quarta-feira, 28 de abril de 2010

O trigésimo nono...

  Eu já havia falado, nesse nosso espaço, do amigo Alan. Começamos conversando, ao vivo, sobre um tema, que passou ao blog. De modo interessante, o assunto continua transitando entre o espaço "real" e o "virtual" - e vice-versa - sem efetivamente ter sido dado como resolvido. E, quem sabe, já não estarão sendo engendrados novos temas?
  Mas a ideia principal desse post é comemorar a chegada desse novo amigo ao nosso grupo.
  Seja bem vindo, filosofante amigo. Conto com alguns dos conhecimentos que já percebi que você tem, para enriquecer o nosso espaço, bem como com aqueles que você está a caminho de adquirir, bem rapidamente, em função do seu interesse e capacidade, evidentes para quem o acompanha.
 

Um alentejano simples

   Há já algum tempo eu não falo de vinhos, por aqui. Quem me conhece mais de perto, entretanto, sabe que essa é mais uma das minhas paixões, cultivada há alguns anos.
  Mesmo com uma "enocultura" razoável - depois de um curso, vários livros e inúmeras degustações orientadas -, ainda não me rendi completamente aos vinhos mais complexos. Mesmo como acompanhamento aos grelhados, por exemplo, ainda tenho preferência por aqueles vinhos mais jovens, bem "frutados".
  Por esses dias, adquiri e bebi um alentejano desse tipo que me agrada. A casa produtora já indica uma boa procedência: José Maria da Fonseca. As uvas, típicas do Alentejo, são a Aragonês (uma das minhas preferidas) e a Trincadeira. Bom teor alcoólico: 13,5%. Safra recente: 2008 (certamente adequada a uma maior paciência... talvez merecendo ser guardado para 2011).
  Xiii... faltou o nome do vinho. Aí vai: Montado.
  Meu "contabilístico" compadre perguntaria logo pelo preço. E eu responderia que este é outro aspecto positivo do Montado, pois ele está na faixa dos R$ 25 a 30!!! Vale a pena, hein!
  Depois de matar a saudade dos alentejanos, este fim de semana comprei outro - ou seria outra? - de nome "Rapariga da Quinta". Esse já tem características que indicam uma maior complexidade, afinal, trata-se de uma colheita "seleccionada"; incluindo no corte a deliciosa Alicante Bouschet; com 14% de álcool; tendo passado seis meses em carvalho.
   Uau... já deu vontade de experimentar!

terça-feira, 27 de abril de 2010

Em Platão, nada é fortuito

  Como meu amigo Henrique, sei que cada passo dos diálogos platônicos é planejado e construído - ainda que de modo não tão fiel aos fatos - seguindo intenções previamente elaboradas... e, aliás, finamente arquitetadas.
  Saltou-me aos olhos, portanto - e só agora, depois de tantas lidas da "Apologia de Sócrates" -, o fato de Platão ter contado a busca de Sócrates pela verdade da sua própria sabedoria, enunciada pelo Oráculo de Delfos, pesquisando junto a três grupos distintos: os políticos, os poetas e os artesãos.
  Embora a linha que percorra todos os questionamentos pareça se basear na ideia de que "eles pensam que sabem o que não sabem", há determinadas nuances que não me tinham chamado atenção antes.
  Senão vejamos...
  Ao questionar um político, Sócrates percebe que "ele passava por sábio aos olhos de muita gente, principalmente aos seus próprios, mas não o era". Ou seja, simples ignorância da própria ignorância... e, por isso, o não poder agir de modo correto, justificando suas pretensas boas ações.
  Mas, ao questionar a classe dos poetas, Sócrates não lhes condena o não poder fazer de modo correto. Ele reconhece que "os poetas compunham suas obras... por dom natural, em estado de inspiração, como os adivinhos e profetas". Então, o problema é só o de não ter a sabedoria para "justificar" suas composições. Mas, insisto, ainda se pode reconhecer a "competência" na sua atividade.
  Em certa medida, quando Sócrates vai inquirir os artesãos, ele também reconhece a sua "boa obra", ou seja, a sua competência no agir fabril. Mas indica que os "bons artesãos" têm o defeito de que "cada qual pensa ser sapientíssimo nos demais assuntos". Novamente, fica claro que Sócrates não deixa de reconhecer a "expertise" dos mesmos... o engano deles, entretanto, é querer avançar sobre um terreno desconhecido, ou "não-sabido".
  Desta forma, a única classe que sequer consegue agir bem... mesmo que por inspiração divina ou habilidade inata, é a dos políticos.
  Até onde Platão pretendia levar essa diferenciação entre as citadas classes? Qual sua intenção mais profunda? E, por último, será que é essa impossibilidade de acerto, ainda que "acidental", dos políticos que vivemos até hoje? Rsss.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Traduções

  A partir das leituras dos textos platônicos, realizadas pelo competentíssimo professor Fernando Muniz, percebemos - acho que posso falar por todos os seus alunos - a impossibilidade de trabalhar seriamente os diálogos sem o conhecimento do idioma grego. Utilizar um texto traduzido é como comer comida congelada "de caixinha"... não pode ter o mesmo gosto do prato original.
  É verdade que estou falando de um idioma que nem pertence aos nossos dias - afinal, "aquele grego" não é o mesmo que se fala hoje em dia na Grécia -, mas o problema se repete mesmo em línguas totalmente "vivas".
  O caderno Ideias, do Jornal do Brasil de 10 de abril, trouxe uma reportagem de Taynée Mendes, falando sobre o desafio da tradução.
  O texto começa assim:
  "O desafio da tradução criativa começa no momento em que constatamos que a única língua inteiramente ao nosso alcance é aquela em que vivemos", apresentando a opinião de Modesto Carone, autor do livro "Lições de Kafka" e tradutor da obra do escritor tcheco.
  Carone nos provoca, na reportagem, ao imaginar "a situação de um hipotético tradutor nórdico dos 'Poema(s) da cabra', de João Cabral de Melo Neto, diante de um verso como 'se a serra é a terra, a cabra é pedra', onde as consoantes duplas parecem encher o verso de pedregulhos, remetendo à aridez do Nordeste brasileiro".
  De minha parte, quando tentei ler "a poesia de Mayakovsky" - em Português - reconheci, "derrotado", que poesia não é coisa que se traduza. Aliás, sem saber, repercuti uma opinião do poeta Robert Frost, que afirmou que "poesia é aquilo que se perde nas traduções".
  A reportagem faz uma brincadeira com um ditado italiano sobre o "traduttore", o tradutor, ser sempre um "traditore", ou seja, um traidor.
  Heloísa Seixas, escritora e tradutora, por exemplo, diz: "Não se pode inventar, mas não dá para, por fidelidade, ser literal demais. Os dois extremos são pecados mortais". Se formos seguir Aristóteles, acreditando que a "boa medida" é o "meio entre dois extremos", ficamos com a opinião da Sra. Heloísa.
  Mas a tradução é necessariamente uma versão? Afinal, quem lê Platão-traduzido espera estar lendo, ainda assim, Platão... e não o tradutor de Platão.
  O tradutor Boris Schnaiderman, por exemplo, diz que: "A língua literária precisa ter ritmo, cadência. Embora a fidelidade semântica seja importante, para mim, é só uma parte". E Heloísa Seixas completa: "Suavizar já é traição. Tornar mais acessível, mais fácil, também; mas adaptar é preciso". Ao final dessa afirmação, ela toca num ponto complicadíssimo, penso, quando diz: "Cortar palavras e expressões repetidas... acho legítimo. Só a sensibilidade do tradutor é capaz de lhe dar discernimento para tomar decisões. Não há fórmula mágica".
  Embora eu possa concordar com a "especialista" no assunto, isso me parece um grande problema para o leitor "desavisado". Afinal, volto a dizer, quem lê a tradução espera estar lendo Platão... e não o Platão-do-tradutor.
  De qualquer forma, fica a observação de que ler uma tradução é sempre não-ler o filósofo, mas apenas obter um acesso mais fácil ao filósofo-em-si... que deverá necessariamente ser complementado pela leitura efetiva, se o trabalho que se pretende fazer for sério mesmo.
 

