sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Para que Gramsci?

Nós, altivos sulamericanos, podemos dispensar totalmente o italiano Antoni Gramsci, afinal temos um dos maiores representantes teóricos do ideário neossocialista... bem aqui ao lado do nosso Brasilzão.
Nem preciso dizer que se trata da figura do intelectual que se retira para os altos cumes das montanhas do saber e que, de vez em quando, desce à terra da plebe ignara - na qual, obviamente, eu me incluo - para proferir ensinamentos sobre a "Revolução Bolivariana".
Isso mesmo, falamos do magnânimo Hugo Chavez (nem sei se deveria escrever "Chaves", lembrando aquela personagem que é um menino mexicano meio "matusquela". Não, não! Seria ofender muito o menino. Rssss), presidente da incrível Venezuela - maior produtora de Misses Universo... do Universo.
Deixando a brincadeira de lado...
Não tenho muita leitura gramsciana, mas não há como deixar de simpatizar com a figura humana de Antonio Gramsci.
A revista Cult desse mês traz o "Dossiê Antonio Gramsci". Como é costume da revista, vários autores escrevem textos referentes ao "objeto" do dossiê.
Pessoalmente, gostei mais de "Por um novo marxismo", de Linclon Secco, e da entrevista com Carlos Nelson Coutinho.
É necessário não perder de vista que Gramsci é um marxista crítico, mas é um marxista. Entretanto, deve causar arrepios nos marxistas ortodoxos quando escreve, por exemplo: "Os bolchevistas desmentem Karl Marx", indicando que "O Capital, na Rússia, é o livro dos burgueses".
O primeiro texto destaca um ponto crucial em que seu pensamento se aparta da "Filosofia da Práxis" anterior: a relação entre estrutura e superestrutura.
Gramsci se opõe ao pensamento "de sistema" do dirigente bolchevique russo Nikolai Bukharin, quando este "considera que a técnica determina o desenvolvimento histórico, ou seja, ele identifica a técnica com o conceito de forças produtivas materiais de Marx, estabelecendo uma relação mecânica com a superestrutura política, artística e cultural". Para o marxista italiano, "o problema era encontrar o grau de liberdade dos sujeitos políticos na história".
Gramsci não concorda com a crítica do idealista italiano Benedetto Croce de que Marx teria simplesmente colocado a "Economia" no lugar do "Espírito", de Hegel, e com isso teria produzido outro tipo de idealismo. Entretanto, superando tanto o materialismo quanto o idealismo, Gramsci sugere que, como não há economia sem sociedade - nem vice-versa -, base e superestrutura são conceitos relacionais.
Ele indica que "a separação operada por Marx é metodológica e não empírica". Portanto, "só aparentemente a economia se torna uma causa metafísica, um Deus desconhecido que opera a história".
O primeiro texto termina dizendo "Concretamente, o que encontramos é o bloco histórico, a junção de base e superestrutura produzidas simultaneamente pela ação humana".
Penso que o "exagero" marxista é investir as relações de produção, que aparecem como necessárias e independentes da vontade do homem, de uma força impossível de ser contrariada.
De minha parte, sempre coloco em questão se a "sociedade arrasta o homem, em suas ações, ou se são as ações do homem que arrastam a sociedade". Se, por um lado, o homem é formado em uma tradição; dela se vale para crescer e nela se move no quotidiano, por outro, é justamente essa mesma tradição que ele subverte e revoluciona a partir das suas ações individuais.
Portanto, considerar que o homem é um mero joguete nas mãos de um destino plenamente conduzido por forças externas - seja a Vontade schopenhauriana, seja o Absoluto hegeliano, sejam as relações econômicas marxistas - parece-me um certo exagero.

Nenhum comentário: