Bolguese, com ênfase no sujeito, onde a reação depressiva teria que ser compreendida como reveladora de algo mais profundo, que seria um mal-estar do sujeito diante da vida, endossada pelo psicanalista Plínio Montagna, que diz: "De maneira geral, a psiquiatria puramente biológica trata o ser humano como se não tivesse subjetividade, uma história, um tecido de vivências que influenciam seu lugar no mundo"; contra a visão psiquiátrica, como a do psiquiatra Ricardo Moreno, de que "depressão é uma doença que tem como base uma disfunção química do cérebro", reforçada pelo professor Valentim Gentil, que diz: "Não adianta ficar procurando qual é a situação ambiental, a frustração, a perda... Devem existir perdas, fatores de estresse que precipitam, mas, uma vez precipitados, não vai ser tirar esses fatores precipitantes que vai resolver o problema".
Mesmo confessando minha ignorância específica no assunto, pelo que percebo, cada dia mais as neurociências vão desvendando as bases "fisiológicas" dos diversos distúrbios psicológicos. Diante desse fato, tomaria a posição psiquiátrica, não deixando de validar a ideia de que o "gatilho" que torna a doença "efetiva" provavelmente está na vivência subjetiva da indivíduo. Algo parecido com o que vemos em relação ao tabagismo ou ao alcoolismo, quando uma predisposição orgânica, se encontra as circunstâncias necessárias, acaba por se transformar em dependência. A comparação pode parecer simplória, afinal a doença em questão, a depressão, parece algo bem mais complexo, mas se trata apenas de uma analogia... com todas as limitações inerentes a qualquer analogia.
Outro dado que me surpreendeu foi o de que "em média oitenta pessoas por semana são submetidas à eletroconvulsoterapia - o popular 'eletrochoque' -, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo". Obviamente, não se trata mais daquele horror que constatamos nos filmes de cinema, hoje, "a corrente é reduzida e, para que haja a segurança na aplicação, é necessário que seja feita em um centro cirúrgico com a presença de um psiquiatra e de um anestesista". Segundo comenta Valentim Gentil, "as pessoas vêm de manhã para o Hospital das Clínicas, tomam anestesia, fazem eletroconvulsoterapia e voltam para casa após tomar café da manhã". Dito desta forma, fica bem mais "palatável".
Entretanto, um dos aspectos mais interessantes da reportagem me pareceu o seguinte parágrafo: "O uso crenscente e indevido de antidepressivos reflete, segundo o pisquiatra Luiz Alberto Hetem, vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), um sintoma da sociedade contemporânea: 'Está havendo em nossa sociedade uma medicalização do sofrimento. As pessoas não aceitam mais ficar tristes, ter dor, passar por momentos de angústia. Toma-se remédio para combater emoções normais'".
Esse é um diagnóstico que não se deve desprezar: toma-se remédio para combater emoções normais, como a tristeza. Ou seja, o ser humano está perdendo a capacidade de reagir, com sua fortaleza emocional, ao que o deixa triste, substituindo essa capacidade interna por um agente químico externo.
Parece que, além de exercícios físicos, estamos precisando de exercícios emocionais!

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Dia Mundial da Filosofia

É hoje! A data é móvel, e, nesse ano de 2009, cai no dia 19 de novembro.
Parabéns a todos os "amantes da sabedoria" do mundo!
Desejo que possamos aumentar a cada ano, exponencialmente, o número de pessoas que não se limitam a viver a vida, mas que se dispõem a refletir sobre ela - mas sem deixar de experimentá-la, obviamente.
E, se alguém não lembrar, hoje também é Dia da Bandeira, aqui no Brasilzão.
"Salve lindo pendão da esperança; salve símbolo augusto da paz..."!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O "anticristo da internet" (final) ou...

... ou "Uma autocrítica do blog".
Andrew Keen avança em sua avaliação sobre a profusão de opiniões individuais na rede, indicando que "a mídia mainstream é razoavelmente eficiente e, sem dúvida, mais eficiente que a nova mídia, em encontrar e polir talentos... Sempre existiram pessoas talentosas. Mas a maioria das pessoas não o é. Isso não significa que elas sejam más..., apenas... não têm nada de interessante a dizer. O desafio da mídia é encontrar as pessoas talentosas e lapidar seu talento, para poder torná-lo vendável... Nesse novo mundo, os que aparecerão serão os autopromotores, que com frequência veiculam ideias bastante banais".
Por último, o autor reconhece que sua ideia não é tão inovadora, dizendo: "Confesso que não é um argumento muito original. Já tinha sido desenvolvido pela Escola de Frankfurt. Porém, vivemos um momento em que essa discussão se tornou particularmente aguda. Nesse sentido, muitas vezes brinco dizendo que o meu livro é uma espécie de 'Adorno for dummies' ('Adorno para leigos')".
Conforme eu já tinha escrito no post anterior, a vantagem da chamada "Web 2.0" é dar "voz" a quem não conseguiria obtê-la através dos canais comerciais usuais. Entretanto, é claro que não se pode garantir a qualidade, nem a originalidade dessa "voz". Além disso, ainda temos o problema de um divulgador muito "simpático", mas sem conteúdo, concorrer com um criativo pensador, mas sem empatia com seu público, ou cujo alcance seja pequeno demais.
Logicamente, poderemos pensar num processo de "seleção natural" desses espaços midiáticos, onde pereceriam os menos "capazes" e sobreviveriam os outros. Mas, talvez, a chave da questão esteja justamente em que a maior "adequação" ao ambiente - da internet, neste caso - não se dê pela criatividade e qualidade do conteúdo, mas pelo maior "apelo midiático". Neste caso, estaríamos ganhando grandes autopromotores e marketeiros, mas poderíamos estar perdendo grandes talentos nas diversas áreas que se apresentam nesse mundo "virtual".
E a autocrítica deste blog? Vem agora!
Obviamente, não estou divulgando um conteúdo inovador. Provavelmente, estaria entre aqueles que não conseguiriam um espaço na mídia "ortodoxa".
Por outro lado, acho que acerto principalmente por trazer a este espaço, de modo resumido, pensamentos veiculados em diversos meios - jornais, revistas, livros, filmes, televisão -, disponibilizando-os e fazendo uma crítica do que foi absorvido.
O grupo que lê e comenta os posts se reúne aqui como se trocasse opiniões num encontro ao vivo, com a vantagem de não nos obrigarmos em termos espaciais e temporais determinados. E, penso, tem havido espaço para todos que têm interesse em registrar o que acham de cada assunto.
Portanto, mais do que um blog com ideias criativas e brilhantes, acho que o "Spinoza e amigos" faz jus ao seu nome, compondo um grupo de "bons amigos".
Obrigado aos bons amigos de Spinoza!

