segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Respeitando os próprios limites


   A revista O2 de janeiro/fevereiro de 2018 traz um artigo bem interessante de Harry Thomas Jr., com o título "Saber desistir é para os inteligentes".
   Antes de falar sobre o artigo, contarei um fato acontecido comigo, no meu primeiro treino deste ano.
   Era 03 de janeiro. Saí para o primeiro treino do ano. Tudo bem... performance não seria o caso. Depois dos excessos de Natal e Ano Novo, o objetivo era só fazer meus 8,5 km num ritmo confortável, sem forçar... ainda. Pois bem... ou melhor, pois mal... não cheguei nem aos 5 km. 
   Dizer que fiquei muito frustrado é o mínimo. Mas a verdade é que não me sentia bem enquanto corria. Estava calor... mas já corri em dias mais quentes e em ritmo mais forte. O fato é que FALHEI!!!
    Mas... li o Harry Thomas Jr. e me recuperei. Tanto que, no dia seguinte, fechei meus primeiros 8,5 km do ano. 
   Vamos ao que diz o artigo.
  "Reconhecer o seu limite numa competição e desistir do pace ou simplesmente desistir da prova em questão não é vergonha, mas sim um enorme aprendizado de foco, humildade e amadurecimento. 
   [...] Esqueça os memes que povoam as redes sociais do tipo 'No pain no gain' e 'Desistir é para os fracos'. Desista, sim, se for necessário para a preservação da sua saúde. Depois, com calma e tempo, analise onde está o erro (se é que ele existiu) e comece a pensar em um próximo desafio. Simples assim.
   [...] Corridas de rua ou de trilha pelo Brasil e pelo mundo não faltam, certo? Portanto, saber parar e saber a hora em que insistir não faz mais sentido é, na verdade, uma sabedoria de corredor que se adquire com maturidade. Desistir, meu caro amigo leitor, não é para os fracos, mas, sim, para os inteligentes".
   Show!!!!

A História do Brasil para quem tem pressa


   Sendo sincero, tenho um "pé atrás" com essas publicações "para quem tem pressa". Tenho... ou tinha? Pensava assim: "Como alguém pode pretender entender algo tão complexo, como a História do Brasil, tendo pressa?". 
   Mas queria fazer aqui um mea culpa, em relação ao livro de autoria do historiador, professor, pesquisador e escritor Marcos Costa.
  Certamente, não se conhecerá História do Brasil tendo pressa. Mas, como diz a introdução: "O livro é um voo panorâmico pela história do Brasil, por meio do qual salta aos nossos olhos a perspectiva do todo, fundamental para a compreensão dos fatos isolados".
   Deste modo, o livro atende ao propósito dos que têm pressa, seja para recordar o encadeamento dos diversos momentos históricos, seja para funcionar como uma "armadilha" que apreenderá a atenção do leitor para determinados eventos, fazendo-o pesquisar mais.
   Mas o que mais me entusiasmou no livro foi uma chamada política na introdução do mesmo. Vou citar com uma certa extensão.
   "[S]egundo Raymundo Faoro, pode-se dizer que, da chegada de Cabral até Dilma Roussef, uma estrutura político-social resistiu a todas as transformações fundamentais: 'A comunidade política conduz, comanda e supervisiona os negócios, como negócios privados seus, na origem, como negócios públicos, depois [...] Dessa realidade se projeta a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo'.
    Esse imperativo categórico da sociedade brasileira, ou seja, a inviolabilidade daquilo que foi assim desde sempre, cria um elo profundo entre os que aqui chegaram em 1500 e os que aqui hoje estão. Os mesmos objetivos os animam: a espoliação, a expropriação, o lucro, a exploração. Esses fins justificam os meios utilizados, que passam sempre ao largo de um projeto de país, sempre ao largo dos interesses do povo.
   Não existe no Brasil, nem nunca existiu, um projeto de nação. Um projeto robusto que levasse em conta o interesse de todos, planejado para durar gerações e que pairasse acima dos eventuais problemas políticos. Como o que ocorreu no Japão, arrasado na Segunda Guerra Mundial. O Brasil só vai se encontrar com o seu futuro quando um pacto social em torno de um projeto de não for estabelecido e jamais rompido. Conhecer a história do Brasil é o primeiro passo para que esse projeto seja estabelecido, consiga resistir a eventuais tempestades e siga seu rumo em direção ao estado de bem-estar social pelo qual tanto almejamos".
   Eu acrescentaria que o conhecimento da História do Brasil será um dos quesitos para que possamos criticar o nosso presente - e passado próximo -, a fim de fazer ganhar em consistência um projeto de futuro.
   Obrigado por quebrar um preconceito meu, Marcos Costa!!!

