sexta-feira, 25 de março de 2011

Ali Ahmad Said Esber

  Ainda do jornal O Globo de sábado... mas, agora, do Caderno "Prosa & Verso".
   O encarte cultural publicou uma entrevista com o autor ali... ali do título do post... o Ali Ahmad, que atende pelo pseudônimo - esse negócio de "alcunha" pode causar mal estar - de Adonis. Segundo o jornal, trata-se do "maior expoente da poesia árabe moderna", que infelizmente não possui nenhuma obra publicada no Brasil. Apesar de eu não ser muito fã de "poesia traduzida", abriria uma concessão para poemas escritos em árabe.
   Uma resposta me fez lembrar logo a Revolução do Irã... que deve ecoar também na cabeça daqueles que ficam indecisos se apoiam francamente ou com ressalvas essa onda de independência no Oriente. A pergunta do jornal foi "Há condições para a democracia laica nos países árabes? Que papel a religião deve ter nessas sociedades?". Antes de entrar no âmbito da resposta, quero lembrar que grande parte da preocupação ocidental - não sei se por excesso de egoísmo ou de lucidez - é sobre o que se tornarão os países do Oriente quando estiverem livres dos seus Kadafis e Mubaraks. Muitos analistas preveem totalitarismos muçulmanos, aos moldes do atual Irã, com sua democracia "de mentirinha", capitaneada pelo presidente "eleito" Ahmadinejad... aliás, é o que temo.
   Mas passemos à resposta de Adonis, que faz uma reflexão um pouco mais radical do que a minha:
   "A questão não é propriamente a religião, e sim o monoteísmo, que para mim é essencialmente antidemocrático. Seja cristão, muçulmano ou judaico, o monoteísmo acredita possuir a verdade última. Nessa situação, o indivíduo [...] deve apenas crer e obedecer. Como pode haver democracia assim? [...] Só podemos ser democratas se as crenças religiosas se tornarem hábitos individuais. Muçulmanos, cristãos e judeus devem ter seu espaço, mas a sociedade não pode ter religião, ela é dos seres humanos [...] É preciso separar a política da religião, o que soa simples, mas não é. [...] Em vez de disputar quem tem a verdade última, devemos acreditar que a verdade é uma busca comum e que ela está no futuro e não no passado".
   Eu, como "fundamentalista" de uma sociedade erigida sobre bases laicas, só posso concordar com o Sr. Adonis. Mas o que chama mais atenção é o diagnóstico - perfeito, segundo penso - de que não se trata apenas do perigo dos "fundamentalistas" muçulmanos, mas de qualquer doutrina/ideologia dogmática e excludente, que, no caso específico - já que a pergunta foi sobre a religião -, diz respeito a todas as religiões monoteístas.
   Embora vivamos, aqui no Brasil, numa sociedade muito mais aberta à participação de diversas perspectivas religiosas, é impressionante constatar que candidatos à Presidência tenham que, por exemplo, reunir-se com representantes de uma "linha" doutrinária específica para assumirem compromissos de não enviarem projetos de lei sobre temas determinados, considerados interditados à discussão por parte dos "religiosos", para poderem continuar com a esperança de receberem seus mandatos.
   A separação entre Estado e Igreja(s) - que realmente parece tão óbvia - não se efetivou completamente em muitos locais do mundo. E assim, continuamos reféns de dogmatismos e irreflexões assumidos, mesmo que reconheçamos que essas "verdades" religiosas se esboroaram desde que Galileu apontou seu telescópio para os céus.
   A lição que aprendi com o Sr. Adonis é que não preciso me preocupar apenas com os "fundamentalistas" muçulmanos no poder, mas com qualquer monoteísta - mesmo os "lights" -, porque eles já possuem suas verdades prontas, as quais não pretenderão discutir com ninguém... até porque seu "Critério de Verdade" - epistemologicamente falando - já está dado desde sempre: a fé revelada, que disse tudo o que era necessário saber... e ponto final.


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