terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O túnel do tempo

    Após uma informação privilegiada do meu compadre Paulo, fui a uma loja onde são vendidos DVDs de velhas séries de TV. Lá estão registros de "Viagem ao Fundo do Mar", "Perdidos no espaço" e "Terra de gigantes". Entretanto, o ponto alto, pelo menos para mim, é a série "O túnel do tempo", estrelada por Robert Colbert e James Darren, e dirigida pelo famosíssimo Irwin Allen.
   Antes de contar como eu me deliciava com os episódios de "O túnel do tempo" apresentados, tenho que confessar uma paixão juvenil minha: a atriz Lee Meriwether, que fazia o papel da Dra. Ann MacGregor. É verdade que a paixão se devia mais ao seu papel como Mulher Gato, no filme do Batman.
   Para quem não lembra da charmosa atriz, aí vai uma "refresco" para a memória.
    Bem... o assunto aqui é a série, e não minha paixão juvenil.
   Foram trinta episódios produzidos. O box que eu adquiri só contém a metade. Obviamente, estou à procura dos demais.
   Já assisti à metade dos que adquiri. É muito interessante perceber o que acontece de histórico nos filmes, como pano de fundo das aventuras dos cientistas Doug Phillips e Tony Newman.
   É curioso, entretanto, perceber como a inocência juvenil - ou melhor, a "minha" inocência juvenil - era grande. Só via filmes perfeitos. Hoje, noto que uma tribo de índios Sioux com vários deles tendo olhos azuis e verdes não deve ter sido muito comum, lá nos idos dos 1800. Além disso, aquelas fagulhas espocando dentro do túnel, com coisas surgindo e voando lá dentro, com fios pretensamente invisíveis, não fariam muito sucesso hoje, com crianças acostumadas às realidades virtuais e aos superefeitos especiais.
   De qualquer forma, descontados esses fatos, a série continua excelente. O episódio que narra os eventos de Troia, por exemplo, é muito explicativo, guardados os limites de duração de cada um deles.
   Esse é o tipo de coisa que merece a expressão "Vale a pena ver de novo!".

Luiz Eduardo Soares e seu livro (2)

   Dentro da história contada por Luiz Eduardo Soares - já comentada no post anterior - há uma passagem interessante, que demonstra a sensibilidade do autor.
   O trecho aparece durante a tal conversa com o taxista, num ponto em que o mesmo apresenta todo o seu "ódio" contra o ladrão-assassino dizendo que nada acontecerá a ele. A afirmação é a seguinte: "Não vai acontecer nada, porque nosso país é a terra da impunidade. Esse pessoal dos direitos humanos vai proteger o garoto. O delinquente não vai para a prisão porque é menor de idade. Daqui a dois, três anos, o homicida está por aí, livre, matando outros pais de família. Ele deveria ser linchado. Pena não haver pena de morte no Brasil. Queria ver esse cara torrando na cadeira elétrica".
   Neste ponto, Luiz Eduardo Soares escreve: "Sabia que era meu dever responder, ponderar, repelir a acusação que fazia a mim e a meus colegas, militantes dos direitos humanos, mas o homem estava tão emocionado [...] Naquele momento, não era o homem que falava; era seu coração, a sua dor [...] Há situações em que convidar o outro a raciocinar sobre um ponto de vista diferente já é, em si mesmo, um ato de hostilidade, de incompreensão do drama que a pessoa está vivendo. Há circunstâncias em que argumentar é impróprio e até agressivo, independente do conteúdo da argumentação".
   Mais comentários depois!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Luiz Eduardo Soares e seu livro