O 38º amigo dos amigos

  Após um looooongo período de feriados. Aliás, só feriados, não! Logo após o feriado de 21 de abril, que homenageia o enforcado "Tiradentes", enforcou-se o dia 22 de abril, Dia do "Terra a vista!", nosso descobrimento pelos portugueses, antecipando o feriado de 23 de abril, Dia de São Jorge da Capadócia - e lá é feriado, também?
  E aí, tivemos o final de semana.
  Nesse intervalo de tempo, aproveitei para pôr umas leituras em dia e estudar com a filhota. Por conta disso, o blog ficou meio abandonado.
  Retornando dessa "inatividade blogueira", enquanto reaqueço as "turbinas", aproveito para registrar a entrada, em nosso grupo de "amigos dos amigos", do Henrique.
  Aviso aos outros amigos dos amigos: não elogiem Sócrates e Platão na frente dele, hein!
  Brincadeiras à parte, nosso mais novo amigo é um crítico das "armações"... ou melhor, das "artimanhas" empreendidas por Platão na tentativa de valorizar Sócrates e diminuir os sofistas.
  Não há como negar que, muitas vezes, não é possível imaginar pessoas tão articuladas quanto os sofistas caindo em "armadilhas" tão óbvias como as que lhes arma Sócrates. Mal comparando, é como se alguém nos contasse que foi jogar Xadrez com um campeão internacional e lhe aplicou um "Xeque do Pastor". "Ahhhh... Essa não, né?!", diríamos incrédulos.
  Mas, voltando ao blog... Seja bem vindo, Henrique... e fique à vontade para comentar o que quiser!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Texto preguiçoso (3) ou...