Joyce Moreno


   No mesmo O Globo citado antes, foi publicada uma reduzidíssima entrevista, na coluna Gente Boa, com a cantora Joyce Moreno - que acabou de completar setenta anos, e está muito bonita na foto apresentada.
   Uma pergunta que achei "complicada" foi "Você curte artistas como Anitta e Pablo Vittar?". E a resposta foi de extrema delicadeza. Disse Joyce: "Não tenho interesse, então, não ouço. Não me sinto abalizada para comentar". 
   A resposta continua, mas o que foi dito me parece bastar. Em vez de simplesmente dizer que a música é ruim, quando comparada com seus próprios padrões musicais, Joyce diz não se interessar por aquele tipo de música - que, depois, ela define como "o que está na moda". Deve ouvir, vez por outra, na televisão ou no rádio, mas diz não se interessar em parar para "curtir" tais músicas. 
   Contudo, mais interessante é ela registrar que não se sente abalizada para comentar. Volto a dizer que, em vez de polemizar, como fez, por exemplo, Lulu Santos - embora eu ache que ele simplesmente expôs uma opinião... talvez, sem a delicadeza de Joyce -, a cantora evita julgar aquilo pelo que não tem interesse.

De-bate em de-bate


   O título do post é o mesmo de uma matéria publicada no jornal O Globo do último sábado. 
   A ideia básica apresentada era a de que, apesar de um aparente crescimento dos debates, por conta dos espaços disponíveis principalmente no mundo virtual, estamos vivendo uma crise nesse quesito.
   A matéria começa indicando que "debate", segundo o Aurélio, significa "troca de ideias em que se alegam razões pró ou contra, com vistas a uma conclusão". O ponto problemático está no "com vistas a uma conclusão". 
   Segundo Janet Sternberg, que é doutora em Teoria da Mídia, chegou à conclusão de que "vivemos uma crise do diálogo: nunca foi tão difícil ouvir o outro e trocar ideias".
   Outra estudiosa, Maria Homem - graduada em Filosofia e mestra em Psicanálise -, explica que "o debate político-social acontece entre duas pessoas, com impulsos, vaidades e preconceitos que eles mesmos, às vezes, desconhecem. E há vontade de vencer sempre. É como se fosse um diálogo de surdos". 
   Como indica a própria matéria, antes de apresentar a avaliação de Maria Homem, "vale lembrar que há mais fatores envolvidos do que a simples oposição de ideias. O que está em jogo não é só a razão, mas um bocado de emoção". 
   Em alguma medida, essas duas passagens reforçam a ideia de que o homem tem uma base efetiva que está sempre presente, por mais racional que pretendamos ser em nossas escolhas. Talvez porque só possamos admitir uma razão absolutamente instrumental, isto é, avaliadora apenas de meios para alcançarmos o fim inicialmente pretendido, que, em alguma medida, já foi "escolhido" afetivamente, de modo prévio, por parte deste complexo que chamamos de "eu".
   O ativista americano Eli Pariser, num livro de 2011, "já diagnosticava que, nas redes sociais, a tendência é nos cercarmos de opiniões que reforçam nossas crenças. É o conceito de filtros de 'bolhas'". O conceito pode ser novo no que concerne às redes sociais, mas é clássico para quem já se percebeu lendo qualquer texto a respeito de teses sobre determinada questão. A aproximação pelos textos que reforçam nossas próprias teses é quase natural. Contudo... para alguém que quer reforçar racionalmente suas próprias posições, é absolutamente fundamental confrontar abertamente as teses contrárias. Só assim o pensador honesto poderá testar a coerência da sua própria tese.
   Mas voltemos ao texto da matéria.
   Segundo Maria Homem, parte do problema é que "O debate virou catarse e as pessoas já chegam com raiva e emoção antes mesmo de a conversa começar". Portanto, não estaria sendo dada relevância à pretensão racional do debate.
   Mas o historiador Murilo Cleto diagnostica que "as pessoas não estão dialogando melhor porque sua ação nas redes não se dá pelo diálogo, mas pelo que ele chama de performance".
   O psicanalista e professor Christian Dunker acaba complementando a visão de Murilo Cleto, quando trata da conquista de audiência com a supracitada performance. Segundo Dunker, para conquistar a audiência, aquele que se insere em um pretenso diálogo faz um discurso em que o básico “é dizer o que a média já pensa, oferecer opiniões simplórias de bar”. Percebamos que não se trata de “simplificar” os argumentos, a fim de que eles se tornem inteligíveis para todos, mas repisar terrenos sem ganhar profundidade, ficando, como foi dito, nas “opiniões simplórias de bar” – se bem que, quando vou ao bar com meus amigos da Filosofia, acho que escavamos bastante os assuntos. Rsss.
   A matéria apresenta “Quatro mandamentos para uma boa discussão”. Seriam elas:
1)  Não distorça – atribuir ao adversário pontos de vista que ele não tem. Por ignorância ou má-fé mesmo, a conversa passa a girar em torno da negação de argumentos que nem sequer existem.
2)  Não personalize – é quando você ataca o adversário não pelas falhas no discurso dele, mas pelo seu caráter ou traços pessoais.
3)  Procure saber – é muito comum um debatedor colocar em dúvida o que o outro diz simplesmente porque não sabe do que o opositor está falando.
4)  Evite ironia – Não apenas isso, mas também sarcasmo, exageros [...] e ameaças (sutis ou explícitas). [...] Mas, se o objetivo é realmente expor uma tese, ouvir a antítese e chegar a uma síntese, carregar o discurso com piadas só vai poluir e polarizar o ambiente.