   Parei tudo para "dar cabo" do livro "Justiça - pensando alto sobre violência, crime e castigo", de Luiz Eduardo Soares - livro do qual, inclusive, eu já tinha falado aqui no blog.
   Para possível nervosismo do meu compadre, gostei do livro. Como se diz dos vinhos que não são maravilhosos, mas que também não decepcionam: "É honesto!". Essa seria, portanto, uma boa definição para o livro.
   Logo na abertura, o autor posiciona o livro em seu nicho - que, é verdade, acaba por ficar amplo demais -, dizendo: "Escrevi para os leitores não especialistas de todas as idades, mas espero que o livro seja útil também para os especialistas, principalmente os da área de direito, mas também para cientistas sociais, psicólogos, psicanalistas, filósofos, teólogos, sacerdotes, jornalistas e artistas". Ou seja, de leigos a especialistas de várias áreas, o livro "está valendo".
   Gostaria de comentar algumas passagens aqui no blog, e é o que me proporei a fazer em posts futuros.
   Uma primeira observação a ser feita, é a de que o livro não para nas críticas à Justiça Criminal, mas propõe alternativas que o autor considera "atraentes e promissoras".
   Outra, é que o autor não está completamente isolado em suas críticas e propostas alternativas. Ele expõe que "o modelo alternativo de fazer justiça que proponho é membro da família do que se convencionou chamar Justiça restaurativa", mas que seu modelo tem "divergências tópicas com algumas abordagens da restauração".
    Feitas essas duas observações, absolutamente superficiais, há que reconhecer que várias informações do livro são apenas constatações desagradáveis da nossa realidade jurídico-punitiva. Eu mesmo, aqui no blog, já questionei o real papel do aprisionamento, identificando uma crueldade desproporcional, muitas vezes, entre o crime cometido e o castigo imputado - não por conta do tempo excessivo que o "criminoso" ficaria encarcerado, mas por causa das condições de aprisionamento. Este ponto é ricamente ilustrado por Luiz Eduardo em seu livro.
   Um exemplo de bom desenvolvimento de argumentos que aparece no livro é o de uma história contada por um taxista que conduzia o autor a uma palestra. Vou abreviá-la enormemente aqui, só para captar-lhe o conteúdo.
   O taxista começa a contar a Luiz Eduardo, como passageiro, que perdeu um grande amigo, motorista de ônibus, num assalto. O ladrão entrou no ônibus; roubou os passageiros e, ao sair, disparou covardemente contra o motorista.
   Grande amigo do motorista do ônibus, o taxista conhecia detalhes de sua vida familiar. Pondera, então, com Luiz Eduardo - certamente, sem conhecer seus pontos de vista -, que o meliante deixara em estado de penúria a mulher e os filhos do amigo morto. Isto porque, a esposa era "do lar", apenas, e os filhos eram muito novos para trabalhar. Reflete, fazendo uma espécie de "futurologia", que os filhos poderiam, com a ausência do pai, e a menor atenção da mãe - então, dedicada a sustentar financeiramente a família -, passar a ter más companhias e acabar se envolvendo com drogas.
   A "sentença" do taxista era de que o ladrão deveria ser linchado, para nunca mais fazer o mesmo, isto é, vitimar tantas pessoas - não só o pai de família, mas também a esposa e os filhos.
   Luiz Eduardo, com muita delicadeza, faz algumas perguntas. Primeiro, reforça o sentimento de que os filhos do motorista eram também vítimas nessa situação. Depois, presentifica a possibilidade de envolvimento de um deles com drogas. Em seguida, consegue a concordância do taxista quanto ao fato de que, eventualmente, um dos filhos do amigo poderia precisar de capital para "investir" no consumo da substância ilícita. E, por fim, ressalta que, no desespero pelo dinheiro, o filho do motorista, vítima na ação pregressa, pudesse vir a ser, também ele, um agressor e assassino de algum trabalhador. A derradeira pergunta é "O senhor participaria do linchamento dele?" - lembrando, apenas, que o taxista era grande amigo da família, e, por conseguinte, das crianças também.
   Dá o que pensar, não é?  