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O "anticristo da internet"

A revista Cult do mês passado publicou uma entrevista ótima com o polêmico Andrew Keen. Para quem ainda não ligou o nome à pessoa, Mr. Keen escreveu um livro em 2007 que agora foi publicado no Brasil, sob o título "O culto do amador", onde questiona violentamente o valor da chamada "Web 2.0" - conjunto de comunidades e serviços on-line que incentivam a participação dos usuários, como este blog, o YouTube, o Orkut, o Facebook, o Twitter.
Não se pode ignorar completamente o sujeito - ainda que não se concorde com suas opiniões -; afinal, ele é graduado em História pela London University e pós-graduado em Ciência Política pela Universidade de Berkeley.
O título desse post é um epíteto que ele mesmo endossa.
Achei interessante registrar aqui algumas de suas ideias, visto que parte delas encontra certos paralelos com um assunto que já debatemos aqui - com participações construtivas do nosso amigo Existenz -, que é a "ideologia embutida na mídia".
Uma das ideias centrais de Keen é a de que o fim da "ditadura de especialistas" poderá dar lugar, na era digital, à "tirania das massas".
Ao contrário dos que acham que as ferramentas da net podem revolucionar apenas positivamente o mundo, dando voz àqueles que normalmente não a teriam, Andrew diz não achar que esteja ocorrendo um "poder das massas" e lembra um conceito muito interessante de Aristóteles, o da "oclocracia". Para quem não lembra, o Estagirita identificava, entre as corruptelas dos diversos modos de exercício do poder, a "oclocracia" como aquela que adviria da "democracia". Só que, em vez de ser exercido pelo "povo" - noção que, na época, incluía apenas a minoria da população -, o poder, na oclocracia, era exercido pela "massa acrítica".
Mais do que isso, Andrew Keen ainda adverte que "por trás dessa oclocracia digital que vivemos, existem novos oligarcas, indivíduos com imenso poder". Ele cita um exemplo interessante: "O ator Stephen Fry 'twitou' uma opinião favorável sobre um livro e esse foi, de imediato, para a lista dos mais vendidos no New York Times". Ele faz questão de ressaltar que não está dizendo que Fry é mal intencionado, mas esse fato sinaliza a possibilidade de manipulação por alguém que o fosse, e que tivesse tantos "seguidores" quanto o ator.
Outro aspecto interessante é a preocupação de Keen com "as crianças que obtêm informações na Wikipedia". Ele toca num ponto que temos discutido aqui, quando diz "todo texto tem o seu viés, o que não significa que seja necessariamente corrupto. O desafio para as crianças é entender isso, em vez de apenas ler esse texto [da Wikipedia] como mera verdade". Sua opinião é que "os professores deveriam focar seus esforços em ensinar as crianças a enxergar o que está por trás desse tipo de texto... que, ainda que apareça no blog mais obscuro, ganha aspecto de verdade".
Ainda sobre a Wikipedia, ele opina: "O maior problema não é o fato de ela conter equívocos, e, sim, o de não haver ninguém que avalie os artigos e assuma a responsabilidade por eles". Em seguida, ele dá um exemplo realmente alarmante: "Eu sempre gosto de lembrar que o verbete da Pamela Anderson, na Wikipedia, é maior e mais meticulosamente elaborado do que o da Joana D'Arc, ou o da Hannah Arendt". Ufa... essa pegou no fígado da Wikipedia!!!
Andrew Keen faz uma comparação que vale a pena acompanhar, entre as ferramentas "néticas" e determinados jornais, embora possa haver algum exageros: "... de fato, não existe 'a verdade'... toda informação vem acompanhada de alguma bagagem cultural... o importante sobre jornais como o Guardian e até talvez o New York Times e o Wall Street Journal é que seu posicionamento é bastante claro e assumido. Não há ambiguidade, não há anonimato. Os autores assumem a responsabilidade por aquilo que escrevem. Esse posicionamento pode não estar estampado na primeira página, mas as pessoas que leem esses jornais sabem o que esperar. Sabem que eles defendem determinadas tendências políticas, econômicas, estéticas e isso não se traduz, de maneira alguma, num defeito. Ao contrário, penso que, quanto mais transparentes forem essas tendências, quanto mais esse posicionamento for assumido e declarado, melhor será o jornal".
Também neste ponto, ele coloca um exemplo a ser considerado: "Como você se informaria sobre o que está acontecendo no Oriente Médio, se quisesse realmente compreender a situação? A única forma de fazê-lo é ler as várias opiniões contrárias... anti-Israel e pró-Palestina..., pró-Israel... e de posicionamento mais equilibrado". E continua numa linha interessante, destacando a atividade, mesmo no ato de receber a informação: "Se ele [o leitor] quiser entender o mundo para se tornar alguém mais informado e, como consequência, um melhor cidadão e um melhor eleitor, ele tem de se esforçar, tem de trabalhar para isso, tem de estar disposto a ler opiniões diferentes e refletir sobre elas com um mínimo de ceticismo".
Penso que selecionamos os veículos que são mais alinhados com os nossos posicionamentos ideológicos ou, pelo menos, que julgamos ter uma isenção maior. Realmente, saber quem veiculou determinada notícia já nos permite fazer uma certa crítica sobre o ideário que está "oculto" naquela interpretação. Nesse quesito, a "Web 2.0" perde um pouco, pois ao mesmo tempo em que conhecemos, por exemplo, um Paulo Ghiraldelli Jr. e o acompanhamos na rede, não conhecemos o "João das Coves", que posta num blog criado com não sei qual finalidade, mas julgamos inicialmente que ele seja tão bem intencionado quanto nós, que temos os nossos blogs.
Fecho esse assunto amanhã.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Qual a lição da saia da Geyse?

A pergunta que dá título ao post é feita pelo Jornal do Brasil, em relação ao episódio do microvestido usado pela aluna Geyse Arruda, que deu origem a uma verdadeira perseguição por outros alunos dentro das instalações da universidade Uniban.
Essa estória ainda me parece estar mal contada nas suas origens. Uma aluna de microvestido aqui no Rio seria perseguida por garotos que quisessem "pesquisar" o pouco que permaneceu oculto... mesmo assim, nos colégios primário e secundário, com aquela galera de pré-adolescentes e adolescentes. Numa universidade, o mais provável é que os convites para um choppinho "pós horário letivo" abundassem - sem qualquer referência ao ainda escondido pelo pouco pano da peça.
Mas na Uniban, moços e moças foram perseguindo a aluna, xingando-a, até acuá-la em uma sala de aula, de onde só saiu com escolta policial e "coberta" por um jaleco.
A manutenção da dignidade e do respeito dentro de instituições escolares parece que já inexiste há algum tempo. Neste episódio, concorreu a falta de sensibilidade da moça em usar uma roupa excessivamente provocativa, mas a absurda reação dos outros alunos é que beirou o imponderável. Se o fato já incomodava muito havia algum tempo, por que a instituição não "sugeriu" à moça um guarda-roupa mais adequado? Caso a coisa estivesse "saindo do controle", melhor seria indicar que, para evitar "futuros constrangimentos", melhor seria a moça transferir-se para outra instituição. Isso, no caso de realmente estar ocorrendo algum desconforto em relação ao vestuário da aluna.
A justificativa dos companheiros de escola de que Geyse parecia uma prostituta não ajudam em nada. Afinal, prostitutas - até onde eu sei - também têm direito de cursar uma universidade, desde que se adequem às exigências da instituição em que frequentam seus cursos.
De qualquer forma, queria deixar registrada um trecho da resposta dada pela deputada federal Maria do Rosário, que é professora e presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara:
"Embora este ainda seja um caso inconcluso, ele já suscita lições... Afinal, que educação estamos legando para nossos filhos, se um simples vestido curto é capaz de provocar os instintos mais primitivos em centenas de jovens - algo similar com os apedrejamentos medievais - e uma reação obscura do conselho universitário que se posiciona pela condenação da vítima? ...  Dentro de uma universidade que funciona acoplada a um shopping - onde academias de ginástica e lojas de lingerie se misturam a lanchonetes e lan houses - alguém querer supor que possa haver uma forma adequada de se vestir é a maior das imposturas".
Sem me considerar um sujeito excessivamente puritano, mas sem ser afeito, também, aos "excessos", acho que esse caso dá o que pensar em relação à superexposição e ao respeito ao ambiente e às pessoas com os quais lidamos. Regras mais "claras" e dois "pingos" a mais de bom senso, talvez, tenham feito um pouco de falta nesse caso.
Agora, uma coisa é fato: a moça anda obtendo bem mais que quinze minutos de fama!

