quinta-feira, 29 de setembro de 2011

"A arte imita a vida"

   A frase do título é uma modificação de "A arte imita a natureza", de Aristóteles.
   A frase original, registrada na Física, Livro II, envolve alguns conceitos que estão bem distantes daqueles que parecem ser evocados à primeira vista.  Aristóteles trabalha com os conceitos de: "arte" (techné), "imitação" (mímesis) e "natureza" (physis). Não se trata, portanto, da "arte" como poiesis e da "vida" como práxis.
   Visto que a "natureza", no caso específico da frase aristotélica, se refere a algo como a característica mais essencial da coisa, ficamos com a ideia de que "a técnica repete no artefato manufaturado a essência da coisa natural".
   Entretanto, há um outro aspecto interessante, que diz respeito efetivamente à arte, no sentido atual que usamos. Mas desta vez o texto de referência é a Poética, também de Aristóteles.
   Nesse texto, o Estagirita fala especificamente da poesia - que, na Antiguidade, tinha um alcance bem maior do que a mera poesia lírica, como bem sabemos. Lá, Aristóteles deixa bem claro que a poesia, nesse sentido mais lato, é imitação.
   Até aqui, parece que estamos no caminho da frase que entitula o post - "A arte imita a vida". Entretanto, Aristóteles observa que o que é imiatado não são pessoas, mas ações. E mais, a "imitação" não é mera cópia. Caso fosse isso apenas, estaríamos fazendo simplesmente História com métrica e ritmo. A poesia, ou a trama que nela se desenvolve, deve ser verossímil, mas não "verdadeira".
   Porém, se é assim, "a arte imita... mas não copia a vida".

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Mais um "Notas filosóficas"

   O "Notas filosóficas" de setembro - tive um cuidado enorme para não errar o mês, viu, compadre? Rsss - aconteceu ontem.
   Comecemos pela música.
   Tivemos a presença da excelente cantora Carla Moraes interpretando Adriana Calcanhoto, acompanhada pelo virtuosismo do violinista Silênio Peres (espero estar registrando corretamente o nome). Nada menos que ótimo!!!
   Passemos à Filosofia.
   Nosso querido professor Silvério inovou. Em vez de escolher um filósofo para fazer "dobradinha" com as músicas, optou por um tema. Aliás, um tema amplo e "apetitoso": o amor.
    Com a competência de sempre, Silvério usou o tema como um ímã, atraindo diversos filósofos, como Platão, Schopenhauer e Kierkegaard, por exemplo, para apresentar suas doutrinas sobre o amor.
    Aberto o espaço - democrático - para as perguntas, ouvimos os "amigos da sabedoria" da plateia fazendo suas intervenções, e Silvério respondendo, mas também tentando provocar nas pessoas um pensar autônomo. Muito legal, mesmo!
   Parabéns, Silvério e Faiga, esta última pela organização impecável do evento. Mais uma "Nota Dez!!!" para eles e para a equipe do Occhio Caffé.
   Ah... desta vez, consegui convencer um dos meus compadres, o Paulo, a ir. E, como não poderia deixar de ser, ele gostou, adiantando, inclusive, que irá ao próximo. Em relação a este futuro encontro, nosso amigo Silvério já deixou "vazar" a informação de que teremos como "fundo musical" Gonzaguinha. Como fã do artista que é, duvido que minha esposa não esteja presente.
   

Somos 66...

   Antes de tudo, tenho que comemorar a chegada de mais dois amigos dos amigos. Temos, entretanto, um probleminha: só consegui identificar a nova amiga Mariliza... por causa da foto. Nosso(a) amigo(a) que chegou antes dela, como não tem foto, fica meio perdido(a) na lista.
   De qualquer modo, os dois são bem vindos. 
   Já dei uma espiadela, e vi que a Mariliza é professora de Filosofia. Espero que se sinta à vontade para criticar os posts, sugerindo, inclusive, novas perspectivas dos assuntos abordados.
   Quanto ao outro(a) amigo(a), desejando-lhe, também, as boas vindas, prometo tentar descobrir quem é. Rsss. 

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Em época de Rock in Rio...

   ... e de guitarras, sugiro um vídeo de Armandinho e Stanley Jordan tocando juntos... nada mais, nada menos do que Hendrix!!!
    Agora, como "Claptonmaníaco" que sou, não posso deixar de dizer que vale à pena conferir também a mesma música apresentada por Eric Clapton, David Sanborne e Sheryl Crow... em http://www.youtube.com/watch?v=l6F2qExLsic&feature=related

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Algumas críticas a Hegel

   Battista Mondin, em seu "História da Filosofia - volume 3", registra algumas críticas interessantes ao pensamento de Hegel.