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Zygmunt Bauman

   Há uma coisa que declaro com uma vergonha extrema: até hoje não li nenhum livro do Zygmunt Bauman.
   É verdade... Infelizmente! Não que não se possa mudar esse fato. E pretendo fazê-lo em breve. Obviamente, não é por falta de os adquirir. Tenho, na minha estante, alguns... mas estão sempre ficando "para depois". 
   Mas vocês pensam que é simples assim: eles lá e eu aqui? Não é, não! O "olhar" deles é "inquisidor"... e eu me pego fugindo daqueles olhos severos e censuradores. É por isso que adoto uma "tática" para os que ficarão mais afastados no tempo: enclausurá-los na estante fechada. Afinal, "o que os olhos não veem, o coração não sente". E, assim fazendo, meu sentimento de culpa diminui.
   Esse blá-blá-blá todo é só para registrar uma parte do conteúdo da Introdução de "Em busca da política", do sociólogo Bauman. Achei a Introdução muito interessante, mas, confesso, ainda não me fez seguir na leitura do livro.
   Lá vai:
   "As crenças não precisam ser coerentes para que se acredite nelas. E as que costumam ter crédito hoje - nossas crenças - não são exceção".
   Essa afirmação, por si só, já mereceria destaque... embora haja uma consideração epistemológica que poderia transformá-la de "brilhante" em "banal". Isso porque a definição de "crença" é diferente da de "conhecimento", que seria uma "crença [verdadeira] justificada". Se a mera crença não precisa ser justificada, não há necessidade de que seja coerente, isto é, que se "encaixe" num sistema de sentenças tidas como verdadeiras.
   Mas continuemos. O que Bauman sugere, com muita correção, é que aderimos a pretensas verdades, mesmo que não sejam coerentes... Atenção! Ele está falando de "nós", e não dos medievais ou dos "bárbaros"... de nós, pós-modernos.
    A análise de Bauman é sobre a "crença na liberdade", pelo menos, diz ele "na 'nossa parte' do mundo". Por outro lado, há outra crença, contraditória à primeira, que também parece estabelecida, aquela de que "pouco podemos mudar [...] a maneira como as coisas ocorrem no mundo". A contraditoriedade - Sempre lembro das minhas aulas de Lógica, em que o professor dizia que "Contradição" e "Contrariedade" são coisas diferentes. Rsss - é exposta por Bauman através de uma pergunta: "Se a liberdade foi conquistada, como explicar que entre os louros da vitória não esteja a capacidade humana de imaginar um mundo melhor e de fazer algo para concretizá-lo?". Logo depois, o autor escreve: "As duas crenças não combinam, mas cultivar ambas não é sinal de inépcia lógica". Xiii... acho que o Bauman assistiu às mesmas aulas que eu. Estaríamos, então, falando simplesmente de "contradições"? Rsss. Não, não... Deixemos a Lógica Clássica de lado. Sigamos Bauman, nas suas reflexões.
   Bauman indica que "é importante saber por que o mundo em que vivemos continua a nos enviar esses sinais evidentemente contraditórios". Logo em seguida, pergunta: "Por que é importante saber isso? Alguma coisa mudaria para melhor se tivéssemos esse conhecimento?". A resposta infunde um pouco de receio, mas é bastante realista: "Absolutamente não há certeza disso. Uma percepção do que faz as coisas serem o que são pode nos dispor a jogar a toalha ou nos instigar à ação".
   Bauman, então, cita outro pensador de primeira linha, Pierre Bourdieu, que fala sobre os "usos do saber". Bourdieu diz que podem ser dois os usos deste saber: o "cínico" e o "clínico".
   Escreve Bauman sobre a tese de Bourdieu:
   "O saber pode ser usado de forma 'cínica': sendo o mundo o que é, pensemos numa estratégia que me permitirá utilizar as suas regras para tirar o máximo de vantagem; quer o mundo seja justo ou injusto, agradável ou não, isso não vem ao caso. Quando é usado 'clinicamente', esse mesmo conhecimento do funcionamento da sociedade pode nos ajudar a combater o que vemos de impróprio, perigoso ou ofensivo à nossa moralidade".
   Minha reflexão tem seu foco neste ponto, mas antes de fazê-la, gostaria de fechar a citação do texto, que, em certa medida, também me ajuda.
   Conclui assim Bauman:
   "Por isso, o saber não determina a qual dos dois usos recorremos. Isso é, em última análise, uma questão de escolha. Mas sem esse conhecimento, para começo de conversa, não haveria sequer opção. Com conhecimento, os homens e mulheres livres têm pelo menos alguma chande de exercer sua liberdade".
   Bem... para um spinozano, como eu, há um excesso de crença - aproveitando a ideia do próprio Bauman - na "liberdade de escolha dos homens", mas isso é outro papo. Sigamos a tese de Bauman, pois nela, não há incongruências internas. O apelo à tese de Spinoza seria criar uma incoerência com um sistema que Bauman não entende certamente como seu.
   Voltando ao ponto que eu queria discutir, e que, em certa medida, faz eco sobre uma outra consideração sobre a possível "imoralidade do capitalismo", que apareceu em post anterior, vemos que há um uso "cínico" e um uso "clínico" do saber sobre o funcionamento da sociedade segundo o modelo econômico - mas, além disso, psicológico e social - capitalista. Um uso "cínico", pelo homem que integra essa sociedade, poderia validar a acusação de que "O capitalismo" - e a existência desse "ente" é meio questionável - é imoral. Entretanto, um uso "clínico" do saber produzido a partir de um estudo fenomenológico/empírico - não do ente, mas do fenômeno -  do "capitalismo" poderia isentar o mesmo desta pretensa imoralidade.
   Mas onde está a diferença entre as duas situações? Penso, ainda, que na ação humana, e não no próprio "capitalismo". Portanto, ratifico minha "crença" de que não é o capitalismo  que é imoral, mas somos nós - humanos, demasiado humanos - que o somos. 

