quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Ainda sobre o DVD do Gramsci

Mais dois registros sobre a filosofia gramsciana, retiradas do DVD que citei no post anterior.
"A educação deve elevar as pessoas do senso comum ao bom senso. O bom senso é a capacidade de entendimento da realidade, do conhecimento dos requisitos da ação... de modo que esta seja esclarecida pela consciência filosófica. A educação é o processo de elevação do senso comum para a consciência filosófica, para que a prática não seja condicionada... como ocorre no caso dos demais seres vivos, cujas ações não são produzidas por significações intelectualmente elaboradas. Cabe à educação suscitar o bom senso, o exercício da reflexão crítica" e
"O papel da escola é explicitar [para tomarmos consciência] a ideologia e construirmos uma contraideologia".
Só lembrando que a "ideologia", para Gramsci, é "um conjunto de conceitos e valores, um conjunto de representações de uma sociedade histórica que é compartilhado espontaneamente no âmbito do senso comum e que, muitas vezes, é inconsciente".

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá Ricardo. Bom post. Gramsci parece ir por um caminho bem frutífero. No entanto, veja como o conceito de "bom senso" é algo vago e impreciso. Podemos ver como exemplo desse fato, a diferença com o conceito usado por Gadamer, pois ele acredita que o senso comum é inato, não aprendido, e ainda, para piorar, que ele seria parte do senso comum! Isso, por que estou citando somente 1 autor, imagine os outros "1000" que usam esse termo... Um abraço.

Ricardo disse...

Amigo Existenz:
Aqui, como ocorre em tantos outros filósofos, alguns termos ganham uma especificidade que não têm no vocabulário geral.
Em Gramsci, "bom senso" tem o sentido de "consciência filosófica", ou seja, o "senso comum" já preparado para realizar uma crítica da realidade. Essa preparação chegaria pela via da educação. Obviamente, após um certo estágio, esse "bom senso" poderá evoluir de modo mais técnico, através também de uma educação, agora filosófica, para um nível realmente "filosófico".
Quero dizer, portanto, que em Gramsci "consciência filosófica" (ou "bom senso") ainda não tem especificamente a necessidade de incluir o "tecnicismo filosófico", mas tão somente a "atitude filosófica".
Mas concordo com você que o termo, em sentido comum, seria bastante vago. Até já discutimos isso, quando falamos sobre o "bom senso" que Descartes imagina que todos possuem.
Além disso, é sempre um risco pegar uma expressão "cristalizada" pelo uso comum e lançar-lhe uma nova conceituação, porque parece que permanece "latente" o sentido mais original. Aliás, penso que foi por isso que Heidegger acabou usando tantos neologismos.
TAmbém imagino, como você, que Gramsci possa abrir novas saídas para renovar (ou reinterpretar) a ideia mais original do socialismo, que dizia respeito a uma sociedade mais justa... sem cair nos dogmatismos do marxismo "estabelecido".
Abração.

Anônimo disse...

Olá Ricardo. Também achei interessante esse fenômeno observado por Gramsci do que me pareceu uma espécie de “crítica nascente”, e que teria bastante potencial para um projeto pedagógico sério. Porém, eu teria uma observação em relação ao uso do termo “bom senso”, que, como você bem disse, já foi mais ou menos cristalizado de formas bem diferentes a essa. Entretanto, indo mais além, acho que estas outras formas teriam mais a ver com o que Gadamer propõe (mesmo que eu ainda tenha simpatizado mais com esse pensamento do Gramsci do que com o de Gadamer, no entanto, a observação que coloquei é especificamente sobre o uso do termo). A respeito do uso particular de termos por Heidegger penso também que é algo igualmente problemático. No entanto, de uma forma um pouco diferente dos demais que costumam fazer essas coisas, Heidegger parecia que tinha em vista a semântica da palavra, sendo que o que muitas vezes seria, para nós, um neologismo era justamente uma tentativa de Heidegger de se aprofundar num sentido “perdido” mas "intrínseco" à própria palavra e sua origem semântica. Ele parecia que queria fazer brotar, para nossa atenção, um sentido perdido, escondido, “velado” e originário de uma palavra aparentemente banal, e o é por que normalmente seria usada sem que se tenha muito cuidado a respeito de seu sentido. Um abraço.

Ricardo disse...

Amigo Existenz:
Muito boa sua observação sobre os "neologismos" de Heidegger. Apesar de haver uma "criação" (ou "recriação") de termos, ela se faz de modo interpretativo, partindo da gênese e desvelando outros sentidos.
Você abordou de maneira muito feliz isso, quando disse: "Ele parecia que queria fazer brotar, para nossa atenção, um sentido perdido, escondido, 'velado' e originário de uma palavra".
Ótima análise!