  ... São Paulo, por Alain Badiou.
  Continuo, nesse post, discutindo com Alan, meu amigo - e não o Alain... Badiou, um pouco mais distante, em relação ao espaço físico.
  A ideia continua sendo a de refletir sobre a possibilidade de uma leitura "ideal" - ou seja, como "leitor modelo", segundo a teoria de Umberto Eco - de um texto como a Bíblia, ainda que sendo ateu.
  A novidade, nesse post, é o aparecimento do Alain - o outro, que não o Alan, meu amigo -, que produziu um texto sobre o apóstolo Paulo... mesmo sendo ateu.
  Comecemos pelo Alain Badiou e seu - o São!!! - Paulo.
  De início, mesmo sendo ateu, o título do livro de Badiou é "São Paulo: a fundação do universalismo". Estranho esse "São" aí, não?! Alguns diriam: "Mas o homem é santo, ué?!". Entretanto, eu lembro que muitos textos filosóficos usam para "Santo Agostinho", simplesmente, a denominação de "Agostinho de Hipona" ou "Aurelius Augustinus"... e por aí vai, demarcando bem o território que pertenceria ao seu pensamento filosófico em relação àquele em que ele é tomado como modelo da vida e do pensar da Cristandade.
  Mas a "entrada" de Badiou no post - de mãos dadas com São Paulo - tem a ver com sua ideia de "reconstituir a sua [de Paulo] proposta real [...] fora de qualquer religião" - conforme nos indica o prof. de Teoria da Literatura, Eduardo Guerreiro B. Losso, que escreveu comentário sobre o livro, no caderno Ideias, do Jornal de Brasil.
  Indica-nos ainda o prof. Eduardo Losso que Christoph Türcke "já tinha proposto a valorização de uma verdade teológica fora da teologia, no plano materialista da evidência do sofrimento na crucificação, sendo a contrapartida real da ressurreição, que então ganha um teor negativo", em seu livro "Do potencial crítico-ideológico da teologia: consequências de uma interpretação materialista de Paulo".
  E, deixando o Alain (Badiou) de lado, voltamos ao Alan daqui de perto.
  Não choca um pouco a você, Alan, ler algo como "uma interpretação materialista de Paulo"? A mim "choca"... Não que eu seja um defensor do "Paulinismo" - hoje, tomado como a melhor versão, ou a mais autêntica, do que seria o "Cristianismo" -, mas isso não parece condizer com o que o autor-modelo, ainda que este não seja exatamente o autor-empírico Paulo, propôs como "estratégia" para leitura do epistolário paulino.
  O prof. Eduardo Losso indica, em relação a Badiou, que "sua ousadia e uso livre de um texto bíblico deve ser apoiada contra aqueles que pretenderiam ter a posse da sacralidade de um texto e só tende a se enriquecer com o interesse da Filosofia Contemporânea".
  É verdade que, enquanto "usuários", podemos fazer um "uso livre de um texto bíblico... contra aqueles que pretenderiam ter a posse da sacralidade [desse texto]". O problema é que esse "uso" não corresponde a uma "interpretação", visto que o "uso" implica a não participação na estratégia do autor-modelo... o que só viria a ocorrer com a "interpretação" - aí sim, estaríamos nos comportando como leitores-modelo.
  Portanto, minha tese inicial da impossibilidade de leitura-modelo de um texto bíblico - aqui, exemplificando um texto "sagrado" de modo geral -, sem que se invista na adequação de nossa estrutura mental com aquela pretendida pelo autor-modelo - o que é impossível na circunstância de sermos ateus -, parece-me, continua válida.
  Voltando para o amigo Alan, agora.
  Muito relevante foi sua consideração de que a "Bíblia" possui textos de naturezas diversas - alguns "de conversão", outros "para reflexão" e mais outros tantos "biográficos".
  Continua num bom caminho - penso - o Alan quando propõe que "a problemática nossa está em separar e definir a intenção do autor do texto sagrado" - e, aqui, eu acrescentaria apenas "de CADA texto sagrado", após termos reconhecido as diferentes "estratégias" solicitadas por cada um.
  A tese do amigo Alan, entretanto, parece começar a ter problemas em dois pontos: (1) "Nesses textos [como o Pentateuco, por exemplo], cujo objetivo é fundamentar uma estória... [de] YAHWEH..., além de lapidar algumas doutrinas que já existiam na época [...] existe a possibilidade de sermos leitores-modelo"  e (2) "se estudarmos os textos sagrados fenomenologicamente, creio que existe total possibilidade de sermos leitores-modelo".
  No primeiro, porque ele escreve que aqueles textos "foram escritos como um fundamento para quem já possuía uma fé correspondente à que o autor está sistematizando". Alan faz uma apreciação mais profunda ao afirmar que a Torá dos judeus - os cinco primeiros livros da Bíblia cristã - "só serve para ser cumprida". Nesse caso, nem há que se falar em "interpretação" e participação na "estratégia do autor-modelo", visto que não há participação teórica no texto, apenas a prática. Ou seja, o texto é um conjunto de regras, que nos remete meramente a um Código. Se comparássemos com os nossos dias, não haveria como pensar em ser um "leitor-modelo" do Código Civil. Sua imposição obrigatória não é estabelecida por uma "estratégia proposta pelo autor-modelo"... o texto é apenas um instrumento do poder estabelecido, necessariamente normatizador da sociedade. Não nos cabe aderir intelectualmente a ele, ou não, cabe-nos cumpri-lo... e só!
  A outra abordagem dos mesmos cinco livros, sob um óptica católica agora, tomando-os como "Pentateuco", também parece, a mim, enfraquecer a ideia de que podemos nos tornar leitores-modelo. Isto porque não há apenas a estória de Javé como um deus acima de todos os deuses, etc. e tal, como explica Alan, mas há pressupostos metafísicos admitidos que fogem ao controle do autor-empírico - imagino -, mas que estão estabelecidos como "estratégia" necessária ao leitor-modelo. Se não aderirmos, por um ato de fé, à ideia da criação ex-nihilo, ou a de um criador de potência infinita, que materializa sua vontade, mesmo sendo imaterial... e outras coisas mais, ficamos presos à impossibilidade de nos tornarmos leitores-modelo... penso eu.
  O segundo aspecto colocado por Alan, da "necessidade" de estudarmos os textos fenomenologicamente, parece-me uma chave perfeita para entender, analisar e criticá-los... mas, em hipótese alguma, a mim parece que esse seja  o "jogo" que o autor-modelo gostaria de jogar conosco, enquanto leitores-modelo... mesmo quando não se trata dos textos apologéticos.
  Por último, destaco a ótima opinião de Alan, quanto à teologia. Ele, lucidamente, explica que esta "ciência" não estuda Deus, propriamente, mas aquilo que os seres humanos pensam ser Deus.
  Aqui, ficamos com uma dificuldade kantiana: e o que Deus é, em si, sem ser o que se apresenta para nós? Kant resolveria o problema - não em relação a Deus, pois, para esse, ele "escorregaria" através da Razão Prática - dizendo que o "Deus em si" é incognoscível, restando-nos apenas o "Deus fenômeno". Mas... se esse não pode ser "constituído" a partir dos nossos sentidos - ou seja, se estes não nos dizem nada a respeito Dele -, não há que falar em "conhecimento" propriamente dito.
  Mas... se não "conhecemos" Deus, não podemos falar de sua "existência" e... não seguimos a intenção do autor-modelo, que pretende tomá-lo como obviedade... portanto, não somos, ainda, leitores-modelo.
  Enrolei mais... ou desenrolei um pouco?
 

domingo, 18 de abril de 2010

Mark Twain

  O escritor americano Mark Twain completa 100 anos de falecimento no dia 21 de abril próximo. Nascido na Flórida, em 30 de novembro de 1835, sob o nome de Samuel Langhorne Clemens, o autor de "As aventuras de Huckleberry Finn", "As aventuras de Tom Sawyer" e "O príncipe e o mendigo" - entre outras estórias - faleceu em 21 de abril de 1910.
  Os "cem anos de morte" de vários autores foram lembrados de forma bastante "gloriosa"... o que não aconteceu neste caso. Não vemos as famosas republicações, nem estudos sobre o "simbolismo oculto" nos escritos, nem os painéis de discussão sobre a obra de Twain.
  O escritor, entretanto, não foi esquecido por Álvaro Costa e Silva, da coluna "Informe Ideias", do Jornal do Brasil, que forneceu as informações que disponibilizei acima.
  O que me inspirou a escrever esse post, no entanto, foram algumas criativas frases atribuídas ao norte-americano, que passo a citar:
  "Os radicais inventam as ideias. Quando já as esgotaram de tanto uso, os conservadores as adotam";
  "Quando um homem responsabiliza os outros por seus fracassos, é bom começar a responsabilizá-los também por seus sucessos";
  "A gente não se liberta de um hábito atirando-o pela janela; é preciso fazê-lo descer a escada, degrau por degrau"; e
  "Prefiro o paraíso pelo clima, o inferno pela companhia".
  E uma prova de que sua ironia alcançava até ao que normalmente fica incólume, o "eu mesmo", ele dizia de si: "Escrevi durante quinze anos, até descobrir que não tinha talento. Mas aí já era tarde para mudar".
  Estou rindo até agora...