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

"De Russell a Hessel"

   Calma, gente. Eu não queria escrever "De Russell a Husserl". Era isso mesmo que está no título do post. Aliás, que é igual ao que está na coluna do Cristovam Buarque, publicada em "O Globo" do dia 11 passado.
   Confesso que não conhecia o segundo nome, mas não poderia deixar de ligar o primeiro deles ao filósofo britânico Bertrand Russell - pensador bastante interessante.
   O grande incentivador da educação como "saída" do Brasil - ou "entrada" em um mundo melhor -, o senador Cristovam Buarque, fez uma comparação entre o filósofo Russell, na condição de pacifista que foi, com o diplomata Stéphane Hessel, autor do livro "Indignai-vos".
    O que os dois têm em comum? Seu ativismo político em prol dos mais fracos. 
   Segundo escreve o senador: "Além da formidável resistência dos vietcongues [na Guerra do Vietnã], foi a consciência mundial criada por Russell que despertou o mundo para a desumanidade daquela injusta e bárbara guerra, onde os bárbaros eram os ricos, cultos, desenvolvidos e tecnológicos americanos". Aliás, sem integrar nenhum grupo "estadunidensófobo", quero dizer que as imagens que vazaram do "campo de concentração de Guantánamo" mostram que os "bárbaros" continuam sendo os mesmos.
   Mas continuemos...
   "Bertrand Russell, Prêmio Nobel de Literatura em 1950, criou o Tribunal para Julgar os Crimes no Vietnã, e, caminhando ao lado de jovens, despertou o mundo para a tragédia vietnamita. Seu tribunal não tinha qualquer poder legal, mas uma imensa força moral capaz de encurralar os dirigentes da grande potência americana, com seus aviões e bombas, mas sem uma base ética para a guerra".
   A bem da verdade, fico na dúvida se essa "imensa força moral" de que fala Cristovam foi realmente "capaz de encurralar os dirigentes da grande potência". Se o tivesse sido, parece-me que a guerra teria vida mais curta, bem como uma relação de mortes, igualmente, mais breve.
   Mas continuemos... Buarque nos conta que Stéphane Hessel "... está despertando os jovens do mundo para indignarem-se contra outra guerra também maldita: a guerra da má economia, que destrói a natureza, provoca desemprego, desarticula os serviços públicos, condenando, sobretudo, os jovens a uma vida sem futuro...".
   Segundo Buarque: "Para se transformar no Russell dos dias atuais, Hessel precisa dar um passo adiante e convocar o mundo para criar outro tribunal. Desta vez, para julgar os crimes contra a humanidade provocados pelo modelo econômico, pelo tipo de crescimento que constrói muros, exclui multidões, apartando os que têm dos que não têm acesso aos modernos bens e serviços. Um modelo econômico que escraviza a humanidade, uma parte pela dívida contraída para poder aumentar o consumo de bens supérfluos, a outra pelo desemprego que impede de consumir até os mais essenciais bens de consumo para uma sobrevivência digna".
   O autor fecha o artigo dizendo que este "Tribunal Hessel [serviria] para julgar os crimes contra a humanidade, cometidos em nome de um crescimento econômico imoral, ineficiente e vazio existencialmente".
   Cristovam Buarque escreve - como fala, também - muito bem. Suas opiniões apaixonadas têm como fundo o espírito de um verdadeiro educador preocupado com as crianças de hoje, que serão os adultos, e a sociedade de amanhã. Eu confesso: sou seu fã! Entretanto, não posso deixar de me questionar o porquê desse modelo econômico, que quase recebe, no artigo, qualificações como "imoral, ineficiente e vazio existencialmente" - na verdade, esses adjetivos se referem a "um crescimento econômico" - sair-se tão bem diante de outras alternativas. E aí, logo em seguida, surge a questão de ser o modelo "imoral" ou de sermos, nós que aderimos a ele, "imorais".
   Obviamente, não quero dizer que todos somos imorais por não nos preocuparmos com aqueles que sofrem, mas quero dizer que, em certa medida, "acomodamo-nos", para dizer o menos pior, ao que nos circunda. É triste ver pessoas - E para reconhecer "pessoas" entre aqueles ossos de pé, semimortos, caminhando heroicamente, é uma dificuldade incrível -, na Etiópia, por exemplo, brigando por água distribuída pelas agências internacionais de auxílio. Mas, de um modo geral, trocamos essa preocupação quase instantaneamente quando estamos falando de nosso próximo aumento salarial.
   Não é fácil, eu sei disso. Mas não precisamos voltar nossos olhos para a Etiópia para ver fome, miséria, doenças e maus tratos a pessoas. Há, sempre, em qualquer lugar que estejamos, essas mazelas à nossa volta. E, normalmente, o que fazemos é "olhar para o outro lado".
   Será que o capitalismo é imoral, ou será que somos nós?
  

