sexta-feira, 28 de novembro de 2008

KANT E LOBATCHEVSKI

Kant, como se sabe, pretendeu inaugurar, com a sua Crítica da Razão Pura, um tribunal para a razão, a fim de investigar-lhe os limites e, assim, torná-la mais consciente de suas reais possibilidades. Longe de querer diminuir o campo de ação da razão, parece-me que Kant quis garantir-lhe um certo “conforto” para lidar com a realidade, sem precisar ser obrigada a “calar sobre o que não se pode falar” – como dizia Wittgenstein.
Interessante a opinião de Bachelard a respeito de Lobatchevski – um dos desenvolvedores da mudança na Geometria com base euclidiana -, também sobre a razão. Gaston disse: “Lobatchevski fundou a liberdade da razão em relação a ela mesma, tornando flexível a aplicação do princípio da contradição”.
Caramba... afirmação ousada, hein!

Kant, aliás, tinha sua opinião sobre a Geometria Euclidiana – que, até sua época, era a única existente. Ele achava que a Geometria Euclidiana era única e absoluta e que suas proposições seriam sintéticas a priori. Entretanto, com a revolução promovida pelos trabalhos de Gauss, Bolyai, Lobatchevski e Riemann, ficou demonstrado que o “espaço euclidiano” era apenas uma das possibilidades para o desenvolvimento da geometria.
Apenas mais um caso de “restrição no domínio de aplicação”, como disse Cláudio Costa?

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

AS FRONTEIRAS ENTRE O ANALÍTICO E O SINTÉTICO

O título desse post é um item do livro de Cláudio Costa, "Uma introdução contemporânea à Filosofia" - que achei excelente. O autor diz que há proposições aparentemente intermediárias entre o analítico e o sintético, fazendo uma ótima análise sobre o assunto. Cita, também, a idéia de W. V-O. Quine de que a distinção analítico-sintética é falsa e injustificada - que Kant não nos ouça! O texto vale a pena ser lido. Depois farei um resumo.
Mas o que eu quero falar aqui é de uma análise específica, que interessaria muito ao nosso querido Spinoza. Como se sabe, uma verdade evidente para Spinoza, modelo do que ele dizia ser o “claro e distinto”, era que “a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a dois ângulos retos”. Pois bem, Cláudio Costa faz a seguinte análise dessa proposição:
“Essa é uma proposição analítica da geometria euclidiana. Como há dois séculos atrás a geometria euclidiana era a única, pensava-se que essa proposição fosse aplicável a todos os domínios concebíveis. Não obstante, com a descoberta de geometrias não-euclidianas, construíram-se triângulos cuja soma de ângulos internos passou a ser diferente de 180º. Além disso, a Física moderna demonstrou que o próprio espaço físico não é realmente euclidiano: quando as distâncias são suficientemente grandes, a soma dos ângulos de um triângulo deve mostrar-se diferente de 180º. Pode-se pensar que a proposição deixou de ser analítica, tornando-se falsa. Mas essa seria a maneira errônea de considerar a questão. O que foi revisado foi o domínio de aplicação da proposição. Com o advento de geometrias não-euclidianas, ficou claro que nem todo o espaço concebível é euclidiano. A proposição teve, portanto, seu domínio de aplicação restringido. Bem explicitada, ela sempre significou ‘A soma dos ângulos internos de um triângulo na geometria euclidiana é de 180º’. O que o caso considerado torna patente é que proposições são analiticamente verdadeiras sempre relativamente às convenções estabelecidas em um certo sistema de linguagem. É um erro acreditarmos que a experiência possa revisar as proposições analíticas no sentido de que elas se tornem sintéticas, que percam o seu caráter a priori, a sua marca de necessidade. O que a experiência revisa é o domínio de aplicabilidade das proposições analíticas”.
Importante pensar nisso antes de colocarmos Spinoza e Bachelard para conversarem.
E “2+3=5” é uma proposição analítica ou sintética? Depois eu falo sobre essa...

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

GASTON BACHELARD

Sempre me atrai muito a “potência” intelectual de um pensador. A capacidade de convencer-nos do improvável é um traço marcante dessa “virilidade” intelectual. Aliás, se houvesse um “Viagra” intelectual, eu experimentaria um “azulzinho”. Quem sabe conseguisse “performances” dignas de um Heidegger ou um Leibniz, por exemplo?
Apesar dessa minha reverência à potência intelectual, não posso deixar de confessar, no entanto, que o que me liga efetivamente a um determinado pensador é, antes, o seu modo de existir. O viver “honesto”, que inclui um sistema filosófico “sincero”, que pretende nos afastar de uma ilusão, ao invés de querer nos envolver em uma alucinação – a sua -, é o que me apaixona... no sentido mais “nobre” do termo “paixão”.
Nem é preciso dizer que a vida de Spinoza é quase um modelo ideal para mim. Mas há outras, com maior ou menor grau de heroísmo envolvido, como as de Thomas More, Voltaire, Locke, Aristóteles, sem falar no paradigmático Sócrates, que são modelos apaixonantes, também.
O fato é que agora tenho andado a “flertar” com o pensamento – e a vida - de Gaston Bachelard.
Para quem ainda não foi apresentado... Bachelard nasceu em 1884, na região de Champagne, na França. Ou seja, seu pai poderia ter comemorado o nascimento do rebento com um “espumantezinho” regional em alto estilo. Rsss. O bom senso do rapaz motivou-o a planejar uma carreira de engenheiro. Posteriormente, seu bom entendimento do mundo aproximou-o da Filosofia. Nem preciso falar da minha humilde identificação nesse aspecto. Rsss. Na Sorbonne, “seus cursos eram acompanhados por uma multidão de jovens entusiasmados com a profundidade e originalidade de seu pensamento e com sua personalidade vibrante, acolhedora e inconvencional”, conforme indica o volume da coleção “Os Pensadores”. Bachelard vem a falecer em 1962.
O que mais está motivando minha leitura sobre ele é sua avaliação de que com as mudanças científicas do início do século XX, principalmente com a Física Relativista, “estabelece-se um relativismo do racional e do empírico” e que “as próprias matemáticas, as ciências mais estáveis... foram levadas a reconsiderar os elementos de base”. Isso me faz pensar até que ponto o projeto spinozano original de um conhecimento total seguindo um modelo geométrico ainda faria sentido. Não que Bachelard invalide totalmente a utilização da razão, apelando para um “irracionalismo”. Pelo contrário! Bachelard caracteriza sua posição como um “racionalismo engajado”, que se ajusta a cada tipo de objeto, tornando-se essencialmente progressivo, aberto e setorial.
Pode ser um bom diálogo entre amigos esse de Bachelard e Spinoza. Quem sabe Bachelard possa contar a Spinoza as novidades da ciência desde a Física dos tempos de Descartes?! Prometo ficar espiando essa conversa e colocar trechos no blog.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O PADRE É POP!