   "... erro... no conceito hegeliano de devir: o devir não consiste na síntese de ser e não-ser, mas consiste de ato e potência, ambos, modos de ser.
     É errôneo também o conceito de ser, identificado com o ser em potência, e este, por sua vez, identificado com o não-ser, o nada... O ser poderia ser entendido deste modo se fosse considerado tão indeterminado que não tivesse nenhuma perfeição; na realidade, porém, o ser é a raiz de toda perfeição, inclusive das do devir e do pensamento, que são modos de ser.
   Merece crítica também a identificação da realidade com o pensamento e a consequente conclusão de que o pensamento põe a realidade. O pensamento não põe, nem cria a realidade; ele o atesta.
    É exagerada a procura de sistematicidade: a existência concreta não se submete ao sistema. É excessivo o otimismo que considera o mal como simples propedêutica ao bem e que pretende elevar o homem ao 'saber absoluto', sem levar em conta os limites evidentes da capacidade humana.
    É absurda, finalmente, a pretensão de construir, graças ao método dialético, um sistema acabado, uma vez que semelhante método exclui a possibilidade... de um ponto de chegada, porque ...[este deve] jazer sob a lei triádica da tese, antítese".
  
   Eu deveria ter deixado de fora aquela crítica à "exagerada procura de sistematicidade", com a observação de que "a existência concreta não se submete ao sistema"; afinal, isso poderia "respingar" no nosso querido Spinoza. Mas, eu corro o risco de deixá-la aqui, visto que nosso querido luso-holandês tem um sistema muito mais "redondo, claro e acabado".
   De qualquer forma, vale à pena a tentativa de entender o obscuro Hegel... até para poder, eventualmente, criticá-lo. Eu, particularmente, não me atrevo.

Hegel e a arte

   Segundo Hegel, a função da arte é expressar o Absoluto em forma sensível.
   Definição que já representa, penso, um desafio muito grande para a arte. Mas a "obra de arte" e o "valor artístico de uma obra" enfrentam um desafio maior ainda, segundo as definições a seguir:
   Uma obra é artística somente quando é manifestação concreta do Absoluto.
   Noossa!!! Manifestação concreta do Absoluto?!?!
   O valor artístico da obra é proporcional à sua capacidade de tornar visível o Absoluto.
   Coitado do pobre do artista, que tem que "visibilizar" esse Absoluto!
   Uma pergunta, agora: tudo o que vemos não é "manifestação concreta do Absoluto"? Então, tudo é arte?
   Brincadeiras à parte, a verdade é que já estaríamos falando da última etapa do desenvolvimento do Espírito, onde apareceria a tríade arte-religião-filosofia.
   Apesar de não ser artista, Hegel considera sua a obra mais bem acabada possível, sendo a Filosofia em que o Absoluto se torna perfeitamente consciente de si mesmo.
   

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Schelling, "comentador" de Spinoza

   Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854) era um verdadeiro gênio filosófico. Com apenas 21 anos de idade, era célebre por ter escrito "Cartas filosóficas sobre o dogmatismo e o criticismo" (1796), em que delineava seu sistema filosófico como um idealismo que tentava superar tanto o determinismo absoluto de Spinoza quanto o idealismo afirmador da liberdade de Fichte. Já com 22 anos, apresentava uma proposta mais acabada desse sistema, com "Ideia de uma filosofia da natureza" (1797).
   Não é estranho, portanto, que, contando com apenas 24 anos, tenha sido convidado a Jena, para substituir Fichte (1762-1814) - que, acusado de jacobinismo e panteísmo, teve que abandonar a universidade.
   Por outro lado, surpreende-me uma carta de Schelling ao seu amigo mais novo, Hegel (1770-1831), tratando sobre seu sistema, no que diz respeito às referências feitas a Spinoza.
   Escreve Schelling:
   "... para mim também os conceitos ortodoxos sobre Deus deixaram de existir [...] nós podemos ir além de um Deus pessoal. Pensarás, talvez, que entrementes me tornei spinozista! Não temas! Explicar-te-ei logo em que sentido. Para Spinoza é o mundo (o objeto, de modo absoluto, contraposto ao sujeito) que é tudo; para mim, é o eu.
   A verdadeira diferença entre filosofia crítica e filosofia dogmática parece-me consistir no fato de a primeira partir do eu absoluto (que ainda não está determinado por nenhum objeto), e de a segunda partir do objeto absoluto, isto é, do não-eu.
   Desenvolvidas logicamente e em profundidade, a primeira leva ao sistema de Spinoza, a segunda ao de Kant".
   Antes de qualquer consideração, há que se destacar que o "eu, que é tudo", para Schelling, não representa o mesmo "eu" oposto ao "não-eu", de Fichte. Seu "absoluto" é a fusão de todos os opostos - eu e natureza; sujeito e objeto; pensamento e ser.
   Passemos ao meu estranhamento, que absolutamente não tem a ver com a posição schellingueana de defender um Deus que não seja pessoal - afinal, essa é justamente uma posição de Spinoza.
   Até aqui, portanto, tudo bem. Sigamos, pois.
   Custou-me entender a afirmação de Schelling de que "para Spinoza o mundo (o objeto, de modo absoluto, contraposto ao sujeito) é tudo". Em momento algum Spinoza opõe "mundo"/"objeto" a "sujeito". Até mesmo sua epistemologia - lugar privilegiado para uma oposição desse tipo - determina que o verdadeiro conhecimento se dá quando o "sujeito" se percebe tão pertencente ao "Todo", à Substância, enquanto modificação desta, quanto o é o "objeto". Desta feita, o que marca "sujeitos" e "objetos" - se é que eles realmente são considerados com essa clareza e distinção no pensamento do luso-holandês, visto que só lemos sobre "modos finitos" -, na filosofia spinozana, é justamente o fato de eles não serem o próprio "tudo". Não concordaria, então, com Schelling, que Spinoza teria alinhado o objeto-mundo ao lado do "tudo", em oposição a uma possível sujeito-eu.
   A minha estranheza aumenta mais ainda, quando Schelling começa a tratar dos dois tipos de filosofias possíveis: filosofia crítica e filosofia dogmática. É importante não deixar de lado que Schelling dialogava filosoficamente, em seu momento histórico, com Fichte. Poder-se-ia imaginar, então, uma aproximação terminológica entre "filosofia crítica" e "filosofia dogmática", schellingueanos, a "idealismo" e "dogmatismo", fichteanos. Entretanto, como sua primeira grande obra opunha "criticismo" e "dogmatismo", para propor o seu sistema, que seria, esse sim, o verdadeiro "idealismo" - segundo suas pretensões -, ficaremos com um paralelo aparentemente mais simples e claro pensando "criticismo" como "filosofia crítica" e "dogmatismo" como "filosofia dogmática" - afinal, Fichte indicava que "idealismo" seria o sistema que desconsiderava a existência da "coisa em si", restando ao "dogmatismo" a posição kantiana, de manutenção da "coisa em si" no mundo, ou até, enquanto mundo.
   Ora, se a "filosofia crítica", conforme Schelling - e não como costumeiramente se associa a Kant -, parte do "eu absoluto", como sua radicalização levaria ao sistema de Spinoza, se o próprio alemão indicou que o holandês fundava sua doutrina no "objeto, de modo absoluto"?
   Para salvar Schelling, só posso crer que haja um erro de sequência na tradução da carta em questão. Entretanto, se sai "vivo", Schelling não deixa de ficar "chamuscado" nessa situação. Afinal, não me parece ter entendido perfeitamente bem o "monismo substancial" de Spinoza - sem sujeito ou objeto absolutos. 
    

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Uhu... somos 64 "amigos dos amigos"!!!

   Sejam bem vindos ao "Spinoza e amigos", Lorena e Sérgio José. Fiquem completamente à vontade para comentar - concordando ou discordando - os posts, e mesmo para sugerir novas discussões.
   Grandes abraços!

O "critério" nieztscheano

   Insiste-se em dizer que Nietzsche só "destruía" a sociedade e cultura, com suas críticas. Entretanto, seus admiradores sempre o defendem dizendo que, a esse momento "negativo", segue-se um outro "positivo", onde Nietzsche efetivamente estabelece um critério para uma "boa sociedade" - aquela dos "valores transvalorados". Esse é o chamado "Critério da Vida".
   Tudo parece resolvido, então. Se temos um critério, fica fácil julgar a partir dele. Nietzsche não seria um mero "niilista" radical, então.
   Surge, entretanto, uma questão: se existe um critério - que, etimologicamente, significa algo como um "instrumento para julgar" -, há que se ter um "juiz". O juízo passará, necessariamente, pelo crivo de uma "razão" - ainda que essa seja uma "razão" ampliada, envolvendo, por exemplo, o próprio corpo.
    Sabemos, pelo próprio Nietzsche, que os "parâmetros" que serão utilizados em paralelo com esse "instrumento para julgar" são a afirmação ou a negação da "Vontade de Potência". Depreende-se, então, que há "liberdade" de escolha. Escolher-se-ão, obviamente, os valores que afirmam a "Vontade de Potência".
   Surge, então, a dificuldade de explicar como se dá essa escolha livre em um mundo que "transcorre" num "eterno retorno do mesmo".
   Mais uma... Se é preciso uma adesão completa à "vida", através do "amor fati", seja sofrendo, seja gozando, onde estará a afirmação da "Vontade de Potência" no sofrimento?
   Quanto mais eu leio Nietzsche, mais eu acho que ele se enrolou nas próprias ideias.