segunda-feira, 26 de abril de 2010

Traduções

  A partir das leituras dos textos platônicos, realizadas pelo competentíssimo professor Fernando Muniz, percebemos - acho que posso falar por todos os seus alunos - a impossibilidade de trabalhar seriamente os diálogos sem o conhecimento do idioma grego. Utilizar um texto traduzido é como comer comida congelada "de caixinha"... não pode ter o mesmo gosto do prato original.
  É verdade que estou falando de um idioma que nem pertence aos nossos dias - afinal, "aquele grego" não é o mesmo que se fala hoje em dia na Grécia -, mas o problema se repete mesmo em línguas totalmente "vivas".
  O caderno Ideias, do Jornal do Brasil de 10 de abril, trouxe uma reportagem de Taynée Mendes, falando sobre o desafio da tradução.
  O texto começa assim:
  "O desafio da tradução criativa começa no momento em que constatamos que a única língua inteiramente ao nosso alcance é aquela em que vivemos", apresentando a opinião de Modesto Carone, autor do livro "Lições de Kafka" e tradutor da obra do escritor tcheco.
  Carone nos provoca, na reportagem, ao imaginar "a situação de um hipotético tradutor nórdico dos 'Poema(s) da cabra', de João Cabral de Melo Neto, diante de um verso como 'se a serra é a terra, a cabra é pedra', onde as consoantes duplas parecem encher o verso de pedregulhos, remetendo à aridez do Nordeste brasileiro".
  De minha parte, quando tentei ler "a poesia de Mayakovsky" - em Português - reconheci, "derrotado", que poesia não é coisa que se traduza. Aliás, sem saber, repercuti uma opinião do poeta Robert Frost, que afirmou que "poesia é aquilo que se perde nas traduções".
  A reportagem faz uma brincadeira com um ditado italiano sobre o "traduttore", o tradutor, ser sempre um "traditore", ou seja, um traidor.
  Heloísa Seixas, escritora e tradutora, por exemplo, diz: "Não se pode inventar, mas não dá para, por fidelidade, ser literal demais. Os dois extremos são pecados mortais". Se formos seguir Aristóteles, acreditando que a "boa medida" é o "meio entre dois extremos", ficamos com a opinião da Sra. Heloísa.
  Mas a tradução é necessariamente uma versão? Afinal, quem lê Platão-traduzido espera estar lendo, ainda assim, Platão... e não o tradutor de Platão.
  O tradutor Boris Schnaiderman, por exemplo, diz que: "A língua literária precisa ter ritmo, cadência. Embora a fidelidade semântica seja importante, para mim, é só uma parte". E Heloísa Seixas completa: "Suavizar já é traição. Tornar mais acessível, mais fácil, também; mas adaptar é preciso". Ao final dessa afirmação, ela toca num ponto complicadíssimo, penso, quando diz: "Cortar palavras e expressões repetidas... acho legítimo. Só a sensibilidade do tradutor é capaz de lhe dar discernimento para tomar decisões. Não há fórmula mágica".
  Embora eu possa concordar com a "especialista" no assunto, isso me parece um grande problema para o leitor "desavisado". Afinal, volto a dizer, quem lê a tradução espera estar lendo Platão... e não o Platão-do-tradutor.
  De qualquer forma, fica a observação de que ler uma tradução é sempre não-ler o filósofo, mas apenas obter um acesso mais fácil ao filósofo-em-si... que deverá necessariamente ser complementado pela leitura efetiva, se o trabalho que se pretende fazer for sério mesmo.
 

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