Outro dia, conversava com um amigo sobre Filosofia Política. Tratamos brevemente sobre a coincidência cronológica entre Spinoza e Locke, mas da provável não influência teórica de um sobre o outro.
O assunto foi seguindo, e ele me perguntou: Por que só se ouve falar no Segundo Tratado sobre o Governo Civil? E o primeiro?
Realmente, fiquei sem uma resposta naquele momento. Sei que a Filosofia Política de Locke realmente se apresenta de forma clara no Segundo Tratado, com todo seu arcabouço teórico sendo aí proposto. Mas e o Primeiro Tratado?
Humildemente fui procurar a resposta. Em primeiro lugar, nem o texto do Primeiro Tratado, eu tenho. Achei, contudo, uma apresentação resumida do mesmo, capítulo a capítulo, no site da organização Arcos ( http://www.arcos.org.br/cursos/teoria-politica-moderna/john-locke/primeiro-tratado-sobre-o-governo-civil ). A partir dessa breve leitura, penso que, como se tratava de uma polêmica feita diretamente com o texto de Robert Filmer (1588-1653), O Patriarca, a obra fica muito "datada" e restrita à produção de contra-argumentos. Embora se depreenda que também são geradas ideias que poderão fundamentar o projeto posterior de Locke, efetivamente realizado no Segundo Tratado, de uma visão mais abrangente e melhor fundada teoricamente sobre o Governo Civil, ou seja, sobre o Estado, realmente parece que seria necessário para compreender sua visão geral apenas este último texto.
Além disso, o ponto de vista de O Patriarca, apoiando a monarquia absolutista fundamentalmente a partir da Bíblia, parece incomodar àqueles que estão pretendendo filosofar sem as barreiras impostas pela autoridade eclesiástica, como é o caso de Locke, mas também de Spinoza, entre outros.
O Dicionário de Obras Filosóficas, de Denis Huisman, publicado pela Martins Fontes, diz o seguinte, no verbete "Dois Tratados sobre o Governo":
"O primeiro [tratado] trava uma polêmica com Robert Filmer, autor de uma obra política que tivera alguma repercussão: Patriarcha (1680) [publicada postumamente]. Filmer, que também será atacado com violência por Rousseau, defendia o absolutismo monárquico, identificando o poder real com o poder paterno; para isso, baseava-se numa referência aos textos bíblicos. Locke, assim como mais tarde Rousseau, empenha-se em refutar essa confusão. O exercício do poder político não apresenta nenhuma analogia com a autoridade do chefe de família, e a comparação é objetivamente ilegítima. Por outro lado, nenhum dos dois poderes é transmitido por herança (segundo Locke, a herança só deve ser aplicada à propriedade). Ademais, esse primeiro tratado denuncia a utilização abusiva da autoridade da Bíblia por parte de Filmer. A lei natural não autorizaria, portanto, o poder de uma única pessoa sobre todas as outras; ao contrário, ela determina a liberdade".
Dito isto, e após uma leitura do resumo do Primeiro Tratado, disponibilizado no site da Arcos, sugiro que permaneçamos lendo somente o Segundo Tratado mesmo... validando o título do post "O segundo sem um primeiro". Rssss
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