Xiiii.... o blog "encolheu"!

Puxa, eu estava tão feliz com a qualidade do fermento usado no blog, que crescia dia a dia. Entretanto, para minha surpresa, o blog deu um passo atrás... e ficamos sem a última amiga a entrar, a Rita.
Pena, mas... continuemos a cozinhar o "blolo", quer dizer, continuemos a construir o blog. Rsss.
Abraços aos amigos que permanecem!

Quadros de Carybé

Como vi... e gostei, resolvi postar. Um pouco de "exercício estético"! O autor é o argentino, com espírito baiano, Héctor Carybé (1911-1997).










domingo, 15 de novembro de 2009

"Sobre Spinoza", em "Horror Metafísico"

AVISO AOS "NAVEGANTES": O post abaixo é uma reprodução do trecho "Sobre Spinoza", do livro "Horror Metafísico", de Leszek Kolakowski. Ele interessa mais àqueles que apreciam a Metafísica spinozana, principalmente no que concerne à visão de Deus.

"Que o indivisível Todo - ou o Absoluto - está 'dentro' de coisas específicas, e consequentemente em cada um de nós, é um dogma que aparece, constantemente expresso nas obras de aproximadamente todos os platônicos, incluindo Plotino, Proclo, Damáscio, Eckhart e Nicolau de Cusa, entretanto, deve ter sido difícil e embaraçoso tornar esta ideia compatível com a noção do Único autocontido. Detectamos isto em Spinoza, que teve de lutar contra problemas pavorosos e quase intratáveis quando tentou expressar este ponto de vista em seu idioma basicamente cartesiano, desenvolvido para um propósito completamente diferente. Enquanto negando que o esse da substância pertence à essência humana (Ética, II, Prop. 10 e escólio), ele afirma que coisas específicas, isto é, 'modificações' ou 'afecções' de Deus, O 'expressam' (I,25, corolário). O corpo e sua ideia são a mesma coisa, vistas diferentemente, como, observa ele, alguns judeus vagamente assumiram, ao dizer que Deus, o intelecto de Deus e as coisas que cercam Seu intelecto são a mesma coisa. Ele ainda afirma que a mente humana faz parte do infinito intelecto de Deus (II, 11, corolário), mesmo que Deus, sendo indivisível, obviamente não possua partes (I,13), e que o eterno amor intelectual de Deus, do qual somos capazes, seja parte do infinito autoamor de Deus (V,26). Que todas as coisas estão 'dentro' de Deus é, para ele, tão axiomaticamente correto e que Deus não pode estar 'dentro' das coisas não é menos óbvio, pois, neste caso, 'dentro' refere-se à absoluta dependência. E então, sem ser capaz de falar sobre a presença de Deus 'dentro' de nós, ele vê seres humanos - e todos os seres, para esta questão - como modificações ou afecções de Deus, apesar do fato de que a substância, sendo impassível, imutável e indivisível, não pode ser 'modificada' ou 'afetada' no sentido de ser mudada por ações de indivíduos finitos. As contradições aparentes são solúveis, contudo, na suposição de que, em cada coisa específica, Deus está na verdade 'modificado' [Nota minha: talvez, aqui, seja 'modificando-se'] ou expressando-se. Em outras palavras, Spinoza parece repetir, num dialeto mais moderno, a mesma intuição que Eckhart explicou ao falar sobre o vislumbre de divindades dentro de nós ou sobre o nascimento de Deus na alma e que De Cusa tentou desvendar nomeando o mundo explicatio (no sentido de desdobrar-se) de Deus e Deus complicatio do mundo (enrolando, descortinando). Deus é como um ponto numa linha: presente em todo lugar, nunca dividido, sempre único. Atma é Brahma.
Diferente de antigos platônicos, o pseudocartesianismo de Amsterdã ('pseudo' porque não foi retido nenhum traço do Cogito ou da 'subjetividade' em sua teologia) não considerava o absoluto inefável. Parecia satisfazer-se com as riquezas de sua língua. A crítica empirista e racionalista rapidamente simplificou seu monumento laboriosamente construído de método 'geométrico'. O trem da modernidade estava fatalmente indo na direção do mesmo abismo de um Vazio duplo: o Uno e o Cogito foram convertidos, passo a passo, em nihilum. Certamente, nunca desapareceram completamente. A metafísica - no sentido de busca a um Ser arraigado em si próprio - sobreviveu, deslocando-se para um tipo de demi-monde da vida filosófica. Sua linguagem não tem sido amplamente legalizada".

Pode-se perceber claramente como Kolakowski associa o pensamento spinozano ao dos neoplatônicos. Entretanto, é curioso isso ocorrer, visto que o próprio polonês indica que, para Spinoza, o Absoluto não era inefável. É como se algumas semelhanças - embora realmente existentes - pudessem eliminar uma série de diferenças.
Apesar deste texto interessar mais aos spinozanos que dão destaque ao aspecto metafísico da Ética, há diversos pontos, no livro, em que Kolakowski analisa o Absoluto/Deus, levantando questões que interessam a todos.

sábado, 14 de novembro de 2009

"Apartheid social"

