segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

De-bate em de-bate


   O título do post é o mesmo de uma matéria publicada no jornal O Globo do último sábado. 
   A ideia básica apresentada era a de que, apesar de um aparente crescimento dos debates, por conta dos espaços disponíveis principalmente no mundo virtual, estamos vivendo uma crise nesse quesito.
   A matéria começa indicando que "debate", segundo o Aurélio, significa "troca de ideias em que se alegam razões pró ou contra, com vistas a uma conclusão". O ponto problemático está no "com vistas a uma conclusão". 
   Segundo Janet Sternberg, que é doutora em Teoria da Mídia, chegou à conclusão de que "vivemos uma crise do diálogo: nunca foi tão difícil ouvir o outro e trocar ideias".
   Outra estudiosa, Maria Homem - graduada em Filosofia e mestra em Psicanálise -, explica que "o debate político-social acontece entre duas pessoas, com impulsos, vaidades e preconceitos que eles mesmos, às vezes, desconhecem. E há vontade de vencer sempre. É como se fosse um diálogo de surdos". 
   Como indica a própria matéria, antes de apresentar a avaliação de Maria Homem, "vale lembrar que há mais fatores envolvidos do que a simples oposição de ideias. O que está em jogo não é só a razão, mas um bocado de emoção". 
   Em alguma medida, essas duas passagens reforçam a ideia de que o homem tem uma base efetiva que está sempre presente, por mais racional que pretendamos ser em nossas escolhas. Talvez porque só possamos admitir uma razão absolutamente instrumental, isto é, avaliadora apenas de meios para alcançarmos o fim inicialmente pretendido, que, em alguma medida, já foi "escolhido" afetivamente, de modo prévio, por parte deste complexo que chamamos de "eu".
   O ativista americano Eli Pariser, num livro de 2011, "já diagnosticava que, nas redes sociais, a tendência é nos cercarmos de opiniões que reforçam nossas crenças. É o conceito de filtros de 'bolhas'". O conceito pode ser novo no que concerne às redes sociais, mas é clássico para quem já se percebeu lendo qualquer texto a respeito de teses sobre determinada questão. A aproximação pelos textos que reforçam nossas próprias teses é quase natural. Contudo... para alguém que quer reforçar racionalmente suas próprias posições, é absolutamente fundamental confrontar abertamente as teses contrárias. Só assim o pensador honesto poderá testar a coerência da sua própria tese.
   Mas voltemos ao texto da matéria.
   Segundo Maria Homem, parte do problema é que "O debate virou catarse e as pessoas já chegam com raiva e emoção antes mesmo de a conversa começar". Portanto, não estaria sendo dada relevância à pretensão racional do debate.
   Mas o historiador Murilo Cleto diagnostica que "as pessoas não estão dialogando melhor porque sua ação nas redes não se dá pelo diálogo, mas pelo que ele chama de performance".
   O psicanalista e professor Christian Dunker acaba complementando a visão de Murilo Cleto, quando trata da conquista de audiência com a supracitada performance. Segundo Dunker, para conquistar a audiência, aquele que se insere em um pretenso diálogo faz um discurso em que o básico “é dizer o que a média já pensa, oferecer opiniões simplórias de bar”. Percebamos que não se trata de “simplificar” os argumentos, a fim de que eles se tornem inteligíveis para todos, mas repisar terrenos sem ganhar profundidade, ficando, como foi dito, nas “opiniões simplórias de bar” – se bem que, quando vou ao bar com meus amigos da Filosofia, acho que escavamos bastante os assuntos. Rsss.
   A matéria apresenta “Quatro mandamentos para uma boa discussão”. Seriam elas:
1)  Não distorça – atribuir ao adversário pontos de vista que ele não tem. Por ignorância ou má-fé mesmo, a conversa passa a girar em torno da negação de argumentos que nem sequer existem.
2)  Não personalize – é quando você ataca o adversário não pelas falhas no discurso dele, mas pelo seu caráter ou traços pessoais.
3)  Procure saber – é muito comum um debatedor colocar em dúvida o que o outro diz simplesmente porque não sabe do que o opositor está falando.
4)  Evite ironia – Não apenas isso, mas também sarcasmo, exageros [...] e ameaças (sutis ou explícitas). [...] Mas, se o objetivo é realmente expor uma tese, ouvir a antítese e chegar a uma síntese, carregar o discurso com piadas só vai poluir e polarizar o ambiente.

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