"Causa sui"

  Comecei escrevendo um comentário de resposta ao querido amigo Existenz, mas senti que o pequeno texto poderia provocar alguma discussão a mais... e resolvi trazê-lo para o espaço dos posts.
  Portanto, esse post começa como uma resposta e se desdobra em uma pequena reflexão sobre a ideia de "causa sui".
  A resposta ao amigo Existenz começaria reconhecendo que a referência que fiz no post sobre o "Texto preguiçoso (2)" realmente não trata de nenhum "texto" trocado entre nós, mas de uma conversa na "Esquina Filosófica". Além disso, ele guardou bem a referência temporal, visto que esse colóquio se deu bem no começo de nossa amizade... pouco depois de apresentados por seu irmão.
  Sobre a definição spinozana da "causa sui", em algum momento, tem-se que aderir a ela. Caso contrário, teremos que admitir um remetimento ao infinito na cadeia causal. A "elegância" da definição spinozana, eliminando tanto a mera materialidade quanto fugindo à imposição apenas da espiritualidade, parece-me uma das grandes "construções" do sistema do luso-holandês.
  A "causalidade", como categoria da realidade, é uma relação empírica, e não lógica. Tanto assim que Hume conseguiu "sangrar" esse conceito até ele quase morrer. Quem salvou a "causalidade" foi Kant - novamente, ele. Rsss. Mas, salvou retirando-a da Natureza e colocando-a no ser humano... que a lança sobre a Natureza, enquanto percebe os dados que vêm dela.
  A noção de "causa sui", com o alcance que Spinoza dá, parece-me poder ser facilmente entendida com a simples substituição pela ideia de "continuidade". Aliás, a "infinitude", que será uma das cartacterísticas da Substância spinozana - desdobramento conceitual do que se inicia com a definição de "causa sui" - mostra-se, de modo perfeitamente admissível, como próximo à simples ideia do "incausado" - já que "está lá" desde sempre. Ou seja, "incausado" e "causa sui" - este último atendendo a uma atenção especial com a "causa eficiente" para os modernos - teriam o mesmo significado... não o de causa e efeito simultaneamente, mas de "elemento" que participará da cadeia causal, sem nada que possa ser determinado singularmente como sua causa isolada. E aqui se poderia pensar em algo como um círculo remetendo à Substância. Nenhum ponto dela é sua causa específica, porque todos participam do "jogo de causalidade" de que há um ponto "antes" e outro "depois" de cada ponto dado, sem que se possa falar exatamente em deles que delimite o começo desse todo que é a circunferência em si.
  E se a "percepção empírica" falar mais alto, exigindo uma "causa da causa da causa...", reforço que, em algum momento, teremos que desistir da pretensão de achar a causa primeira, assumindo uma parada "abrupta" - como Deus ou o Espírito, por exemplo - ou uma "eternidade" dessa linha de causalidade... lembrando que essa "eternidade"/"infinitude" pode representar não só uma linha que avança para o passado e o futuro, mas também uma curva fechada, na qual o tempo se desenvolve continuamente.
  A segunda foi a opção spinozana... enquanto, a primeira foi a opção de outros tantos.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Francofobia heideggeriana

  Herr Heidegger tinha, sem dúvida, uma grande potência intelectual... mesmo assim, por vezes, melhor teria sido ele ficar calado. Aliás, sob esse aspecto, não custa lembrar o "Por que não te calas?", dirigido ao nosso "vizinho" Hugo Chavez pelo rei espanhol Juan Carlos, bem como o "Do que não se pode falar é melhor calar!", de Wittgenstein.
  Digo isto porque o valioso - mas talvez não valoroso - alemão teria declarado, numa entrevista concedida ao semanário Der Spiegel, em 1967, o seguinte: "Os franceses, quando começam a pensar, falam alemão".
  Como diz o ditado popular brasileiro: "É melhor ouvir isso do que ser surdo!".

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Uma curiosidade, apenas

  Estando, hoje, em um computador que não costumo utilizar, quis acessar o "Spinoza e amigos". Entrei no Google e deixei que ele procurasse por mim, sem a necessidade de digitar os "ponto com" todos certinhos.
  Para minha surpresa, vi o "Spinoza e amigos" repercutido em blogs que eu nem conhecia... e, mesmo em alguns que eu conhecia, citações das quais eu não havia tido ciência.
  Alguns, como o de Pablo Capistrano, a respeito do livro de quem eu fiz breves comentários, pegaram-me totalmente de surpresa... da mesma forma que o site "The carbon capture report" - nesse, eu não tenho a mínima ideia de como fui parar! Rsss.
  É, "amigos dos amigos", assim o fermento acaba funcionando! Rsss.

Texto preguiçoso (2)

  Já sabem os "amigos dos amigos" mais antigos que tenho o hábito de trazer para a parte mais "visível" do blog comentários que acho passíveis de promover discussões interessantes. Sinto que desta forma a construção compartilhada do blog, tanto por mim, quanto pelos outros "amigos dos amigos", fica efetivamente estabelecida.
  Prosseguindo com isso, que julgo ser um bom hábito, continuo uma discussão iniciada ao vivo e desdobrada em um comentário do amigo Alan - o qual, faço votos, que se torne mais um "amigo dos amigos" de "carteirinha". Aliás, quando citei a nossa diferença de idade, pretendia muito mais marcar a potencialidade que ele tem a desenvolver, ao longo dos anos que virão, do que alguma diferença "quantitativa" de informações adquiridas por mim em relação a ele... Isso é importante registrar!
  Este post, entretanto, muito mais do que pretender responder ao comentário feito no blog, visa aprofundar um pouco mais o questionamento inicial de Alan, talvez até reforçando criticamente algo que ele já disse.
  Vamos lá...
  Lembrei-me de um outro "tête-à-tête" com o especial amigo Existenz. Falávamos de algum assunto - e eram tantos, que nem lembro exatamente qual -, até que, em dado momento, eu citei  a primeira definição, do primeiro livro da Ética - "Por causa sui, entendo aquilo cuja essência envolve a existência, ou, por outras palavras, aquilo cuja natureza não pode ser concebida senão como existente"... a bem da verdade, eu duvido que eu tenha colocado as coisas de forma tão bem encadeada assim, mas conto com a compreensão, por parte do amigo Existenz, quanto à minha falta de memória fotográfica no que diz respeito a citações,   Entretanto, ele logo "gritou": "Mas esse conceito de causa sui é incompreensível! Afinal, se algo é causa, não poderá ser de si mesmo, já que teria que ser causa do efeito que ele mesmo é". Dei sorte de ele não ter problematizado o par "essência e existência" - pelo menos, não dessa vez, já que isso aconteceu em diversos outros colóquios.
  Apesar de esse ser um diálogo à moda platônica, onde o autor - no caso, eu - "moldo" um pouco o discurso dos participantes de acordo com o interesse do que é exposto, o fato é que o perspicaz Existenz parece ter caído, também, nas tramas ardilosas da "causalidade" - logo ele, que critica tão veementemente o "determinismo" - ao estilo do senso comum, que sempre espera um efeito antecipado por uma causa. No limite extremo, entretanto, alguém terá que "ceder" e admitir um "efeito incausado". Aliás, Spinoza dá isso como uma definição, portanto, além de pressupor sua "evidência", propõe uma inquestionabilidade sobre seu "constructo" conceitual.
  Fato é, voltando... e concordando com Alan, que realmente há a necessidade de uma certa "adesão" à estratégia proposta pelo autor-modelo, a fim de que possamos postular o "cargo" de leitor-modelo.  Desta forma, mesmo um texto estritamente filosófico - como era o de Spinoza, que eu usei no exemplo - exige um certo grau de "comprometimento" com a estratégia proposta pelo próprio texto.
  E aqui, eu paro, não porque ache que o tema tenha se esgotado, mas reconhecendo um "peso" na opinião do amigo Alan que não me havia ocorrido ao momento da primeira discussão.
  Mas... a resposta ao ótimo comentário virá em breve...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Texto preguiçoso