Eu nunca tinha lido a expressão "apartheid social", mas achei o conceito bastante interessante.
A matéria "O resgate da dignidade", publicada no "Le Monde Diplomatique Brasil", de autoria de Silvio Caccia Bava, diz que "o Brasil é o país do apartheid social".
Conforme eu já havia escrito no post sobre a entrevista com Mário Sérgio Cortella, muito mais do que "racismo", no Brasil, tem-se uma discriminação pela condição social. É essa discriminação que tem que ser combatida, fomentando-se políticas positivas de inclusão dessas pessoas, que são relegadas usualmente a "humanos de segunda classe". Foi por esse motivo que eu defendi, naquele post, "quotas" para pessoas de menor capacidade econômica, e não quotas para afrodescendentes.
Entretanto, este post que escrevo, sobre o artigo publicado, é para destacar alguns dados sobre a desigualdade econômica no Brasil.
O primeiro dado diz respeito à distribuição de renda. Ela é tão absurdamente mal feita que apenas 10% da população fica com 75% da riqueza nacional.
Dito isto, o texto comenta a falta de políticas públicas que visem diminuir esse quadro, em vez de apenas disfarçá-lo temporariamente. Selecionei trechos que achei mais interessantes.
"As boas notícias em termos de combate à pobreza e redução da desigualdade... só existem em razão das políticas públicas de transferência de renda. Sem elas, as tendências estruturais de concentração de riqueza e renda se revelariam em toda sua perversidade...
No receituário neoliberal, o assistencialismo ocupa um papel importante. Ele suaviza os impactos sociais do modelo, permitindo que se acentuem os processos de produção de desigualdade...
Os sete anos do governo Lula não operaram reformas estruturais redistributivas... Mas conseguiram construir programas que transferem cerca de 0,5% do PIB para os mais pobres. É nada se comparado com a transferência de renda que as taxas de juros operam em favor dos mais ricos, algo em torno de 6 a 8% do PIB ao ano".
Considero este último parágrafo bastante relevante. Muitos dizem: "Não se deve dar o peixe, mas ensinar a pescar!". Mas é certo que só se pode ensinar a pescar a quem está vivo, e com forças suficientes para encarar o desafio. Portanto, acho que, em situações agudas, é necessário, sim, dar o peixe, para que se possa, depois, ensinar a pescar. Ou seja, não se pode descuidar de quem está em situação de "miséria" - não falo nem mais em "pobreza". Mas, também não se pode parar o processo na entrega do peixe. Há, sim, que se pensar em modificações estruturais, que permitam ao homem em questão aprender a pescar. Os programas "Bolsa isso" e "Bolsa aquilo" não deixam de ser importantes, mas, por si só, não resolverão problema algum, pois não realizam essa modificação estrutural.
Entretanto, não se pode deixar de constatar a "inteligência política" do grupo que chegou ao governo com a eleição de Lula, ao ler a conclusão do texto em questão. Ele diz: "Desde o grande empresário e banqueiro até o brasileiro mais pobre, estão todos satisfeitos, cada qual mirando suas expectativas".
Aliás, essa afirmação me consola um pouco sobre o fato de eu pertencer à minoria de 15% que não aprova o governo Lula, segundo as pesquisas mais recentes. Se "estão todos satisfeitos", eu é que estou errado mesmo... e ponto final!

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Para que Gramsci?

Nós, altivos sulamericanos, podemos dispensar totalmente o italiano Antoni Gramsci, afinal temos um dos maiores representantes teóricos do ideário neossocialista... bem aqui ao lado do nosso Brasilzão.
Nem preciso dizer que se trata da figura do intelectual que se retira para os altos cumes das montanhas do saber e que, de vez em quando, desce à terra da plebe ignara - na qual, obviamente, eu me incluo - para proferir ensinamentos sobre a "Revolução Bolivariana".
Isso mesmo, falamos do magnânimo Hugo Chavez (nem sei se deveria escrever "Chaves", lembrando aquela personagem que é um menino mexicano meio "matusquela". Não, não! Seria ofender muito o menino. Rssss), presidente da incrível Venezuela - maior produtora de Misses Universo... do Universo.
Deixando a brincadeira de lado...
Não tenho muita leitura gramsciana, mas não há como deixar de simpatizar com a figura humana de Antonio Gramsci.
A revista Cult desse mês traz o "Dossiê Antonio Gramsci". Como é costume da revista, vários autores escrevem textos referentes ao "objeto" do dossiê.
Pessoalmente, gostei mais de "Por um novo marxismo", de Linclon Secco, e da entrevista com Carlos Nelson Coutinho.
É necessário não perder de vista que Gramsci é um marxista crítico, mas é um marxista. Entretanto, deve causar arrepios nos marxistas ortodoxos quando escreve, por exemplo: "Os bolchevistas desmentem Karl Marx", indicando que "O Capital, na Rússia, é o livro dos burgueses".
O primeiro texto destaca um ponto crucial em que seu pensamento se aparta da "Filosofia da Práxis" anterior: a relação entre estrutura e superestrutura.
Gramsci se opõe ao pensamento "de sistema" do dirigente bolchevique russo Nikolai Bukharin, quando este "considera que a técnica determina o desenvolvimento histórico, ou seja, ele identifica a técnica com o conceito de forças produtivas materiais de Marx, estabelecendo uma relação mecânica com a superestrutura política, artística e cultural". Para o marxista italiano, "o problema era encontrar o grau de liberdade dos sujeitos políticos na história".
Gramsci não concorda com a crítica do idealista italiano Benedetto Croce de que Marx teria simplesmente colocado a "Economia" no lugar do "Espírito", de Hegel, e com isso teria produzido outro tipo de idealismo. Entretanto, superando tanto o materialismo quanto o idealismo, Gramsci sugere que, como não há economia sem sociedade - nem vice-versa -, base e superestrutura são conceitos relacionais.
Ele indica que "a separação operada por Marx é metodológica e não empírica". Portanto, "só aparentemente a economia se torna uma causa metafísica, um Deus desconhecido que opera a história".
O primeiro texto termina dizendo "Concretamente, o que encontramos é o bloco histórico, a junção de base e superestrutura produzidas simultaneamente pela ação humana".
Penso que o "exagero" marxista é investir as relações de produção, que aparecem como necessárias e independentes da vontade do homem, de uma força impossível de ser contrariada.
De minha parte, sempre coloco em questão se a "sociedade arrasta o homem, em suas ações, ou se são as ações do homem que arrastam a sociedade". Se, por um lado, o homem é formado em uma tradição; dela se vale para crescer e nela se move no quotidiano, por outro, é justamente essa mesma tradição que ele subverte e revoluciona a partir das suas ações individuais.
Portanto, considerar que o homem é um mero joguete nas mãos de um destino plenamente conduzido por forças externas - seja a Vontade schopenhauriana, seja o Absoluto hegeliano, sejam as relações econômicas marxistas - parece-me um certo exagero.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

