sexta-feira, 20 de novembro de 2009

"Epidemia do desencanto"

Esse é o título de um dos textos produzidos para o "Dossiê Depressão", da revista Cult do mês passado. O autor é Wilker Sousa.
O texto traz informações que me impressionaram. Apesar de minha assumida ignorância sobre o assunto, acho que algumas dessas informações podem completar o conhecimento dos amigos.
Inicialmente, o artigo informa que "estudos recentes da Organização Mundial da Saúde indicam que, em 2030, a depressão será a principal causa de incapacitação no trabalho, à frente, inclusive, do câncer e das doenças cardiovasculares. Atualmente, estima-se que 121 milhões de pessoas sofram da doença, ainda segundo a OMS".
A mim espanta saber que já há 121 milhões de pessoas no mundo portadoras dessa doença, considerada a "epidemia silenciosa do século XXI". Além disso, pensar que haverá um momento em que essa doença se tornará mais incapacitante, no aspecto laboral, que câncer e doenças cardiovasculares - que são tão temidas hoje em dia - é aterrador.
Perceba-se, também, que não se fala num mero "estado psicológico", mas efetivamente em uma "doença".
A matéria apresenta um histórico do "estudo dos desencantos e males da mente", indicando que seu início remonta à Antiguidade. Hipócrates, com sua Teoria dos Quatro Humores, indicava que o excesso de "bílis negra" no corpo causava um "quadro melancólico, cujos sintomas eram o medo e a tristeza". Somente muito mais tarde, sugeriu-se que a causa da melancolia não dizia respeito a uma substância, mas a fatores da natureza de cada homem, como amargura, solidão e tristeza. "No século XIX, o termo 'melancolia' perdeu força", diz a matéria. "A Psiquiatria passou a usar preferencialmente a palavra 'depressão' em substituição à 'melancolia'". O neorologista George Bard (1839-1883) cunhou o termo "neurastenia", que passou a ser considerada uma "doença da modernidade", que resultava das "condições extenuantes do crescente desenvolvimento industrial... Segundo ele, fatores sociais eram considerados fontes de adoecimento".
A revista demarca os dois campos em que se divide hoje a conceituação da doença, indicando dois representantes de ambos os pontos de vista. Num polo está Freud (1856-1939), com um "viés centrado, sobretudo, na fonte social do sofrimento", e, no outro, o "psicólogo e médico Pierre Janet (1859-1947), que enfatizava o aspecto orgânico e inato da depressão".
Portanto, hoje, temos a visão psicanalítica da depressão, como a defendida pela psicanalista Maria Sílvia Bolguese, com ênfase no sujeito, onde a reação depressiva teria que ser compreendida como reveladora de algo mais profundo, que seria um mal-estar do sujeito diante da vida, endossada pelo psicanalista Plínio Montagna, que diz: "De maneira geral, a psiquiatria puramente biológica trata o ser humano como se não tivesse subjetividade, uma história, um tecido de vivências que influenciam seu lugar no mundo"; contra a visão psiquiátrica, como a do psiquiatra Ricardo Moreno, de que "depressão é uma doença que tem como base uma disfunção química do cérebro", reforçada pelo professor Valentim Gentil, que diz: "Não adianta ficar procurando qual é a situação ambiental, a frustração, a perda... Devem existir perdas, fatores de estresse que precipitam, mas, uma vez precipitados, não vai ser tirar esses fatores precipitantes que vai resolver o problema".
Mesmo confessando minha ignorância específica no assunto, pelo que percebo, cada dia mais as neurociências vão desvendando as bases "fisiológicas" dos diversos distúrbios psicológicos. Diante desse fato, tomaria a posição psiquiátrica, não deixando de validar a ideia de que o "gatilho" que torna a doença "efetiva" provavelmente está na vivência subjetiva da indivíduo. Algo parecido com o que vemos em relação ao tabagismo ou ao alcoolismo, quando uma predisposição orgânica, se encontra as circunstâncias necessárias, acaba por se transformar em dependência. A comparação pode parecer simplória, afinal a doença em questão, a depressão, parece algo bem mais complexo, mas se trata apenas de uma analogia... com todas as limitações inerentes a qualquer analogia.
Outro dado que me surpreendeu foi o de que "em média oitenta pessoas por semana são submetidas à eletroconvulsoterapia - o popular 'eletrochoque' -, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo". Obviamente, não se trata mais daquele horror que constatamos nos filmes de cinema, hoje, "a corrente é reduzida e, para que haja a segurança na aplicação, é necessário que seja feita em um centro cirúrgico com a presença de um psiquiatra e de um anestesista". Segundo comenta Valentim Gentil, "as pessoas vêm de manhã para o Hospital das Clínicas, tomam anestesia, fazem eletroconvulsoterapia e voltam para casa após tomar café da manhã". Dito desta forma, fica bem mais "palatável".
Entretanto, um dos aspectos mais interessantes da reportagem me pareceu o seguinte parágrafo: "O uso crenscente e indevido de antidepressivos reflete, segundo o pisquiatra Luiz Alberto Hetem, vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), um sintoma da sociedade contemporânea: 'Está havendo em nossa sociedade uma medicalização do sofrimento. As pessoas não aceitam mais ficar tristes, ter dor, passar por momentos de angústia. Toma-se remédio para combater emoções normais'".
Esse é um diagnóstico que não se deve desprezar: toma-se remédio para combater emoções normais, como a tristeza. Ou seja, o ser humano está perdendo a capacidade de reagir, com sua fortaleza emocional, ao que o deixa triste, substituindo essa capacidade interna por um agente químico externo.
Parece que, além de exercícios físicos, estamos precisando de exercícios emocionais!

2 comentários:

Anônimo disse...

"Exercícios emocionais" é exatamente o âmbito de uma boa psicanálise.
Plinio Montagna

Ricardo disse...

Caro Plínio Montagna:
Primeiramente, muito obrigado por visitar esse nosso espaço. E, mais ainda, por registrar sua opinião.
Agora, vamos ao "comentário do comentário". Rsss.
Eu seria incapaz de discutir a validade dos "exercícios emocionais" realizados durante a psicanálise. Entretanto, mesmo que se reconheça a eficácia destes exercícios, será que não se fica meio "dependente" demais do "personal trainer" que os conduz?
Penso que talvez haja outras modalidades de "exercícios emocionais" que nos tornem mais capazes de um enfrentamento diante do mundo com nosso próprio "eu" conduzindo as "batalhas".
Explico-me, um pouco mais. Vejo inúmeras pessoas que fazem psicanálise que, ao enfrentar uma "desventura", bradam imediatamente: "Ai, tenho que falar com meu psicanalista!". Ou seja, parece que os "exercícios emocionais" só alcançam seu efeito prático se os "halteres" forem levantados por dois.
Novamente, muito obrigado pelo comentário e volte sempre.