Eu não sou marxista - nem "marxiano", como é mais "filosófico-politicamente correto" dizer. De qualquer forma, insisto em procurar uma alternativa econômica para o capitalismo, na sua modalidade atual, conhecida apropriadamente pelo nome de "selvagem". Não acho que seja fácil encontrar essa alternativa... e não imagino, inocentemente, que o marxismo seja uma resposta imediata a essa minha busca. Entretanto, penso que os questionamentos postos por Marx, em alguma medida, possam ajudar - como, na verdade, já ajudaram, em alguns pontos específicos - a aprofundar a reflexão sobre o que chamamos de capitalismo, em busca, pelo menos, de uma nova modalidade menos perversa dele.
Pelos motivos apresentados acima, sempre procuro alguma leitura interessante sobre Marx - não exatamente sobre o "marxismo ortodoxo". Por esses dias, passeando por livrarias, encontrei o livro com o nome que dá título a este post - "Em torno de Marx" -, de autoria de um filósofo brasileiro - marxista - que me parece muito lúcido, Leandro Konder, publicado pela Editora Boitempo. Comprei o livro e, este sábado, no caderno "Prosa & Verso", do jornal O Globo, foi publicada uma entrevista com o autor.
O livro, segundo informa o jornal, é uma "tentativa de releitura das ideias do pensador alemão por meio do diálogo com as obras de seis marxistas heterodoxos: Walter Benjamin, Theodor Adorno, Hebert Marcuse, Jean-Paul Sartre, György Lukács e Antonio Gramsci". Acho que só essa informação garantiria ao livro - em um país dado à leitura e ao pensamento crítico... e com possibilidades de acesso às publicações - um bom lugar ao Sol na lista dos mais vendidos.
Gostei, especialmente, de duas passagens da entrevista de Konder, concedida a Miguel Conde.
Na primeira delas, Konder diz: "O mais importante é reconhecer as dores e frustrações que nos atacam quando olhamos em volta para a situação do marxismo hoje. O marxismo oficial totalmente esfacelado, a falência do modelo leninista, e por outro lado a prática de um marxismo difuso, pouco rigoroso, nas áreas vizinhas".
Pessoalmente, a mim não dói tanto quanto ao Leandro Konder, porque nunca fui marxista - nem ortodoxo-leninista, nem heterodoxo. Entretanto, essa percepção de que existe um "marxismo difuso, pouco rigoroso" é que, a mim, parece corresponder a soluções paliativas à sede com que o capitalismo submete as pessoas globalmente.
A segunda passagem que achei interessante corresponde à resposta de Konder para a pergunta "Marx considerava necessário escapar à ideologia, à visão de mundo parcial ligada à classe social, para chegar a uma percepção verdadeira da sociedade. Como o senhor vê essa luta contra a ideologia? É possível saber quando, afinal, conseguimos de fato escapar à ilusão e chegar à verdade? Ou há sempre uma dúvida, a possibilidade de que continuemos equivocados?".
Konder, embora de forma breve, responde filosoficamente, com muita propriedade: "Não acho que possamos estar certos de ter escapado à ideologia, mas é preciso conservar esse ímpeto de ir além da percepção unilateral dos problemas. Não devemos pensar o movimento teórico como uma superação definitiva da ideologia, é necessário perceber e respeitar a complexidade ilimitada da realidade. Mas, tendo isso em mente, é possível avançar na descoberta da verdade. O conceito de verdade é incômodo, amargo, mas inevitável. Sem ele, não há teoria do conhecimento que resista".
Analisemos, superficial e rapidamente, a resposta.
Primeiro, o reconhecimento de que não é fácil identificar seguramente se escapamos à ideologia. Aliás, eu diria até mais, se não escapamos de uma para, simplesmente, cair em outra. Isso, penso, é o que o homem mais faz: trocar de ideologias, imaginando estar livrando-se delas todas.
Brilhantemente, penso, Konder faz a colocação de que, se não é "claro e distinto" - como diria Descartes... e até Spinoza - que possamos garantir nossa fuga das ideologias, pelo menos, "é preciso conservar esse ímpeto de ir além da percepção unilateral dos problemas" - essa é a grande qualidade de quem se põe a pensar o mundo! - e completa "é necessário perceber e respeitar a complexidade ilimitada da realidade". Afinal, qualquer explicação do mundo, por mais "completa" que seja, é sempre uma redução da complexidade da realidade deste mundo.
Por último, gostaria de ressaltar que essa complexidade vai tão além de nossa compreensão que, por vezes, é necessário lidar com alguns paradoxos. E é o que reconhece Konder quando fala sobre a verdade - tema tão problemático da Filosofia. Ele diz: "O conceito de verdade é incômodo, amargo, mas inevitável. Sem ele, não há teoria do conhecimento que resista".
Ou seja, por mais que a "verdade" só exista com "v" minúsculo, indicando que só se pode falar em "verdades relativas" - ao contrário do que quiseram mostrar vários grandes pensadores de outrora - há que se pensar, necessariamente, em "verdades" para filosofar.
Mais um livro na minha "fila de leituras programadas".