"As necessidades desnecessárias", de Franklin Cunha

O blog "Filosofia é o limite!!!" ( http://filosofialimite.blogspot.com/ ), da nosso amiga Marise, reproduziu o ótimo texto "As necessidades desnecessárias", de Franklin Cunha, publicado no jornal Zero Hora.
O texto começa questionando historicamente as relações entre as carências naturais e as necessidades sociais do homem. Retomando um tema levantado aqui no blog - o "consumismo" -, o autor indica que "nada ilustra melhor... a relação mutável entre necessidades naturais do homem e suas carências sociais, levando-se em conta a maior produtividade de bens de consumo..." do que a "crescente 'imposição' de objetos supérfluos como necessidades sociais". Ele pensa que "o desenvolvimento da riqueza... consiste na multiplicidade de carências". Indica, também, que a "fusão entre o 'natural' e 'necessário'... tornou possível... propagar as necessidades desnecessárias".
Franklin Cunha critica o papel da mídia, sugerindo que "aí estão os prósperos meios de comunicação para nos convencer, por exemplo, de que todos os brasileiros são apaixonados pelos quatrocentos modelos de automóveis...".
Por último, questiona: "Até quando o caos viário, a atmosfera que respiramos (e os arautos do desenvolvimentismo) suportarão tais irracionalidades econômicas a nós impostas e interpretadas como necessidades vitais?".
Eu mudaria um pouco a pergunta: até quando nós suportaremos essa ação manipuladora?
Acho que o diagnóstico de Franklin Cunha - que, por sinal, é médico -, sobre os mecanismos de produção - para não dizer "invenção" - de "necessidades desnecessárias" é perfeito. O que não me parece correto, entretanto, é colocar a nós, consumidores, como agentes meramente passivos diante dessa dita "imposição". Há diversos grupos que já se insurgiram contra essa ideia do "quanto mais, melhor" e que pensam criticamente essa "'imposição' de objetos supérfluos como necessidades sociais". Temos, na verdade, é que aumentar essa massa crítica.

Gabriel Marcel

Há algum tempo venho "perseguindo" o livro "Journal Métaphysique", do Gabriel Marcel... e ele sempre me escapa entre os dedos.
Uma vez, pensei ter encontrado um exemplar em Português na "Estante Virtual"... mas depois ocorreu algum problema e o livro se "desmaterializou" - falar em "desmaterialização" num mundo virtual é possível?
Depois dessa desisti. Mas "esbarrei" com um exemplar, em francês, com um milhão de defeitos no corte das páginas. Comprei o pobrezinho, que nunca deve ter sido lido, por conta das páginas serem "xifópagas". Pior foi ter que realizar a cirurgia de "desconexão"... trabalho feito com esmero, após o café da manhã.
Pronto... agora tenho um exemplar do "Journal Métaphysique"!
Gabriel Marcel se divertiria hoje com um blog. Talvez a única diferença entre o que ele fez e esta moderna ferramenta é que Marcel não se propõe a escrever textos "fechados", mas sim anotações para serem posteriormente ampliadas e complementadas.
Meu amigo Existenz vai ficar de "olho gordo". Rsss.

Parabéns pra você...

Hoje é dia do aniversário da nossa amiga Flávia. Abro o blog, então, dando-lhe os parabéns e desejando que seu dia... aliás, que os 365 dias até o próximo aniversário sejam cheios de alegrias.
Feliz aniversário, Flávia!

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Ajuda dos spinozanos de plantão...

Já ouvi diversas vezes nosso querido Spinoza ser chamado de "o último dos escolásticos" - obviamente, por adversários do seu pensamento, que insistiam em ver no seu sistema uma "requentada" defesa racional da teologia e, especificamente de Deus, conforme a dos escolásticos.
Entretanto, é a primeira vez que me deparo com o rótulo - entre os tantos que aparecem - de "neoplatônico" para o luso-holandês. Eu até desprezaria essa "alcunha", não fosse ela dada por alguém que tem sua tese de doutoramento justamente sobre Spinoza... que é o nosso caro Leszek Kolakowski.
O título não é de todo infundado, visto que Kolakowski apela à semelhança entre a ideia spinozana de Substância e o Uno - entidade infinita, autoidêntica, produtora de toda a realidade - dos neoplatônicos.
Entretanto, ainda que partilhando de um monismo, eu acho que é carregar muito nas tintas chamar Spinoza de neoplatônico. O que acham? 

A vigésima segunda amiga dos amigos...

Abro o dia, hoje, comemorando a chegada de mais uma amiga no blog.
Seja bem vinda, Rita! Desejo que se sinta à vontade nesse nosso espaço e que desfrute de total liberdade para comentar os posts e os comentários que aparecem por aqui... mesmo que seja um comentário "off topic".
Quero registrar, aliás, que dei uma "espiada" no seu blog e o achei muitíssimo criativo. Parabéns!
Obrigado pela participação neste blog e contamos com sua criatividade por aqui também.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Jorge Luís Borges, a Filosofia e a fé

Nosso amigo Raph colocou no blog um poema de Jorge Luís Borges sobre Spinoza. Como eu já conhecia também um sobre Schopenhauer, destaquei o fato de que Borges era apreciador da Filosofia - ou pelo menos de alguns filósofos - no seu pensar poético.
Não devo estar tão longe da verdade, afinal há uma "trilogia", de autoria do escritor, jornalista e poeta Osvaldo Ferrari, referente a diálogos deste autor com Borges, na qual um dos títulos é "Sobre a Filosofia e outros diálogos".
Aliás, numa entrevista recente ao caderno Prosa & Verso, do jornal O Globo, Osvaldo Ferrari indica que o pai e um amigo de Borges "transmitiram-lhe a ideia de que o homem deve pensar. E Borges se obrigou a seguir esta linha toda a vida. A natureza de seu pensamento era literária, tinha uma maneira original e artística de ver o mundo".
Importante destacar como o pensamento não sufoca a sensibilidade, ao contrário do que muitos pensam. E Borges é uma prova incontestável disso.
Interessante aproveitar esta entrevista para destacar outro aspecto de Borges: a fé - ou a falta dela.
Osvaldo Ferrari diz que Borges - curiosamente, no meu ponto de vista - "tinha uma visão desencantada da realidade" e acredita que "essa é a chave para sua recusa da fé".
Talvez, os poemas sobre Spinoza e Schopenhauer possam ter a ver com uma certa desconstrução, por parte destes pensadores, de um Deus antropomórfico e com uma possibilidade de leitura religiosa "orientalista" de ambos. Afinal, informa-nos Ferrari que Borges "dizia que para ele seria mais fácil aderir a uma religião como o budismo, no qual as coisas se apresentam não tão antropomorficamente como no cristianismo e com menos dogmas". E prossegue avaliando o "pensar religioso" de Borges, dizendo "Creio que o extraordinário mecanismo lógico de Borges fazia com que não pudesse crer. Como assim, o filho de Deus veio passar férias de 33 anos na Terra? E o que dizer da Santíssima Trindade? Borges raciocinava logicamente, e a fé está além da lógica".
Eu não diria que a "fé está além da lógica". Afinal, a "fé" se vale constantemente das explicações racionais para afirmar suas doutrinas. A crítica que me parece mais pertinente é que "a fé abre mão da lógica, quando esta não mais lhe interessa, ou quando esta lhe opõe embaraços". E isso me parece um comportamento por demais manipulador.
Curioso, também, é quando se diz que a luz sobrenatural - que só surge pela graça - ilumina os recantos que a luz natural não alcança. E aí vem a interessantíssima análise do grande lógico Pedro Abelardo - aquele mesmo da Heloísa -, no seu "Sim e Não", quando põe frente à frente posições doutrinárias absolutamente contrárias, mas que, em tese, foram produto da mesma iluminação sobrenatural.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Mais um do Kolakowski