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

"Freud, ética e metafísica - O que ele não explicou"

   O título do post é o mesmo de um livro que estou terminando de ler. O autor é o nosso respeitável Olinto A. Pegoraro, que o publicou pela Editora Vozes, em 2008. 
   Eu já comprara esse livro havia algum tempo, mas, como tantos outros, ele caiu numa espécie de "limbo", do qual só saiu agora, para ser finalmente lido.
   Não é incomum acharmos alguma coisa de boa em qualquer livro. Essa é uma regra que dificilmente admite exceções. Particularmente, lembro só de dois livros que achei absolutamente "imprestáveis". A bem da verdade, nem me lembro os títulos direito. Mas um era algo como "Spinoza e Aristóteles dialogam" - o qual, de tantos erros teóricos, eu abandonei logo nas primeiras páginas, e não sei se simplesmente joguei fora ou se queimei numa das minhas "fogueiradas limpa lixo" - e o outro era... "Um monge que vendeu sua Mercedez", ou coisa que o valha.
    Mas por que digo isso? Porque esse livro do Pegoraro é uma das outras "pontas" da estória - que também formam um grupo de exceção: aquele onde TUDO é bom... até mesmo quando, "sagazmente", o autor fala simplesmente do que ele quer, sem uma relação tão direta com o assunto central da obra.
   A proposta "oficial" do livro, segundo um mero passar de olhos pelo título, é tratar dos assuntos "ética" e "metafísica", nos aspectos que foram considerados lacunares na obra do pai da Psicanálise. Pegoraro, então, "entrelaça" os temas em questão com outros dois que foram claramente explorados por Freud: a sociedade e a religião.
   Falando assim, não parece lá muito original a proposta. Afinal, há textos já clássicos de Freud, como "O mal estar na civilização" (1930) e "O futuro de uma ilusão" (1927), que foram exaustivamente analisados, e criticados, no que tange aos temas "sociedade" e "religião". Entretanto, Olinto Pegoraro avança por trilhas em que vários comentadores - se bem que sua intenção não é apenas ser mais um deles - não se aventuraram. 
   Quando fala de "sociedade", por exemplo, para tratar do que Freud não explicou em "ética", surge o assunto "política", inclusive com apelo a outros grandes pensadores que trataram de ética, sociedade, religião e política, como Max Weber.
   Já quando fala de "religião", Pegoraro mostra como Freud deixou de radicalizar a questão, apesar de suas críticas bem elaboradas, não analisando uma "teologia racional" - um dos três ramos clássico da Metafísica Especial, conforme concebido por Christian Wolff -, e se atendo somente à "teologia popular".
    Um dos capítulos do livro tem por título "O psicanalista e o pastor". Pegoraro abre o capítulo com a seguinte informação:
   "Durante trinta anos, Freud manteve afetuosa amizade com o pastor suiço Oskar Pfister, fundador da Sociedade Psicanalítica Suiça. Ele mesmo se fez psicanalista e introduziu o método na prática pastoral. Do intenso relacionamento epistolar entre ambos resultou o livro Um duelo entre a psicanálise e a fé". A intenção declarada do capítulo é comentar os principais tópicos da obra. Bastante interessante, aliás, o capítulo. Entretanto, atendo-me exclusivamente à análise do comentário de Pegoraro, sem ir, portanto, ao livro do qual as ideias foram extraídas, penso que Freud teria saído "vitorioso" do embate com seu amigo pastor Pfister. Digo isto porque, enquanto Freud claramente trata de uma religião com a qual "esbarramos" no dia a dia, pelo contato com seus "fiéis", Pfister parece tratar de um religião idealizada - ou melhor, tão "intelectualizada", que é difícil encontrá-la "por aí", entre as pessoas que conhecemos. Religião que dispõe de uma "teologia crítica", seja lá isso o que quer dizer.
