Eu sempre enxergo grandes aproximações entre a obra de Aristóteles e a de Spinoza. Eu sei que são momentos diferentes, com fundamentos completamente desiguais - em alguns pontos até antagônicos -, mas sempre acabo conseguindo estabelecer vínculos textuais entre as duas filosofias.
Esses dias consegui comprar o The Philosophy of Spinoza - Unfolding the Latent Process of his Reasoning, de Harry Austryn Wolfson, publicado originalmente em 1934, dividido em dois volumes. Ainda voltarei a falar desse livro aqui. Por enquanto, só quero registrar que o autor faz uma análise das questões peripatéticas, que passam pelo medievo e chegam até Spinoza, e como o nosso filósofo dá conta delas.
Portanto, essa conexão que eu sempre enxergo acaba sendo efetivamente apontada por esse eminente comentador, com as devidas indicações textuais. Numa dessas referências, Wolfson tratava do Da Alma, de Aristóteles.
Eu só conhecia o livro superficialmente. Já havia lido pedaços dele, de uma versão das Edições 70 - que, surpreendentemente, achei péssima. A começar pela informação da capa, que indicava "Título original: De Anima". Ora, Aristóteles escreveu em latim? Peraí... o Estagirita escreveu o Peri Psyché. Este é o título orginal. Mas isso é obviamente um detalhe menor. A tradução de certos termos, que são conceitos aristotélicos, é que deixam a desejar mesmo.
Procurei a versão bilíngue da Loeb, mas só consegui encomendar pela internet. Mas acabei achando uma versão em Português que é ótima. Trata-se de Sobre a Alma, com tradução de Ana Maria Lóio, da Universidade de Lisboa, mas com uma adaptação para o Português do Brasil, feita por Luzia Aparecida dos Santos, publicado pela Editora WMF Martins Fontes, em 2013. Embora não seja bilíngue, várias notas indicam os termos gregos originais, permitindo o acompanhamento do conceito em jogo em várias partes do texto. Excelente! Melhor ainda é que o livro é mais barato do que a tradução do Edson Bini - tão questionada pelos especialistas em Filosofia Antiga... o que não é o meu caso.
Mas vamos aos fatos.
No meio das leituras, encontrei no site da Stanford Encyclopedia of Philosophy, o artigo Aristotle's Psychology, de Christopher Shields - autor, inclusive, de um "The Routledge Philosophers", do Aristóteles.
Agora, sim... Vamos ao que interessa. Vejam se a complicadíssima questão da "eternidade da mente", em Spinoza, não é lembrada nessa passagem do artigo, de Shields, cujo título é "The Active Mind of De Anima iii 5":
"After characterizing the mind (nous) and its activities in De Anima iii 4, Aristotle takes a surprising turn. In De Anima iii 5, he introduces an obscure and hotly disputed subject: the active mind or active intellect (nous poiêtikos). Controversy surrounds almost every aspect of De Anima iii 5, not least because in it Aristotle characterizes the active mind - a topic mentioned nowhere else in his entire corpus - as 'separate and unaffected and unmixed, being in its essence actuality' [...] and then also as 'deathless and everlastin' [...]. This comes as no small surprise to readers of De Anima, because Aristotle had earlier in the same work treated the mind (nous) as but one faculty (dunamis) of the soul (psuchê), and he had contended that the soul as a whole is not separable from the body".
Podemos ver que Shields indica a surpresa do leitor diante de um tema obscuro e disputado, que é o da "mente ativa", a qual não é afetada, ou seja, não se torna passiva, e que é imortal, durando para sempre. E a surpresa se torna maior por conta da informação anteriormente dada por Aristóteles, na mesma obra, de que a alma, como um todo, não é separável do corpo.
Em Spinoza, sabemos que, inicialmente, a mente é ideia do corpo - uma espécie de "contrapartida" deste, no Atributo Pensamento. Portanto, em tese, destruído o corpo, a mente também o seria. Mas, a partir da Proposição 20, da Parte V, Spinoza indica que falará da mente sem o corpo, e apresenta a tal questão da parte eterna da mente - composta apenas de ideias adequadas. Além disso, esta parte também não padece, é só ativa. Apesar da "ginástica mental", é bem complicado lidar com o tal "segundo momento da Parte V" da Ética, e da eternidade da mente.