  Umberto Eco - autor do superespetacular "O nome da rosa" -, filósofo, escritor e semiólogo, nos seus estudos linguísticos, disse: "Todo texto é uma máquina preguiçosa, pedindo ao leitor que faça uma parte do seu trabalho"... e complementa de modo bastante acertado: "Que problema seria se um texto tivesse de dizer tudo que o receptor deve compreender - não terminaria nunca".
  Um problema que Eco destaca, entretanto, é que "nem sempre o leitor sabe colaborar com... o texto".
  A partir dessa observação, Eco se utiliza de dois conceitos interessantes: o leitor-empírico e o leitor-modelo. E desdobrará esses conceitos, criando outro par que se oporá ao anterior: o autor-empírico e o autor-modelo.
  Explicando rapidamente, o autor e o leitor empíricos são aqueles que "têm nome e endereço" - como disse o professor Fernando Muniz. Ou seja, são os sujeitos "concretos", que efetivamente escrevem e leem os textos.
  Por outro lado, o autor e o leitor modelos são entes "imateriais". O autor-modelo é o "conjunto de estratégias estabelecidas para que o leitor se posicione diante do texto"; enquanto, o leitor-modelo seria aquele sujeito que se relaciona adequadamente com as "instruções" emitidas pelo autor-modelo. A respeito desse leitor ideal, Umberto Eco explica: "chamo de leitor-modelo uma espécie de tipo ideal, que o texto não só prevê como colaborador, mas ainda procura criar".
  Quebrando de vez o paradigma de um autor personificado concretamente que escreve um texto para um leitor, também personificado concretamente, Eco pergunta: "Quem determina as regras do jogo e as limitações? Em outras palavras, quem constroi o leitor-modelo? O 'autor', dirão... Mas, depois de estabelecer... a distinção entre leitor-modelo e leitor-empírico, cabe-nos ver o autor como uma entidade empírica que escreve a história e decide que leitor-modelo lhe compete construir...?". E responde, de modo enfático: "Deixem-me dizer-lhes que não tenho o menor interesse pelo autor empírico". Em suma, quem pretende orientar as escolhas do leitor-modelo não é o autor-empírico, mas o autor-modelo.
  Outro fato importante é que o leitor-empírico efetua a leitura do texto carregando consigo apenas as suas expectativas e desejos... enquanto se esperaria dele, enquanto leitor-modelo, que entrasse no texto pleno das ferramentas interpretativas que admitiriam sua participação no jogo, conforme as regras "sugeridas" pelo autor-modelo. 
  Uma primeira dúvida que surgiu, a partir desses conceitos trabalhados por Eco, foi a da possibilidade de efetuar uma leitura deixando de lado, de modo absoluto, esse conjunto de experiências, desejos e emoções que somos nós. Ou seja, até que ponto esse leitor-empírico pode dar lugar efetivamente a um leitor-modelo - que, aliás, só se utilizaria das suas vivências "empíricas" caso o autor-modelo solicitasse esse "comportamento"?
  Logo a seguir, pensei na dificuldade - ou até impossibilidade - de efetuar uma leitura de um texto sagrado como leitor-modelo, caso não tenhamos aderido à crença apresentada. O excesso de "neutralidade" diante de um texto desse tipo, ou, ainda mais, a "oposição" racional a ele, ainda admitiria que participássemos do "jogo" proposto pelo autor-modelo?
  A mim parece que é impossível ser leitor-modelo da Bíblia, caso se seja ateu, por exemplo. A recepção do texto, enquanto meramente histórico ou estético, por outro lado, embora possa ser altamente técnico, sério e bem feito, não me parece "encaixar-se" com a estratégia proposta pelo autor-modelo - que, neste caso específico, corresponde inclusive a vários autores-empíricos. Ou seja, parece-me fazer parte das regras do jogo impostas pelo autor-modelo, no caso da Bíblia, estar disposto a aceitar como verdades certos fatos, que, se são coerentes para quem adotou a fé cristã, de modo algum representa questões sem problemas para quem não aderiu a ela.
  Eis que Alan, um "filosofante", como eu - embora vários anos mais jovem -, propôs-me uma questão sobre se a falta de adesão, ou de concordância prévia, mesmo a textos estritamente filosóficos, também não limitaria a nossa atuação como "leitores-modelo" desses textos. 
  Eu acho que não. Penso que os textos estritamente filosóficos nos "arrastam" necessariamente, através de um desenvolvimento discursivo bem encadeado, a jogar segundo as estratégias do autor-modelo - um filósofo, nesse caso. Mesmo a falta de concordância com o "jogo" como um todo, não impede que se sigam as regras propostas e que "funcionemos" bem, enquanto jogadores/leitores.
  E vocês, o que acham?
 

terça-feira, 13 de abril de 2010

As sombras do Hades

  Volto ao assunto - já discutido por aqui, no post "O pós-morte grego" - sobre o tipo de existência, ou melhor, sobre o tipo de "eu" que perdurava após a morte, para o grego clássico.
  A colaboração, agora, vem de Homero e do professor Marcus Reis, especialista em Mitologia e em Filosofia Antiga. 
  Homero nos conta, no Canto XI da Odisseia, que Ulisses dirigiu ardente prece à "cabeça vácua dos mortos"... indicando a "despersonificação" dessa "sombra" - que era a "psyché" - dos já falecidos. O  professor Marcus reforçou essa tese da "ausência de memória" na psyché desencarnada. Entretanto, no mesmo canto, Homero indica que Elpenor, um marujo de Ulisses, se comunica com seu capitão rogando-lhe um sepultamento digno... Novo estranhamento!
  Logo a seguir, Ulisses permite que o tebano Tirésias beba o sangue do seu sacrifício, o que, de certa forma, dá força vital à psyché, transmitindo-lhe uma certa materialidade e possibilitando-lhe a memória - até então ausente.
  Outra prova disso vem quando Ulisses questiona Tirésias sobre o modo pelo qual Anticleia, mãe de Ulisses, se dirigiria a ele. O sábio tebano reforça a ideia de que o sangue é o "veículo" material a partir do qual a "sombra" se manifesta, dizendo a verdade - e quanto de "alethéia", no sentido de "rememoração", não haverá no texto original?
  Ponto para a teoria da "despersonificação" do tal "eu-sombra"!
  Mas... Homero complica novamente as coisas quando, no Canto XXIV, último da Odisseia, mostra um encontro das "almas" dos chacinados no Palácio de Ítaca com os heróis da Ilíada. Os heróis, como Aquiles e Agamemnon, inicialmente conversam. Depois, Agamemnon se dirige a um dos mortos por Ulisses e ele lhe responde.
  A despeito do fato desse último canto ser considerado como incluído posteriormente e, portanto, podendo guardar traços de mudanças de crenças no povo grego, a coisa não fica de todo clara.
  Pelo que já li... eu ainda apostaria em uma ausência de personalidade das almas que vão para o Hades!