   Depois escrevo mais sobre o livro.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Xiiii, encolhemos!

   Puxa... Voltamos a ser sessenta e nove! Mas é um bom número de amigos! Viva, então, os sessenta e nove!

E por falar em "sujeito"

   No post anterior, o título do livro comentado tinha a palavra "sujeito". Não por acaso, após a leitura do livro em questão, continuei seguindo o fio da meada e retomei uma leitura brevemente iniciada a algum tempo, mas suspensa por questões técnicas - no caso, uma deficiência teórica em aspectos específicos da doutrina psicanalítica. 
    Diminuída minha ignorância - obviamente, não encerrada, mas pelo menos já "diminuída", como disse - no tocante a "arte" de Herr Freud, pude prosseguir mais tranquilamente minha leitura. Trata-se de um livro pequeno, mas que gostei muito, chamado "O conceito de sujeito", de Luciano Elia, pós-doc pela PUC-Rio e coordenador do mestrado em Psicanálise na Uerj - pelo menos, à época em que o livro foi lançado.
   Como não poderia deixar de ser, o texto começa dialogando com a Filosofia Moderna, "criadora" do conceito de "sujeito", para chegar efetivamente à análise psicanalítica deste "sujeito" - que, aí, já não é mais considerado "conceito".
   Interessante consideração feita pelo autor no que se refere à passagem do Tratamento Catártico à Psicanálise é a seguinte:
   "Ao abandonar a hipnose, Freud decidiu tomar para si a complexa problemática do sujeito. Podemos dizer que na hipnose, tanto quanto na ciência ou na medicina, não há sujeito. O saber sobre o sintoma e suas causas, tal como é comunicado sob hipnose, não será apropriado pelo sujeito mas pelo hipnotizador [...] Ao abandonar a hipnose e instituir a associação livre, portanto, Freud se dirige ao sujeito, supondo que há alguma saber do lado do sujeito, e que os elementos inconscientes (os significantes recalcados nas cadeias do inconsciente) que constituem este saber, ao emergirem na e pelas falhas da fala desse sujeito, estarão, no mesmo ato, supondo o sujeito por eles representado".
   A Linguagem é tratada com bastante clareza. E se destaca a "sutil" diferença entre "campo da linguagem" e "função da fala", que Filosofia da Linguagem insiste em separar, mas que o senso comum teima em identificar.
   Eu não poderia deixar de registrar, entretanto, a aparição de nosso querido Spinoza no texto, quando o autor fala da "transferência".
   O texto diz:
   "A psicanálise estabelece que o modo pelo qual a transferência se formula deve [...] ser chamado amor. Não se trata aqui de entender o amor em sua configuração restrita de amor voltado para a satisfação sexual entre parceiros, que é apenas uma de suas formas, mas como o conjunto de todas as manifestações de afeto. [...] O termo afeto deve aqui ser diferenciado do termo 'sentimento', que já inclui as significações que o sujeito constrói daquilo que o afeta, e que portanto o mascaram e encobrem. Afeto é portanto o que afeta o sujeito por uma via significante, é claro (como ocorre aliás com tudo o que o afeta), mas sem a mediação das significações, e nesse aspecto se aproxima mais do sentido que 'afeto' tem em Spinoza (as paixões e afecções) do que em uma psicologia dos afetos".
   Interessante, também, registrar - o que já fiz em outras oportunidades, aqui no blog - que "afeto", em Spinoza, não se vê bem traduzido por "sentimento". Aliás, como o autor do livro deixa claro, o "sentimento" já teria uma "mediação das significações", o que não pertence ao sentido de "afeto".

