Qualquer manual de Filosofia registra que a "subjetividade" é uma categoria que pertence à Modernidade. Insiste-se em dizer que, não diz respeito à Filosofia Clássica tratar do "sujeito"; que o "indivíduo" era absorvido pelas considerações da polis, etc. e tal. Tudo lido e absorvido por um bom aluno - no caso, eu - fica a seguinte pergunta heterodoxa: É mesmo assim?
Outra informação dos manuais parece contradizer essa: quando se trata das filosofias helenistas, diz-se claramente que, esgotado o modelo da polis, essas filosofias fizeram o homem olhar para dentro de si, buscando sua liberdade em seu interior, e não mais no meio social, exterior a ele mesmo. Ora, essa dimensão interior já não tinha ares de "sujeito", de "eu"?
É certo que se admite, em alguma medida, que Santo Agostinho, ao propor o seu próprio cogito, teria abordado a questão da subjetividade. Isto também está nos manuais.
Depois, lemos - ainda nos mesmos manuais - que Montaigne inclui o "eu" na sua filosofia, inaugurando um modelo - inclusive de escrita, com os Ensaios.
Mas eu pergunto, ainda que ouvindo ecos das respostas que me foram dadas sobre o "anacronismo de lançar categorias posteriores sobre pensamentos anteriores": É possível ler Ética a Nicômaco, ignorando a dimensão da subjetividade que há ali? Será essa uma leitura completamente honesta?
É lógico que ir contra uma "verdade estabelecida" é meio complicado. Para isso, há que se ter cuidado, passeando pelos textos e revirando-os, a fim de verificar se a tese contrária a da "tradição" tem algum fundamento factual.
Em certa medida é o que tenho feito, estabelecendo uma certa prioridade a esse assunto em minha pesquisa atual. É verdade que estou "contaminado" com a "falta de ingenuidade" de quem já leu Freud - o que pode ser considerado um problema para os "puristas" da Filosofia. Mas eu não quero simplesmente "enfiar" o sujeito freudiano na Filosofia; quero, sim, entender o sujeito, considerando também a possibilidade de utilizar ferramentas disponíveis fora do mundo considerado estritamente filosófico.
Mas não quero começar por aí. Quero iniciar identificando na Antiguidade a presença da subjetividade... e não simplesmente do indivíduo ou da pessoa.
No livro A Consciência - do Corpo ao Sujeito, de André Simha, em um trecho onde ele trata da "questão moderna do sujeito", há uma passagem que diz "Não se deve subestimar, porém, a riqueza das análises psicológicas produzidas pela filosofia do agir ético dos filósofos antigos (Platão, Aristóteles, os estoicos particularmente)". Embora ele diga, logo em seguida, que há uma perspectiva diferente sobre esse assunto, naquela época: "Mas essas análises dependem de uma antropologia filosófica determinada pela situação cósmica e política da alma".
Obviamente, há que ser consideradas as circunstâncias filosóficas - e mesmo culturais - de cada tempo, mas que há, pelo menos, "indícios" de que, ainda que em gérmen, o conceito de "sujeito" já me parece pertencer à Filosofia Ocidental há muito, isso parece.
Três livros que parecem ajudar a pesquisa são Breve História da Alma, de Luca Vanzago; A fragmentação da cultura e o fim do sujeito, de Rogério M. de Almeida, e Metamorfoses do sujeito, de Edouard Delruelle. Os dois primeiros são publicados no Brasil, pela Edições Loyola; enquanto o último português, do Instituto Piaget.
Quem quiser colaborar com a questão...