No Fantástico desse domingo foi exibida uma matéria sobre o celibato dos padres católicos, e a conseqüente impossibilidade de casamento destes. Um dos entrevistados foi o “padre pop” Fábio de Melo, que já gravou cerca de dez CDs. Apesar do estilo “modernoso”, o padre mostrou sua total concordância com o celibato. Esta exigência conta com um grande número de adversários, ex-párocos, muitos casados, que querem voltar ao seio da Igreja católica, com permissão para realizar todos os sacramentos.
Embora eu sempre me mostre contra o arcaísmo da Igreja católica, em praticamente todas as suas áreas de pensamento, acho que, se o celibato é uma exigência da vida monástica, ele deve ser cumprido. Quem não quer ser celibatário – como eu, por exemplo -, que não seja padre. Alguns deles até argumentam “Mas os pastores evangélicos podem ser casados!”. Isso... convertam-se ao protestantismo e sejam pastores, então.
Outro argumento comum é o de que o celibato não é uma exigência da “tradição”, isto é, dos textos originários do catolicismo - É verdade! – e que, portanto, basta um papa ter a vontade de modificar este item e... zap!... todos os padres poderão casar. Mas o fato é que, enquanto não surgir um papa tão “liberal” assim – um do estilo dos Bórgia, por exemplo -, a “regra” está valendo. Uma boa sugestão, então, é eles deixarem de serem padres e voltarem apenas quando um novo papa “Bórgia” mudar as coisas... uma espécie de “exílio” voluntário da religião que os “oprime”. Findo o “governo do opressor”, eles retornam ao seu “território espiritual” de origem.
Mas... voltando ao “padre pop”.
Li uma rápida entrevista com o padre Fábio e gostei do conteúdo das respostas, que mostram que ele não é só mais um “rostinho bonito” do mundo da música. Ao ser perguntado sobre como a fé pode ajudar a combater a violência e a corrupção, o padre respondeu “... luto... por uma fé madura. Nada de alienações. O que cremos precisa mudar o que somos. Minha fé em Deus não pode se resumir ao rito de ir à missa. Ela só será realmente eficaz se continuar acontecendo através de atitudes corretas”.
Gostei, padre! É verdade que tenho minhas dúvidas quanto à possibilidade de uma “fé madura” no sentido religioso de “fé”, e que este estado de amadurecimento consiga eliminar totalmente as “alienações”, como ele diz. Mas, em essa “fé madura” existindo, concordo que a “fé não pode se resumir ao rito de ir à missa” – aliás, nem a qualquer rito, somente -, além disso “[a fé] só será eficaz se continuar acontecendo através de atitudes concretas”. O que mais vemos é uma total falta de conexão entre o que se diz e o que se faz, por parte dos fiéis – para não falar das próprias autoridades eclesiásticas.
Parabéns pelas opiniões, padre Fábio!

O ANIVERSÁRIO...

Imperdoável esquecimento foi não ter registrado o aniversário do “patrono” do blog, Sr. Baruch Spinoza, ontem, dia 24/11. A única desculpa é que ele também não lembrou do meu, dia 21/11.
Brincadeiras à parte... que o pensamento de Spinoza possa influenciar, principalmente no que tinha de corajoso e inovador, muitos outros pensadores!
Viva Spinoza!!!

Por falar em Baruch Spinoza, não é que vi a informação de que o Barack, do Obama, quer dizer “abençoado/bento”?! Pelo som, parece haver a mesma raiz.
Já torço mais pelo Obama, então.

LUIGI PIRANDELLO

O dramaturgo e romancista Luigi Pirandello, quando esteve no Rio, explicou seu estilo inovador dizendo “Não sou filósofo nem pretendo ser. Se minha obra exprime, como querem, uma concepção filosófica, essa concepção independe inteiramente de qualquer intenção consciente. Também não sei, nem me interessa saber, qual seja essa intenção. Sustento que uma obra de arte não pode ser intencional e limito-me a interpretar a vida como ela me aparece e o mais diretamente possível. E não se vive com os olhos abertos, vive-se cegamente. A minha convicção de que a personalidade é múltipla não é uma conclusão – é uma constatação”.
De certa forma, Pirandello acrescenta um comentário ao meu post do dia 17 de novembro de 2008, quando afirma que “uma obra de arte não pode ser intencional”, concordando comigo – desde que se aproxime o que ele chama de “intenção” e o que chamo de “finalidade” no item “a arte não deve ter uma finalidade”. Ele diz que sua única ação é “interpretar a vida como ela aparece e o mais diretamente possível”. Entretanto, acho que o “interpretar” dele seria mais um “apresentar”, já que qualquer interpretação é, em si, uma “modelagem”... impedindo esse “o mais diretamente possível” que ele propõe a seguir.
De qualquer forma, mesmo sem desejá-lo conscientemente, Pirandello realmente filosofa, por exemplo, quando afirma que “não se vive com os olhos abertos, vive-se cegamente”; isso sem falar na sua constatação, e não conclusão, segundo ele, “de que a personalidade é múltipla”.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Bom lançamento literário

Ótima notícia é o lançamento no Brasil do livro de Nagel Warburton, "Elementos básicos de Filosofia", do qual eu já havia falado da edição portuguesa em post anterior.
Parabéns à Editora José Olympio!