Passeando pelos sebos (ou "alfarrabistas", para a nossa amiga d'além-mar), descobri que o filósofo Leszek Kolakowski já tivera um de seus livros publicados por aqui. Trata-se de "Horror metafísico", originalmente de 1988, e publicado aqui no Brasil em 1990, pela Editora Papirus.
O livro é composto por vários pequenos artigos. Embora não fique claro se há um "projeto" envolvendo o livro, ou seja, um encadeamento necessário e progressivo dos artigos, há, sim, pequenos núcleos temáticos.
Alguns artigos versam sobre filósofos específicos... entre eles, está o nosso querido Spinoza. Como o texto é pequeno, depois ele será transcrito por mim aqui no blog.
Por ora, alguns pequenos e provocativos trechos:
"Por bem mais de cem anos, uma grande parte da filosofia acadêmica tem se dedicado a explicar que a filosofia é impossível, inútil ou ambas as coisas. Consequentemente, a filosofia prova que seguramente e felizmente pode sobreviver à sua própria morte, mantendo-se ocupada em provar que de fato morreu";
"Qualquer coisa que dissermos, mesmo que seja com sentido negativo, sobre conhecimento, implica um conhecimento que nos orgulhamos de termos descoberto; a frase 'só sei que nada sei', tomada literalmente é autocontraditória"; e
"Crenças científicas, filosóficas e religiosas não apreciam outro tipo de verdade. Regras vêm primeiro, a realidade depende delas". 
Não sei como um texto tão acessível e, ao mesmo tempo, tão capaz de engendrar um pensamento autônomo pode ficar sem edições mais recentes.

Um post para os mais recentes amigos

Caros amigos, já sobrevoei rapidamente seus blogs. Não posso deixar de registrar a satisfação em percebê-los tão cheios de conteúdo. Infelizmente, reconheço, ainda não pude "explorar" os respectivos espaços com a atenção que eles merecem - lendo as postagens mais antigas. Nos próximos dias, fá-lo-ei, e dexarei registrados comentários.
Novamente, agradeço a todos pela participação por aqui. 

Mais um amigo!!!

Não bastasse a surpresa de ter recebido neste espaço, há poucos dias, o vigésimo amigo dos amigos de Spinoza, hoje percebo que esse "philo-espaço" acolhe mais um amigo.
Seja bem vindo, caro Nonato Nogueira!
Ao lado das boas vindas, uma mensagem que sempre faço questão de colocar - e que, ainda bem, está se tornando relativamente corriqueira. Rsss - é que você se sinta totalmente à vontade para participar ativamente do blog.
Agradeço sua primeira visita e o ingresso no grupo de amigos dos amigos de Spinoza!

Peraí, Ipea!

Recente estudo do Ipea indicou que, entre 2003 e 2008, mais de onze milhões de pessoas ascederam da classe média à classe alta. Ótima notícia... não fosse um pequeno detalhe: o Ipea, instituto que promoveu a pesquisa, determinou que pertence à "classe alta" (aos "ricos") a família cuja renda per capita mensal é de R$ 465.
Ou seja, até uma empregada doméstica do Rio de Janeiro, onde o salário mínimo regional é de R$ 512,67, é rica!!!
A justificativa do representante do Ipea é que o Brasil é um país em que todos os salários são baixos. Portanto, basta ter uma renda familiar mensal per capita maior que um salário mínimo para ser considerado "rico".
Aliás, ele explica melhor a situação, dizendo que não se trata de nomear de "classe alta", mas de "família com renda alta", em oposição às "famílias de renda baixa" e "famílias de renda média"... Ah, tá!!!
E, para continuar o gracejo, o Ipea informou que sete milhões de pessoas deixaram de ser pobres, pois sua família (agora, "família de renda média") passou a ter renda per capita maior que R$ 188 por mês.
Senti-me quase um Onassis quando acabei de ler essa pesquisa!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Um livro para ser "degustado"

Ao contrário de alguns livros que servem para serem lidos, e mesmo de alguns que servem para serem estudados, "O mais potente dos afetos: Spinoza e Nietzsche" é um daqueles que merecem ser "degustados", como um bom vinho, lentamente.
A Apresentação, escrita por André Martins, já nos traz algumas informações interessantes. Por exemplo, a de que o primeiro estudo comparativo entre Spinoza e Nietzsche foi publicado apenas cinco anos após a morte do "bigodudo" alemão.
Outro ponto destacado é que, apesar de Nietzsche, na carta a Franz Overbeck, de julho de 1881, demonstrar a descoberta recente da sua afinidade com Spinoza, já existiam referências positivas do primeiro sobre este último, pelo menos em três obras anteriores - "Humano, demasiado humano" (1878), "Miscelânea de opiniões e sentenças" (1879) e "Aurora" (1881).
Exigir constância nas posições de Nietzsche é algo impensável. Entretanto, o alemão não precisava ser tão "volúvel" assim... Afinal, já em 1882, Nietzsche muda radicalmente de opinião em relação ao nosso querido luso-holandês.
Entretanto, essa modificação só é abordada na Introdução. Aliás, essa peça de extrema qualidade é produzida pela professora Scarlett Marton - que dispensa qualquer apresentação! A digníssima representante da mais alta casta de interpretadores nietzscheanos surpreende - e deve aborrecer alguns apreciadores de Nietzsche -, quando detecta uma certa confusão, por parte do alemão, em relação a algo que diz respeito ao conceito spinozano do "conatus". A professora Marton diz textualmente: "Nietzsche interpreta-a [a ideia spinozana] de maneira equivocada...".
A própria história da evolução da opinião de Nietzsche em relação a Spinoza é muito bem explicada. Mas a professora Scarlett Marton vai ainda mais longe, questionando algumas opiniões do ótimo André Comte-Sponville e indica que, em alguns momentos, "Deleuze acaba por forçar as tintas" quando afirma que "Nietzsche e Spinoza são filósofos da imanência, da afirmação e da alegria".
A interpretadora, além de beber da fonte original dos textos de Nietzsche, não se perde no tempo, atualizando suas interpretações ao analisar, não só os já citados Sponville e Deleuze, mas também Yirmiyahu Yovel.
Depois eu conto mais... 

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Chegamos ao vigésimo amigo do blog

Pessoal, essa foi outra ótima surpresa... o vigésimo amigo dos amigos de Spinoza!
Seja bem vindo, Raph. Sempre faço questão de saudar os novos amigos e colocá-los à vontade para participar dos posts.
Muito obrigado pela visita, pela disposição de participar do blog e faço votos que efetivamente registre seus pensamentos por aqui.

Dois aniversários... num só dia!