Nossa 37ª amiga

  É com felicidade que recebemos mais uma "amiga dos amigos" - aliás, eu nem contabilizei... mas será que nós, os homens, já não estamos em minoria?
  Bem vinda Márcia. Obrigado pela visita e pela adesão a este grupo - a respeito do qual eu sou suspeito para emitir opiniões, mas que chamo de "maravilhoso".
  Infelizmente, o quotidiano nos reserva, por vezes, pouco tempo para dedicarmos a amigos "provocadores" - no melhor sentido possível. São tantos os compromissos, que acabamos guardando apenas aquele agradável "sabor" - distante - do que aquela boa conversa representou. Quando esse "sabor" é renovado, pela presença do tal amigo, a vida parece comemorar... e ganhar em sentido. Pelo menos, é isso o que sinto.
  Como uma dessas amizades, com toda sua informação, percepção, vivência e sensibilidade, espero que goste do nosso espaço e que participe - com total liberdade - do que conversamos aqui... ou do que não conversamos - afinal, é para isso que existem os "off topic".
 

A superstição

  Como já sabem aqueles que conhecem Spinoza, este filósofo tinha como uma de suas características principais o combate à superstição - aquelas crenças infundadas, que acabam por submeter os menos esclarecidos ao jugo de poderosos "espertalhões"... ou até de propagandistas de determinadas ideologias.
  Kolakowski, em "Pequenas palestras sobre grandes temas", no artigo "Sobre as superstições", lança uma provocação "desagradável" quando afirma: "Poucos de nós estão preparados para admitir que são supersticiosos". Entretanto, o clima fica mais ameno quando ele narra uma anedota sobre o tema, que inclui o grande físico Niels Bohr. A estorieta conta que, questionado sobre a presença de uma ferradura pendurada na porta, Niels Bohr respondeu: "Parece que traz sorte". O amigo que o interrogara rebateu irritado: "Mas como você, um físico, pode acreditar nessas superstições?". Esclareceu Bohr: "Não, de fato, eu não creio nisso... mas parece que traz sorte inclusive para aqueles que não acreditam".
  Parece que o intelecto pode pouco contra determinadas crenças... se bem que Spinoza já percebera que a razão não tem poder absoluto de eliminar a "não-razão" - aqui, significando o que não está sob o domínio direto do discurso consciente... sem nenhum sentido pejorativo.
  Mas... vindo de um físico do "quilate" de Bohr, a coisa soa tanto estranha como "reconfortante". Afinal, se ele, mesmo que de modo "enviesado", admite sua crença no "mágico", fica mais fácil os simples e ignaros "mortais" fazerem o mesmo.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Prefácio ao post sobre Antropologia Filosófica

  Tomei um puxão de orelha de uma amiga que lê o blog, mas não consta da lista de "amigos dos amigos". Ela indicou, com certa razão, que, no post sobre Antropologia Filosófica, eu "saltara" uma etapa importante: a explicação de cada uma das três perspectivas históricas sobre a questão "homem", que eu havia citado.
  Reconheço que poderia tê-lo feito, mas devo lembrar que, no próprio post, eu escrevi que pretenderia falar sobre essa divisão histórica - que, inclusive, registrei pensar ser demasiado reducionista - em ocasiões futuras. Naquele primeiro post da "série", queria discutir uma questão prévia, que era a relação entre esse saber-se homem e o pensar-se homem. Sob esse aspecto, eu quis dar relevo à dúvida da vantagem ou desvantagem dessa "posição privilegiada" do sujeito que se propõe como objeto ele mesmo.
  Entretanto, para não deixar minha amiga zangada comigo, vamos dar um rápido sobrevoo nas classificações em questão - ainda que registrando um certo desconforto com tão limitadas perspectivas.
  A primeira solução ao problema "o que é o homem?" seria dada pela perspectiva socrático-platônica, que daria ênfase ao homem enquanto "alma", capaz de reminiscências que a permitiriam ter contato com uma realidade efetiva. Não deixamos de encontrar aí uma "essência" humana, dada pela alma.
  A segunda solução seria dada pela perspectiva medieval-religiosa cristã, onde o homem continua tendo uma "essência", criada e finita. Continua uma dualidade corpo-alma, sendo a alma valorizada em relação ao corpo. Mas, mesmo nessa continuidade, há uma virada importante da epistemologia para a ética. Se na visão socrático-platônica a constatação ontológica dessa dualidade levava ao maior interesse na epistemologia - até porque a ética viria a reboque desta, já que "quem conhece o bem não faz o mal" -, na perspectiva cristã, o corpo contém necessariamente os vícios e a tendência ao pecado, restando à alma - enquanto "centelha divina" - o papel de destaque no campo ético.
  O homem, no seu conjunto, perde ainda a liberdade de agir e de conhecer de modo pleno; afinal, tanto o livre-arbítrio quanto o conhecimento são submetidos à uma Providência divina. E a razão, dona da "luz natural" se submete à fé, que possibilita o acesso à "luz sobrenatural".
  Mas a grande diferença dessa perspectiva é que o fundo sobre o qual se instala o homem - e a partir do qual ele poderá ser estudado - não é mais a natureza, o cosmo, mas o mundo divino. Desta forma, será a reflexão teocêntrica o ponto de partida para se estudar o homem.
  A terceira perspectiva, chamada aqui de pós-metafísica, vem questionar essa "essência" do homem. São diversos os pensadores que caminharam por essa senda. Nietzsche foi um, principalmente negando ao homem o privilégio da sua racionalidade sobre sua corporalidade... Heidegger foi outro, tentando "descoisificar" o homem... Sartre foi outro, afirmando que "a existência precede a essência", sendo esta última construída a partir da existência efetiva.
  Como eu escrevi antes, esse é só um sobrevoo rápido. Mas a pretensão é aterrissar em cada um desses "territórios"... vasculhando-os um pouco mais... encontrando, inclusive, outras "cidades" que foram "engolidas" por essa divisão territorial relativamente arbitrária.
  Espero ter "desmerecido" o puxão de orelhas da minha amiga, agora. Rsss
 

quinta-feira, 8 de abril de 2010

"Existenz"

