quinta-feira, 9 de julho de 2015

O Problema da Merda


  Em A insustentável leveza do ser, como eu disse no post anterior, o autor registra opiniões suas, fora da trama. Assim é que, na sexta parte do livro, conta como se deu a morte do filho de Stalin. Logo depois, narra sua leitura de uma edição do Antigo Testamento para crianças, com gravuras de Gustave Doré. Inocente seria a estorieta, não fosse o que viria como decorrência dela, uma análise sobre "O Problema da Merda", quase tão angustiante para os teólogos quanto o famoso "Problema do Mal". Vejamos o trecho do livro.
   "via nele [no livro ilustrado] o Bom Deus em cima de uma nuvem [...], tinha olhos, nariz, uma barba comprida e eu dizia comigo mesmo que, como ele tinha boca, devia comer. E se comia, devia ter intestinos. [...] Sem o menor preparo teológico, espontaneamente [...] já compreendia [...] que existe incompatibilidade entre a merda e Deus e, consequentemente, percebia a fragilidade da tese fundamental da antropologia cristã segundo a qual o homem foi criado à imagem de Deus. Das duas uma: ou o homem foi criado à imagem de Deus e então Deus tem intestinos, ou Deus não tem intestinos e o homem não se parece com ele. [...] Para resolver esse maldito problema, Valentim, grão-mestre da gnose do século II, afirmava que Jesus 'comia, bebia, mas absolutamente não defecava'. 
   A merda é um problema teológico mais espinhoso que o mal.[...]
   Enquanto foi permitido ao homem permanecer no Paraíso, ou (como Jesus segundo a teoria de Valentim) ele não defecava, ou, o que parece mais verossímil, a merda não era considerado algo repugnante. Ao expulsar o homem do Paraíso, Deus lhe revelou sua natureza imunda e o nojo.[...]
   Se, ainda recentemente, a palavra merda era substituída nos livros por reticências, isso não se devia a razões morais. Afinal de contas, não se pode pretender que a merda seja imoral! A objeção à merda é metafísica [ROLANDO DE RIR, AO LER ESTA FRASE]. O instante da defecação é a prova cotidiana do caráter inaceitável da Criação. Das duas uma: ou a merda é aceitável (e nesse caso não precisamos nos trancar no banheiro!), ou a maneira como fomos criados é inadmissível".
   Diverti-me com essa! 
   

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