Quero registrar o aniversário de dois amigos... que não leem o blog! Mas não é por falta de amizade, não!
O primeiro deles é o jovem Luiz Guilherme. Este não lê o blog porque... não sabe ler ainda. Por mais esperto que o menino seja, deixemo-lo aproveitar seu quarto aniversário sossegado, sem as pressões do abecedário!
Apesar do garotão não frequentar o blog, diretamente, os seus pais, compadre Mundy e comadre Shatila, estão por aqui como seus representantes. Para ele, através deles: Feliz aniversário, Luigui!!!
O segundo "não frequentante" é um grande amigo. Apesar de sempre presente na vida "out net", o meu irmão Renatão pertence ao período "engenheiral" da minha vida... e, até onde imagino, nem sonha que tenho um blog que pensa o mundo de uma maneira mais distante da técnica. Quem sabe eu falo do espaço, agora.
Para o Renato: Feliz aniversário, irmão!!!

Um pouco mais de "Simples filosofia"

Ao final da leitura de "Simples filosofia - a história da filosofia em 47 crônicas de jornal", de Pablo Capistrano, continuei com a impressão inicial de que a parte do título que se refere à História da Filosofia em poucas 47 crônicas seria um projeto ambicioso demais. Entretanto, se Capistrano não alcança o objetivo de contar a "História da Filosofia", consegue, sim, contar boas "estórias da Filosofia".
E, com essas estórias, o autor obtém um ótimo resultado.
Algumas informações, ainda que não tão importantes do ponto de vista estritamente filosófico, chamam atenção daqueles que se interessam por mais um pouco de conhecimento. Por exemplo, lembrar que a "República", de Platão, não poderia se chamar "Res publica", do latim, mas que tinha como título "Orthé Politeia", que em grego significa algo como "Governo Correto". Outra, sobre os oooooonze filhos de Hegel!!! Sinceramente, eu nunca tinha lido isso. Prometo acionar minha "rede de informantes" a fim de descobrir a veracidade dessa informação. Mas, em sendo verdade, o homem fazia mais coisas bem do que meramente filosofar, hein!
Outras são filosoficamente bastante interessantes, como, por exemplo, a seguinte: "Quando Sartre dizia coisas como: 'O homem é um ser condenado à liberdade' ou 'A existência precede à essência', ele estava usando a ideia de Pico della Mirandola de que o homem é um ser 'ontologicamente indefinido' e dizendo que isso era uma ideia de Heidegger... Pico, no século XV, retomando uma tradição judaica, dizia que o homem havia sido criado na sexta-feira, no fim da tarde, na hora do acendimento das velas do Sabat... Na interpretação de Pico, Deus já havia encerrado o expediente de trabalho... tudo já estava concluído... Mas Deus percebeu... que faltava um ser que pudesse contemplar e admirar a Sua obra. Entretanto, como tudo estava pronto e a natureza já estava completa, Ele não tinha onde pôr essa criatura. Não havia mais 'espaço ontológico' no mundo... Então, Deus usou uma estratégia: jogar o homem no mundo. Lançá-lo na criação sem um lugar fixo... Deixar que ele fosse livre para escolher ser o que quisesse... O homem não tinha natureza fixa... Essa é a natureza do grande assombro... que o bicho-homem traz consigo. A potencialidade de ser sublime ou miseravelmente hediondo".
Sobre Kant - sempre tratado na História ortodoxa da Filosofia como um exemplo de "racionalista"... embora tenha que se saber que tipo deles, como já falei em um post anterior -, Pablo diz "Kant foi um ... desconstrutor da velha arrogância humana que acreditava poder compreender tudo, ... atingir o âmago do mundo e absorver toda a verdade sobre os mistérios da natureza". E "ataca", ainda usando Kant para sua análise, a sociedade de consumo, dizendo "O objetivo principal de uma sociedade massificada de consumo desenfreado como a nossa é fazer com que você fique doido e consuma... A razão não dá lucro, porque a razão, no entender de Kant, nos liberta. Somos livres na medida em que compreendemos. Conseguimos nos afastar das sombras da ignorância e da superstição quando cultivamos a habilidade crítica de submeter nossos dogmas a uma reflexão sistemática... Mudamos nossos valores quando entendemos que eles são a consequência de imposições externas que não dizem respeito à nossa vontade. A minha liberdade depende disso e a minha humanidade depende dessa liberdade. Sou menos humano quando me transformo numa máquina de consumir porcarias e banalidades. Sou menos humano quando me emburreço diante de uma vitrine virtual de valores e ideias que eu não escolhi para mim".
Por último, uma ótima reflexão sobre o amor... e sua oposição à paixão - neste caso, tida como aquela "explosão" que caracteriza os primeiros encontros dos amantes. Pablo Capistrano escreve: "A paixão não é uma boa medida para o amor. Transformar a intensidade autodestrutiva da paixão numa base sólida para uma vida construída a dois é uma arte que poucos dominam com maestria e que anda esquecida esses dias... Saber transformar a paixão em amor é a chave da arte da convivência. O segredo dessa arte é nunca esquecer que os opostos sempre se distraem, e que apenas os dispostos verdadeiramente se atraem".
Boa essa, Capistrano!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Mais amigos dos amigos...

Quanta felicidade... mais amigos no blog! Sejam bem vindos, Sérgio e Laryssa!
Além de dar as boas vindas iniciais, e de esperar que gostem dos assuntos que vão surgindo por aqui, como sempre faço, coloco este espaço totalmente à disposição de vocês para participarem dos pequenos debates que surgem como resultado dos posts e dos comentários.
Muito obrigado por se tornarem mais amigos dos amigos de Spinoza.

Sobre Kierkegaard... rapidamente

Eu já havia registrado uma certa surpresa, num post anterior, em relação à quantidade de textos produzida pelo famoso dinamarquês.
Mas eu fiquei com "inveja" mesmo quando li, numa introdução ao seu livro "É preciso duvidar de tudo", a seguinte citação dele: "Nenhum dia sem uma linha"... e pensei "Esse sujeito seria um ótimo blogueiro!".
Vou tentar seguir a máxima do sujeito... obviamente sem a mesma competência, mas com a mesma vontade de realização. Rsss.
Aproveitando, então, o momento, registro que o blog já tem trezentos posts! Xiii... não fiz a estatística dos comentários. Fica para um próximo momento. Mas que é legal contabilizar esses números "redondos", isso é!

