quarta-feira, 29 de julho de 2015

O Spinoza de Bertrand Russell


   Tenho o volume III de uma coleção antiga do Bertrand Russell em que ele trata de Spinoza. O texto está todo marcado, mas teria que relê-lo para lembrar exatamente como o filósofo inglês apresenta seu amigo holandês. Prometo fazer isso em breve, e comentar aqui. Ultrapassadas as leituras obrigatórias da professora Marilena Chauí, este foi um texto de referência lido por mim... mas lá se vão anos.
   Contudo, o post de hoje tem a ver com outro texto de Russell, o "The elements of Ethics", que se encontra no livro Philosophical Essays. 
   Neste texto, em dado momento, Russell se propõe a analisar a questão do mundo ser completamente bom... ou, pelo menos, de alguns assim o considerarem. Diz ele, então:
   "The belief that the world is wholly good has, nevertheless, been widely held. It has been held either because, as a part of revealed religion, the world has been supposed created by a good and omnipotent God, or because, on metaphysical grounds, it was thought possible to prove that the sum-total of existent things must be good."
   Russell indica que não tratará do aspecto teológico da questão. Sem problema. Afinal, não seria essa a análise que a mim interessaria. Prossegue, então, um pouco mais adiante:
   "As a mattter of fact, those who have endeavoured to prove that the world as a whole is good have usually adopted the view that all evil consists wholly in the absence of something and that nothing positive is evil. This they have usually supported by defining 'good' as meaning the same as 'real'."
   É curioso como essa discussão remete claramente ao filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716). Quem não lembra do "melhor dos mundos possíveis"? Mas existe uma diferença: Leibniz indicava que este mundo não é completamente bom, mas que, numa reunião daquilo que é bom com o que é mau, a harmonia favorável seria a que efetivamente se materializa. Portanto, não é dele a posição que Russell indica como daqueles que usualmente o fazem definindo "bom" como significando o mesmo que "real".
   Eu só lembrei isso porque Russell tem um livro específico sobre a filosofia leibniziana. 
   Note-se, também, que há uma pequena diferença técnica entre "the world is wholly good" e "the world as a whole is good". A mim parece que a primeira se coaduna com o que Russell quer dar a entender como a pura negatividade do mal, mas que a segunda forma diz respeito mais à posição leibniziana de que o todo, isto é, retirado o foco sobre cada parte - a qual pode até ser individualmente má -, sempre será bom.
     Mas voltemos à discussão principal.
   Então, segundo Russell, a forma mais usual de afirmar que o mundo é completamente bom consiste em identificar "bom" e "real". Que seja. O problema vem com o que o filósofo inglês indica depois:
   "Spinoza says: 'By reality and perfection I mean the same thing'; and hence it follows [...] that the real is perfect". 
    Eu falo em "problema" não tanto pelo que Spinoza diz, mas pelo que Russell depreende da fala do holandês. Vejamos...
    Spinoza não diz, em momento algum, que sua definição de perfeição é a mesma de bom. Aliás, o filósofo holandês começa explicando a etimologia de "perfeito" - que quer dizer apenas "feito até o fim". Imaginemos, por exemplo, que uma casa é construída de cabeça para baixo. Se o plano do arquiteto - seja lá por quais motivos - era justamente produzir uma casa de ponta-cabeça, ao final desta loucura, a casa se dirá perfeita. Contudo, é usual estabelecermos - ainda que imaginativamente - um "modelo" universal a ser seguido e tentar identificar se o objeto de estudo se encaixa neste padrão, o que, não ocorrendo, dá ensejo a que falemos em "imperfeição" da coisa. 
   Spinoza lembra ainda que temos uma tendência a tentar identificar esses modelos - que seriam uma espécie de "projeto" - mesmo para as coisas naturais, a respeito das quais, em realidade, não temos como vislumbrar um "projeto" estabelecido por um designer.   
   Explicado isto, devemos, sim, reconhecer que Spinoza identifica "realidade" e "perfeição", como Russell indica em seu texto. Contudo, visto que não há aquele "modelo ideal" a ser seguido, o holandês simplesmente quer dizer que aquilo que existe, ou seja, o "real" está feito completamente, isto é, está perfeito. Mas... isto não quer dizer, em absoluto, que esteja "bem feito"... ou, mais ainda, que seja "bom".
   O "bom", segundo Spinoza, é o que é "verdadeiramente útil". Envolve, portanto, algum grau de subjetividade - ainda que essa possa não corresponder à de um indivíduo. Eu diria, reunindo todas as correlações de Spinoza, que "bom" é o que tem a capacidade de nos fazer verdadeiramente felizes... embora para conhecer aquilo que efetivamente nos faça felizes, tenhamos que nos deslocar rumo à sabedoria.
   Deste modo, resta-nos reconhecer que mesmo uma "fera" da Filosofia pode, talvez por açodamento, embaralhar as coisas, e se enganar em algumas de suas afirmações.

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