"As pessoas gostam de ser enganadas" (2)

   O post de 25 de janeiro deste ano tinha o mesmo título deste. Nele, registrei a seguinte opinião do psicólogo e escritor americano Michael Shermer: "Desenvolver um senso crítico e uma visão própria de mundo exige educação, reflexão e tempo. Crer é muito mais fácil. As pessoas preferem ser enganadas". Ou seja, dá trabalho pensar!
   Esses dias, estava lendo um livrinho muito agradável, chamado "La conciencia, el inconsciente y el sujeto", da coleção "Aprendiendo a filosofar", publicado pelas "Ediciones del Laberinto", da Espanha, e me deparei com a seguinte afirmação: "En realidad, no debería sorprenderte que a la mayoría de la gente no le guste la filosofia: te hace infeliz. Preferimos nuestras ilusiones. Al menos nos queda la impresión de existir, de ser libres, de hacer lo que queremos".
    Em certa medida, a mesma ideia é apresentada: nossas crenças, para não ser tão radical a ponto de rotulá-las como ilusões, como faz este último texto, acabam por ser preferíveis à reflexão detida sobre algo. Esta última, além de trabalhosa, ainda pode nos fazer "infelizes", por descobrirmos "verdades" que preferiríamos que permanecessem ocultas.
   Uma palavra sobre o livrinho, agora.
   A coleção é originalmente francesa, sendo dirigida pelo professor Dr. Oscar Brenifier. Trata-se de diálogos imaginários entre Víctor e sua amiga filósofa, Eloísa, abordando temas diversos. Além dos diálogos, há trechos de textos filosóficos famosos como que respondendo a perguntas que surgem ao longo do desenvolvimento do diálogo.
   No Brasil, já tivemos uma tradução também, mas o nome da coleção foi alterado para "Aprendiz de Filosofia", publicada pela Escala Educacional.
   É uma leitura agradável, que expõe dúvidas que o "senso comum" tem acerca dos temas tratados, e que apresenta questões que podem guiar a reflexão crítica dos mesmos. Os excertos são bem escolhidos, passando por filósofos antigos, medievais, modernos e contemporâneos, e até por pensadores de outras áreas, como Freud e Jung, por exemplo.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"Cadê a ética, Patrícia?"