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Entrevista de Mário Sérgio Cortella

A última edição de "Filosofia - Conhecimento Prático" trouxe uma entrevista com o filósofo Mário Sérgio Cortella muito boa. Aliás, eu acompanho a revista desde que ela tinha outro nome e esse me parece ter sido um dos melhores números já publicados, no que se refere ao conteúdo.
Acho, inclusive, que alguns dos assuntos abordados podem servir ao nosso blog, tanto no que concerne à abertura de novos debates quanto à retomada de outros.
Por enquanto, gostaria apenas de abordar a entrevista de Cortella, feita por Sheyla Pereira.
A abertura da entrevista utiliza uma citação emblemática de nosso grande educador, Paulo Freire, que foi, aliás, orientador do mestrado de Mário Sérgio Cortella. Freire disse: "A educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda". Essa é para guardar na memória!
As perguntas e respostas da entrevista são muito boas, abordando diversos temas interessantes. Entretanto, eu gostaria de limitar o post à análise de umas poucas questões, como faço a seguir.
Primeiramente, um registro sobre a "divisão de tarefas", entre escola e pais, na educação das crianças. Cortella diz: "Outro dia, um pai de aluno me perguntou: 'Qual o senhor acha que deve ser o papel da família para colaborar com a educação dos nossos filhos na escola?'. Eu disse a ele, com todo o respeito, que havia um equívoco na formulação da questão, porque não cabe à família colaborar com a escola na educação, mas exatamente o contrário, é a escola que colabora; a família é responsável".
Realmente, essa inversão salta aos olhos. Os pais não querem mais "educar" os filhos - o que inclui, muitas vezes, entrar em conflito... um conflito necessário, para impor limites -, restringindo-se a "assistir" às tentativas da escola de fazê-lo. É certo que a escola também tem a missão de colaborar nesse trabalho, mas não deveria precisar ser o ator principal.
Num outro momento, a revista comenta a falta de ética tão presente na mídia e pergunta ao professor Cortella: "Como é possível ensinar o que é ética no mundo-cão que vivemos hoje?". O entrevistado responde: "A primeira coisa é recusar o mundo-cão. Recusar não significa não estar nele, mas recusar os valores que ele coloca. A família é essencial nessa postura e, de forma sequencial, a escola, a mídia e a igreja. Essas quatro instituições sociais têm uma presença enorme na vida das pessoas e também a tarefa de formção de valores que não se subordinem à ética da patifaria e da malandragem. Por outro lado, ética não é uma questão de princípios falados, e sim de natureza exemplar... Ética não pode ser uma coisa de fachada, seja na família, mídia ou escola. Nós temos partes podres na nossa vida social, mas elas ainda são minoritárias, mesmo tendo um grande impacto. Há milhares e milhares de homens e mulheres que são decentes e não podem ser reféns daqueles que não o são".
Lucidez total do professor Mário Sérgio quando nos indica que, ainda que estejamos no mundo-cão, precisamos nos recusar a aceitar os valores deste. Ou seja, mesmo que estejamos "lançados" no mundo-cão, que nos "engajemos" em outro tipo de "projeto" - heideggerianamente falando.
A mesma clareza de pensamento permeia a opinião de que o ensino da ética tem que ser feito por exemplos vividos e não pelo mero discurso, bem como a participação necessária das diversas entidades sociais no destaque aos valores adequados à boa convivência.
Infelizmente - infelizmente mesmo, porque eu gostaria muito de participar da certeza de Cortella quanto a isso -, não consigo ter o mesmo otimismo do nosso professor-filósofo quanto às "partes podres na nossa vida social". Ainda que "minoritárias", acho que o "grande impacto" que elas têm, garante a falta de qualidade ética do todo. Isso me lembra a estória do pequeno passarinho que tenta apagar o incêndio na floresta com a água que recolhe do lago em seu bico. Perguntado se ele não percebe que sua colaboração é "nada", ele diz "Pelo menos, estou fazendo a minha parte!". A moral da estória é bela. Poderíamos extrapolar um pouco e pensar em mil pássaros fazendo o mesmo - tentando salvar a ética no nosso país do incêndio dos diversos comportamentos "corruptos" -, mas um único ser sem escrúpulos, armado de um lança chamas, já seria suficiente para garantir a maior eficácia do comportamento que desdenha dos "melhores" valores em nossa sociedade. E acho que é essa a situação que vivemos: embora minoritária, em números - e nem disso eu tenho certeza -, a parte sem ética está conseguindo conduzir a nossa vida social.
Mário Sérgio apresenta a sua saída para a situação caótica em que estamos, onde se chega a presenciar situações de insubordinação dentro das salas de aula, até com agressões aos professores, dizendo: "Só há uma solução para o problema: o enfrentamento da situação por interméido de um mutirão de responsabilidade, que deve envolver a família, a escola, a igreja e a justiça".
Novamente, espero que o professor esteja certo quanto à existência de tempo para uma saída. Se há, realmente, terá que envolver um "mutirão de responsabilidade". Mas fico pensando quantos desses atores sociais - família, escola, igreja e Justiça - já não estão tão contaminados pela falta de ética e, portanto, tão fragilizados em si mesmos, que lhes seja difícil fazerem o papel de pontos de apoio para alavancar "saídas" para a sociedade em geral.
Por último, uma questão sempre polêmica. E, por isso mesmo, gosto de recolher informações de diversos pensadores honestos e capazes sobre a questão: as quotas para negros.
O nosso educador diz: "Eu sou absolutamente favorável à cota para afrodescendentes como medida emergencial e urgente, mas ela tem que ser provisória, até que se consiga dar uma equanimidade às oportunidades em um país que apenas há 121 anos fez a abolição formal da escravatura e que até hoje entende o negro como um serviçal, com ocupações de natureza inferior. Desse ponto de vista, a cota para afrodescendentes é mais ou menos como uma UTI em um hospital. Ninguém, em nome da igualdade, diz que se deve extinguir as UTIs nos hospitais. Ela existe para quem está em situação mais precária e a precariedade maior no Brasil é para os pobres e quase a totalidade da população pobre é negra. É preciso lidar com os fatos.... Quais são os contras das cotas? Se elas se tornarem uma política permantente, porque, neste caso, ela deixa de ser uma atenção especial para se tornar um privilégio".
Eu sou a favor das quotas... mas não das mesmas que o professor Cortella. Aliás, em determinado momento, parece que seu discurso toma um rumo diferente do inicialmente proposto. Vejamos. Ele desenvolve sua opinião partindo da necessidade das quotas para afrodescendentes, mas "desemboca" na defesa das quotas "para quem está em situação mais precária". E, de modo muito perspicaz, diz: "... e a precariedade maior no Brasil é para os pobres". Depois conclui: "... e quase a totalidade da população pobre é negra". Esse último passo é desnecessário, a meu ver. Se ele já indicou que é necessário oferecer uma "compensação" a quem está em pior situação, e que estes são representados pelos "pobres" - o que poderia nos dar um certo trabalho na conceituação, mas vá lá... -, não há que se adentrar no terreno "racial". O "sujeito" da compensação já foi estabelecido: as "classes economicamente desprestigiadas".
Com essas quotas, eu concordo. Acho que um aluno de escola pública - que vive não tendo aula, por não haver professores, por haver tiroteios próximo à escola, etc. -, vindos de famílias com poucos recursos financeiros - que não dispõem de tempo para estudar adequadamente, que têm que se submeter a situações de pouco estímulo cultural... ou de estímulos de "baixo nível", quando os têm -, são os alvos claros dessa necessidade de compensação, sejam eles "germanodescendentes" ou afrodescendentes.
Mas vale registrar que foi uma ótima entrevista e que, mesmo nesse último aspecto abordado, a comparação das quotas com as UTIs dos hospitais foi muito interessante.