  Lembrei-me do nosso querido amigo Existenz por esses dias, quando assisti ao filme de David Cronenberg - esse polêmico cineasta canadense.  A lembrança se deu pelo título do filme - "homônimo" do amigo aqui do blog -, mas também pelo conteúdo do mesmo, questionando as ideias metafísicas de uma realidade "estável", segura e passível de ser conhecida em seu sentido último.
  O tema já foi explorado por filmes como Matrix e Total Recall, por exemplo.  Em todos, questiona-se a "certeza" das "vivências", que acabam sendo fruto de algum simulacro de realidade. Entretanto, enquanto em Matrix e Total Recall temos uma referência bem estabelecida do que é o real, a partir do qual se tem certeza sobre o que é ilusório, em "Existenz" a coisa é mais problemática. Afinal, na última cena, quando nos sentíamos confortáveis com o estabelecimento do que pensávamos ser esse "ponto fixo" transcendente, a partir do qual toda a ilusão podia ser percebida como tal, ouve-se a pergunta, de uma das personagens: "Ainda estamos no jogo?"... então, perdemos aquele ponto "arquimédico", que tomávamos como apoio "real", de onde podíamos confortavelmente estabelecer o que era "virtual".
  Enfim, radicalizando, será que há a possibilidade de sermos apenas "cérebros em cubas de vidro", como provoca Hilary Putnam?

Já que temos falado nele...

  Leszek Kolakowski tem frequentado de modo bastante assíduo este blog. Num dos últimos posts em que ele aparecia, falei dos lançamentos prometidos para breve. Mas... eis que "investigando" em uma livraria, encontrei  "Pequenas palestras sobre grandes temas - ensaios sobre a vida cotidiana", do polonês, lançado pela Editora Unesp, em 2009. Esse não estava entre as previsões!
  São cerca de quarenta textos, cada um com algo em torno de seis páginas, versando sobre temas diversos. Temos "Sobre a fama", "Sobre a responsabilidade coletiva", "Sobre a liberdade", "Sobre o luxo", "Sobre Deus", "Sobre o respeito à natureza", "Sobre o terrorismo", "Sobre aquilo que é bom e verdadeiro", "Sobre possuir a si mesmo", "Sobre a inveja"... e, como títulos das duas últimas palestras "A democracia é contrária à natureza" e "Minhas profecias sobre o tema do futuro da religião e da filosofia".
  O livro promete... e em breve colocarei posts sobre ele!

Tristeza no Rio de Janeiro

  Normalmente utilizo este espaço para registrar meus sentimentos diante de algum acontecimento extraordinário, que traga tristeza à população... seja de onde for.
  Não poderia deixar de fazê-lo, portanto, diante dessa grande catástrofe em que se transformaram as últimas chuvas  aqui no Estado do Rio de Janeiro.
  Mal nos recuperáramos do primeiro dia do ano, em que deslizamentos em Angra mataram diversas pessoas... e, não bastasse a violência urbana quotidiana, temos que enfrentar o caso das chuvas que ceifaram as vidas de aproximadamente duzentas pessoas - por enquanto.
  Em Niterói - onde moro - as chuvas fizeram vítimas que podem ultrapassar o número de cem pessoas.
  É triste perceber que várias vidas foram "jogadas fora" pelo descaso das autoridades, que somente agora vêm à televisão dizer: "Ora, mas ali não é lugar para construção de casas!". Até que é verdade... mas por que motivo isso não foi questionado antes? Por que as autoridades cobram impostos mesmo de construções que carecem de condições mínimas de segurança?
  Sei que o momento é mais de ação, com recuperação dos desaparecidos, amparo aos desabrigados  e salvamento dos soterrados do que de críticas aos governantes... mas que não se espere até o outro evento desastroso para que iniciemos esses questionamentos e, mais ainda, que comecemos a dar solução para estes problemas.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Antropologia Filosófica

  A Antropologia Filosófica se propõe a responder basicamente à pergunta "O que é o homem?". Em tese, essa pergunta poderia ser antevista já em Sócrates... afinal, "O que é X?", pergunta socrática por excelência,  pode indagar sobre a "essência" de qualquer "coisa" - embora este "X" normalmente se referisse a uma virtude para a "Mosca de Atenas".  Entre essas, obviamente, poderia ser incluído o homem.
  Formalmente, entretanto, essa área da Filosofia só "nasce" lá pelos idos de 1920.
  Os aspectos históricos são relevantes nessa área, como em todas as que estruturam a Filosofia, porque podemos ver como a mesma pergunta pode ter respostas tão diversas ao longo do tempo... e mesmo como pode ter uma intenção totalmente diferente em cada momento em que é colocada.
  São várias as possibilidades de "divisão"  dos períodos da Antropologia Filosófica, segundo a fonte em que formos beber. Uma bastante aceita é a que estabelece três grandes concepções: a socrático-platônica, a medieval-religiosa e a pós-metafísica.
  Parece-me, entretanto, uma simplificação demasiado extrema, visto a riqueza das contribuições de tantos filósofos que pensaram sobre o tema "homem".
  Gostaria de, nesse post, e em outros futuros, ir discutindo essa historicidade das respostas dadas à questão "O que é o homem?"... e mesmo sobre a perspectiva em que a própria pergunta era feita.
  Neste post, entretanto, quero pensar sobre o fato do homem se colocar como objeto cognoscitivo dele, que é o próprio sujeito cognoscente.
  Isso representaria uma vantagem ou uma desvantagem?
  Podemos pensar que só seria possível responder à questão "Como é ser uma pedra?" - com a maior proximidade a uma "verdade absoluta" -, caso nos "transmutássemos" em pedra... ainda que por alguns instantes. Da mesma forma, poderíamos responder melhor a "Como é ser um cachorro?", se fôssemos cães. Desta última "vivência", poderíamos reter informações diversas que nos possibilitariam discutir, por exemplo, os limites éticos das experiências com animais como cobaias.
  Parece que, participando efetivamente da "vivência", estaríamos mais aptos a fazer um discurso pleno de sentido sobre aquele determinado ente.
  O ponto chave é estabelecer se  conhecer o "como" é realmente uma passagem segura para descobrir o "quê" - isso, se houver realmente um "o quê"... pois, lembremo-nos que existem também as ideias sobre um "construir-se" contínuo. Nesse caso, talvez fosse mais relevante saber o "como" se vai experimentando a nossa tal "humanidade".
  Mas, fiquemos, por enquanto, com a simplificação que o "essencialismo" nos confere.
  Além do ponto que destaquei como "chave", há outro muito importante, que diz respeito à nossa "intimidade" com o objeto estudado. Será que essa proximidade entre o sujeito cognoscente que somos e o objeto cognoscível, que também somos, causa "contaminação" das nossas observações ou será que ela garante, justamente, a clareza de nossas impressões?
  Sob esse aspecto, cientificamente falando - embora esse não seja necessariamente um paradigma a ser seguido pelo pensamento filosófico -, o pesquisador tem que se "afastar" do objeto pesquisado, a fim de não contaminar o experimento. Mas, neste caso, como... se é a nossa vida que é o próprio "experimento"?
  Por outro lado, a percepção de dados de forma imediata, sem a necessidade do observações mediadas pelo que quer que seja - a menos de algo que nos é inerente, ou seja, os sentidos - parece ganhar em "vivacidade"... permitindo uma análise mais precisa.
  Já temos o primeiro problema, então.
  Depois eu continuo...

