sexta-feira, 20 de agosto de 2010

"Ama o próximo..."

  Em algum post do passado, eu já havia indicado a opinião de Andre Comte-Sponville de que ele se contentaria em viver em uma sociedade em que, se cada um não amasse o próximo como a si mesmo, pelo menos que o respeitasse.
  À época, achei essa ideia fantástica. Penso que ela, talvez, reconheça a nossa realidade, enquanto simples seres humanos, portadores de vontades naturais e culturais que colocam o outro sempre um passo atrás nas filas das prioridades, onde somos sempre os primeiros.
  Por esses dias, lendo "Uma ética laica", de Richard Rorty, relembrei Sponville. Em determinada passagem, durante um debate, no interior da questão dirigida ao autor do livro, surge a famosa citação bíblica do "Ama o próximo como a ti mesmo" - que, aliás, como eu já escrevi várias vezes por aqui, já está contida no Antigo Testamento... não sendo, por isso, pelo menos formalmente, exclusivamente cristã.
  Vejam a resposta de Rorty, meio que confirmando minha visão, apoiada na de Sponville:
  "Creio que o ideal de uma sociedade em que todos amam a todos assim como amam a si mesmos é um ideal impossível. No entanto, o ideal de uma sociedade em que todos têm respeito suficiente pelos outros... é um ideal possível".
  Ele complementa ainda: "E é o segundo ideal que, através do crescimento da democracia social e da tolerância, realizamos pouco a pouco nos dois últimos séculos".
  Penso, então, o seguinte, fazendo uma ponte com outro assunto "do dia": será que a falta de uma "democracia social" - não falo apenas em "democracia" no sentido político - não acarreta, por si só, um certo nível de intolerância dentro de determinada sociedade?
  E mais: não seria justamente a falta dessa "democracia social" - e, aqui, também política - o que tem criado alguns problemas para aquilo que nós temos percebido como os "fundamentalismos islâmicos" para os "lados" do Oriente?

Um comentário:

Anônimo disse...

Ricardo, acho que a questão é mais complicada do que parece. A expressão "democracia social" sozinha é muito ampla e poderia ser reivindicada pelas mais diferentes idéias políticas. Por exemplo: eurocomunistas, socialistas democratas, revisionistas, social democratas (em suas diversas facetas), social liberais, e muito mais... E cada uma vai ter uma idéia distinta e até conflitante dos termos “social” e “democracia”, assim, esses termos são particularmente amplos.

Rorty, no entanto, parece não ter em vista essa “disputa” de idéias, ele particularmente já tomou sua decisão. Ele fica simplesmente com as instituições de fato existentes, que, ao meu ver, seria um modo de encarar a questão um tanto genérico demais, ao mesmo tempo em que é restrito demais. É genérico por que existiram muitos governos e formas diferentes de regimes que podem ser de alguma forma chamados “democráticos” e com algum viés social no ocidente nestes últimos dois séculos, e muitos deles não foram lá muito “respeitosos” ou “tolerantes” (eu diria até grande parte deles). Além disso, ele coloca muita coisa distinta com o mesmo rótulo, sem atentar para as particularidades. É restrito justamente por que só fica no plano do já instituído, fazendo parecer que estamos fadados a sempre repetir o que já ocorreu, sem nunca poder buscar idéias e concepções diferentes do que se tornou hegemônico em termos de “democracia social”. Isso é particularmente cômodo para Rorty, pois a “democracia” ocidental veio de certa forma do modelo norteamericano, marcado por forte tendência liberal (justamente o ponto de vista ideológico defendido por ele). Portanto, é interessante para ele reduzir a enorme questão da “democracia social” a esse viés.

Quanto ao problema da “falta de democracia” nos regimes teocráticos islâmicos, eu não acredito que seja possível fazer um paralelo com esses regimes “democráticos” ocidentais, e a sua caracterização como “tolerantes” e “respeitosos”. Ambos, possuem suas “janela de vidro”, além de serem marcados por culturas e histórias distintas, incomparáveis em termos ideológicos. E o viés ideológico está sempre presente, por mais que se queira fazer das próprias instituições entes universalmente válidos e adequados. A coisa ainda piora pois é um assunto muitíssimo complicado, principalmente para um ocidental de origem cristã e ainda mais para alguém que não conhece realmente da história política do Oriente no século XX (como eu não conheço). Porém, o que posso acrescentar é um fato histórico importante: os países árabes foram fortemente dominados pelo Ocidente durante todo o século XX. Seus regimes e governantes foram impostos pelos ocidentais em várias ocasiões, inclusive estes ocidentais até mesmo criaram e “descriaram” países, demarcaram territórios nacionais segundo seus interesses, impuseram relações comerciais que feriam a soberania e cultura local, alteraram as instituições conforme suas próprias referências e padrões. Foi nesse “tão bonito” processo que “lhes concedemos” o regime democrático (o modelo “respeitoso” e “tolerante” das “democracias sociais” até então existentes no Ocidente). Será onde nesse “bolo” todo bastante emaranhado que encontraremos as causas da uma falta de democracia em diversos países islâmicos? De qualquer forma, será difícil ter certeza, ainda mais sem um aprofundamento teórico necessário.
Um abraço.