   Essa era a frase que acompanhava a foto do rosto da Exma. Sra. Presidente do flamengo, Patrícia Amorim, na capa do jornal Extra, no dia 03 de fevereiro de 2012.
   Logo abaixo, estava escrito o seguinte: "Falam uma coisa e agem de outra forma". E seguia o esclarecimento de que a frase não dizia respeito ao que a honorável senhora andava fazendo, mas sim que era "da própria cartola do Fla... chamando o presidente do Flu de antiético, após a contratação de Thiago Neves". 
   E a pergunta que dá título ao post ganha pleno sentido com a informação de que "Depois de garantir Luxa, Patrícia anunciou a demissão do técnico no mesmo momento em que, por coincidência, Joel se desligava do Bahia e ficava 'sem clube'". Há ainda um agravante, perguntada se Joel seria o novo técnico do clube, a Sra. Amorim disse que não mantivera nenhum contato com o ex-treinador do Bahia, apesar de reconhecer que "... essa conversa existe". Ficou algo assim como Pôncio Pilatos, lavando as mãos diante  do ato antiético de tirar alguém de um clube com contrato vigente - o que não era o caso do atleta Thiago Neves, que já tivera seu contrato encerrado com o clube da Sra. Amorim no dia 31 de dezembro de 2011.
   Gostaria de reproduzir o trecho inicial da matéria do supracitado jornal.
   "No dicionário, a palavra 'ética' é definida como 'conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto, quer para grupo ou pessoa determinada'. Para a presidente do Flamengo, Patrícia Amorim, faltou ética ao Fluminense ao negociar com Thiago Neves enquanto o Rubro-negro ainda buscava acerto com o jogador: 'Falam uma coisa e agem de outra forma', disse ela, no dia 16 de janeiro. Já ontem, a dirigente acho condizente demitir Vanderlei Luxemburgo horas após dizer que ele estava mantido, e negociar com Joel Santana e deixar o Bahia sem técnico no Estadual".
   Em princípio, poderia parecer que esse post deveria ter sido escrito por meu compadre, enquanto apaixonado por futebol, que ele é. Entretanto, o que está em pauta aqui é o comportamento indigno, mas principalmente dissimulado, de uma pessoa pública. Depois de atirar pedras no "telhado" do presidente do Fluminense, tentando disfarçar sua própria inabilidade administrativa, a Sra. Amorim deveria ter, pelo menos por questão de coerência - nem digo de ética, até por temer que a palavra não tenha o sentido totalmente esclarecido para a representante do flamengo -, avaliado melhor seu comportamento neste acontecimento de demissão do treinador Luxemburgo.
   Que pensemos em "ética" num sentido menos "absoluto",  numa  das acepções indicadas acima, como "regras válidas para um grupo", vá lá. Mas, pelo menos dentro deste grupo - no caso, o dos presidentes de clubes futebolísticos -, as coisas têm que se manter inalteradas num breve decorrer de tempo.
   Meu temor se estende um pouco mais do que este que apresento agora, no campo esportivo, quando leio, no mesmo jornal, a coluna de Gilmar Ferreira.
   Ele diz: 
  "O lado mais triste da história mal-ajambrada apresentada pela diretoria do Flamengo ao oficializar ontem a demissão do técnico Vanderlei Luxemburgo é o fato de que a presidente do clube é uma parlamentar, eleita três vezes pelo voto popular para o posto de vereadora, e também professora de educação física. Tais ofícios, em última instância, deveriam exigir do profissional postura transparente e zelosa aos bons princípios, cuidados que Patrícia Amorim não vem tendo em sua desastrada experiência como dirigente de um clube de futebol. Fico a imaginar sua rotina na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Afinal, justamente por ter sido atleta olímpica, esperava-se da mandatária do Flamengo desapego ao sistema viciado".
   A coluna diz mais. Mas o que está posto aqui já é suficiente para pensarmos. A atleta olímpica - apaixonada pelas disputas "limpas", que deveria ser -, que também é professora - responsável, junto com os pais, pela introjeção de regras morais nas crianças, que deveria ser - e política - agente pública, representante do povo, que tem o dever de agir eticamente, ou deveria ter -, é exemplo de "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço", quando deveria ser justamente do contrário.
   É... essa "ética" é tão flexível...