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Ainda sobre livros... (3)

  Contam-me os amigos "bloguísticos" que a Submarino está oferendo livros ao preço módico de R$ 9,90!!!
  Que tal conferir se não há um título que agrade?

Ainda sobre livros... (2)

  Há pouco tempo, falei sobre Leszek  Kolakowski aqui no blog. Lembro aos amigos que na revista "Filosofia - Conhecimento Prático", número 22 - acho que é a mais recente! -, há uma matéria sobre este fantástico filósofo polonês. O título é  "Três vezes Leszek Kolakowski", que trata dos três pequenos livros lançados aqui no Brasil em 2009, apresentando-nos textos sucintos sobre trinta filosófos.
  Sobre esses livros, eu já havia escrito antes. Aliás, destacara algo parecido com o que foi escrito por Rafael Rodrigues, autor da matéria, de que os "três livrinhos... se não impressionam pelo tamanho... o fazem pelo conteúdo".
  A boa nova vem do fato de que a Editora Civilização Brasileira informa que está planejando para o segundo semestre de 2010 o lançamento de "Main currents of Marxism", "considerado um dos mais importantes livros de teoria política do século XX" - segundo Rafael Rodrigues -, mas que "mais títulos de Kolakowski serão lançados nos próximos anos".
  E, quem sabe, não tenhamos o "Two eyes of Spinoza" por aqui?

Ainda sobre livros...

  Outro dia eu comemorava a chegada do "Vocabulário de Espinosa", aqui no Brasil... embora registrasse que já era sortudo por possuir o texto original, em francês.
  De qualquer modo, atento aos lançamentos, gostaria de registrar que, junto com o "luso-holandês", chegaram também os "Vocabulários" de Platão e de Karl Marx. Todos da mesma WMF/Martins Fontes... por um preço acessível.
  A coleção original contempla uns vinte filósofos - salvo engano meu. Por enquanto, estamos começando... mas tenho certeza que teremos todos eles à disposição.
  Vamos lá, Martins Fontes!!!!

A 36ª amiga...

  Embora minha formação primeira - de engenheiro - faça com que eu me sinta relativamente confortável com números, a formação filosófica não me permite tratar pessoas quantitativamente. Então, comemoro efusivamente a chegada de mais uma companheira de "estrada", a Rita Mariana... muito mais do que o número "36", de colaboradores do blog.
  Seja bem vinda, amiga Rita!
  Até onde pude perceber, trata-se de mais uma amiga "d'além mar". Parece que o blog teve a sorte de receber amigos portugueses magníficos, ao lado dos brasileiríssimos companheiros do lado "de cá" do Oceano Atlântico. A amiga "inaugural" foi a Maria... mas temos o "peso" do Sérgio e dos outros, também.
  Só posso agradecer-te a presença, Rita, e desejar que te sintas muito bem, a ponto de teres vontade em contribuir com nosso espaço.

Mais leituras "filo-míticas"...

  Para quem, como a Claire, se interessou pelo tema "Mito", inserido forçosamente naquela parte da Filosofia que ganhou o nome de "Pré-socrática", sugiro outro livro: "Deuses e homens - mito, filosofia e medicina na Grécia antiga".
  O autor é Rodrigo Siqueira Batista, mestre em Medicina pela UFRJ e em Filosofia pela PUC-RJ... não é pouca coisa, não, hein, gente! Rsss. A editora é a Landy.
  Na orelha do livro, temos um comentário muito interessante da professora de Filosofia Maria Helena Lisboa da Cunha. Ela diz que o livro "investiga este vasto território ainda na aurora da Filosofia. Na tentativa de demarcar suas fronteiras, transversaliza os fluxos mítico-poéticos, filosóficos e científicos, sobremaneira afetivos, relevantes não só para os estudiosos da Filosofia, mas para os estudantes do pensamento".
  O índice nos dá uma boa ideia do que é abordado no livro. Na Parte 1, "A tessitura do Mito", temos: um prolegômeno à questão; as funções do mito; as estruturas do mito; os mitos cosmogônicos; as cosmogonias gregas e ocaso: os primeiros matizes da Filosofia.
  Já na Parte 2, "A aurora da Filosofia", aborda-se: a Filosofia pré-socrática: o Milagre do Trovão; Mito, Poesia e Religião na Grécia; Homero: a Ilíada e a Odisseia; Filosofia, Mistério e Dúvida; Do Mito à Filosofia e Crepúsculo: Mito e Cultura Ocidental.
  Por enquanto, não dei muita "bola" para a Parte 3, "A medicina na Grécia Antiga"... mas quem sabe eu esteja errado... afinal, há lá "Medicina e Filosofia: Há ruptura?", etc. e tal.
  Comprei o livro numa Feira do Livro, por um preço bem "camarada", já há algum tempo.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

"O Novo Portal da Filosofia"

  Tenho registrado alguns comentários sobre o livro "O Portal da Filosofia", de Robert Zimmer, aqui no blog. Aliás, estou em falta - como sempre - com a continuação da parte referente a Machiavelli. Num desses posts, especulei sobre a possibilidade de encontrar no "Volume 2" - ainda não publicado - um capítulo sobre a "Ética", de Spinoza. Curioso que sou, fui procurar na Amazon.com a publicação original, a fim de saber se obtinha essa informação. Ao que parece, não há tradução para o inglês, mas o acesso ao índice da publicação alemã revela que nosso querido holandês estará lá, sim. Uhu!!!
  É só aguardar o tal "Volume 2", que originalmente, aliás, tem por título o mesmo deste post, e "degustar" mais informações sobre o nosso querido filósofo luso-holandês (se eu não colocar esse "luso", a Maria me mata! Rsss).