segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Zeus

  Como todos lembram, Zeus é o "deus dos deuses" na mitologia grega. 
   Na parte referente à Filosofia Grega, em Deus e a Filosofia, Étienne Gilson  conta que "Hera é a única divindade que Zeus realmente teme... em suma, a divindade mais poderosa, capaz de influenciar qualquer homem: a sua mulher". Bem humana essa característica do divino Zeus. 
  Deixando, entretanto, esse aspecto quase jocoso da mitologia de lado, é interessante perceber o que diz Gilson logo a seguir: "Contudo, o único poder absoluto ao qual Zeus se submete não o regula a partir de fora, mas sim de dentro... Zeus fica sem poder perante o seu consentimento, depois de o ter dado". E Gilson cita o seguinte exemplo: "Quando o seu filho mais amado, Sarpédon, se envolve numa luta contra Pátroclo, Zeus sabe que estava destinado que Sarpédon morresse. Dividido entre o seu amor paternal e o seu consentimento à Sorte, Zeus hesita inicialmente; mas Hera lembra-lhe severamente o seu dever".
  Interessante pensar que, ao lado da imortalidade e do infinito poder, mesmo a "divindade mais divina" dos gregos, tivesse esse compromisso "ético" como necessidade - e não como mera contingência de sua ilimitada vontade. Ou seja, pode-se pensar que, neste sentido pelo menos, não haveria liberdade absoluta nem mesmo para o Deus "absoluto". Isto é, após ter tomado uma decisão, ainda que livremente, ele não poderia mais voltar atrás... completamente.
   O que mais chama atenção é perceber, através do texto de Gilson, que a relação de um grego religioso com o Mundo - e, obviamente, com os deuses que lá estavam - é muito diferente daquela de um cristão atual, principalmente pela sua concepção de "divino". E, aí, cabe a reflexão se conseguimos realmente compreender o que está escrito em um texto grego antigo, quando lá está a palavra "theós".
  
 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

"Bandidos e falsos espertos"

  O título do post é o mesmo do artigo escrito no sábado passado, 11/12, em O Globo, por Rosiska Darcy de Oliveira.
  O artigo se inicia com uma reflexão sobre as dúvidas quanto ao futuro da cidade do Rio de Janeiro, após a "tomada" do Complexo do Alemão pelas autoridades institucionais. Cita-se, então, o fato de que estamos acostumados com a "montanha-russa do entusiasmo e do mergulho na vida real".
  A autora destaca que "ali se quebrou o paradigma do 'tudo é permitido' ... Essa, a mais auspiciosa herança da invasão do Complexo do Alemão". Passa, então, a uma reflexão sobre um paralelismo que, embora não seja dos mais agradáveis, espelha a realidade das coisas: o desrespeito às regras não aparece só no comportamento dos traficantes expulsos, mas também no "nosso".
  Diz Rosiska: "O que tem a ver os 'pequenos' delitos com a recuperação de um território ocupado por bandidos é que todos pertencem ao paradigma do 'tudo é permitido' que impregnou a cultura da cidade".
  O fechamento do artigo é ótimo: "O carioca 'esperto' é um pobre-diabo... Quantos mais formos a perceber o quanto essa esperteza é burra, mais inteligentes seremos. A chance do Rio agora é reconstruir sua cultura. O que implica demolir o mito da esperteza. E apostar no valor de múltiplos gestos cotidianos que releguem esse mito a um passado lamentável".
  Embora os "pequenos delitos" - como "trancar" um cruzamento; estacionar nas calçadas; jogar lixo no chão - não se igualem, em termos absolutos, integralmente às atividades criminosas dos traficantes expulsos do Alemão, há que se ponderar que, mesmo aos poucos, eles vão instituindo "a transgressão como valor". 
  Gostei muito.
  Está na hora de quebrarmos esse paradigma odioso da "Lei de Gérson", da "esperteza" - já que quem respeita às leis é bobo. Está na hora de mostrar o quão inteligentes são os que respeitam às leis, porque eles compreendem que são elas que garantem a boa convivência nas cidades... pelo menos, enquanto não formos humanos o suficiente para tratarmos os outros com respeito por uma mera questão de auto-satisfação que isso traz.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Grata surpresa: "Iluminismo radical"

  Já havia cruzado várias vezes com o livro Iluminismo radical, de Jonathan I. Israel, publicado pela Editora Madras. Olhei sua capa algumas vezes, e vi os rostos de Voltaire, Diderot, Rosseau, Robespierre, Locke e mais dois senhores que não são meus conhecidos. Não me chamou, então, atenção o livro, que me pareceu ser um calhamaço de quase novecentas páginas dedicadas ao Iluminismo francês principalmente.
  Após uma conversa sobre Spinoza, o espirituoso professor Antônio Serra - que, segundo ele mesmo, é "o único Serra que votou na Dilma" - enviou-me um e-mail falando do protagonismo que era dado a Spinoza neste livro. Ahhhhh.... aí, eu fiquei curioso. E não é que o "Serra que votou na Dilma" tinha razão!?
  Leiam comigo uma passagem do Prefácio: "Meu segundo objetivo [o primeiro era mostrar o Iluminismo europeu como um movimento único, apesar das diferenças "acidentais"] é demonstrar que o Iluminismo Radical, longe de constituir um desenvolvimento periférico, é uma parte integral e vital de um quadro maior e era, à primeira vista, mais coeso em âmbito internacional do que a corrente principal do Iluminismo [a moderada]. Quase sempre, a corrente principal moderada estava reagindo com consciência e até mesmo movida a desespero, àquilo que era percebido de forma geral como a perigosa ameaça colocada pelo pensamento radical. Muitos estudiosos, creio, irão se surpreender pela proeminência dada aqui ao papel de Espinosa e do Espinosismo não apenas no continente, mas até mesmo no contexto britânico, onde, em termos historiográficos, há uma persistente recusa de se reconhecer que Espinosa teve qualquer influência. No entanto, uma leitura minuciosa nos primeiros materiais sugere, ao menos para mim, que Espinosa e o Espinososimo era, de fato, a coluna vertebral intelectual do Iluminismo Radical europeu em todos os lugares e não apenas na Holanda, Alemanha, França, Itália e Escandinávia, mas também na Grã-Bretanha e Irlanda".
  Grata surpresa esse livro! Obrigado pela dica, professor Serra!
  Vai demorar a ser lido, mas, algum dia aparece um post aqui!

Heidegger e o nazismo

   Final de ano chegando... festas em profusão, mas, pelo menos, os compromissos acadêmicos diminuem. Aí então, é possível arriscar umas leituras "a mais" - se bem que há aquelas que ficaram por serem feitas e não o foram. Mas... empurramos o dever, mais um pouquinho, com a barriga e vamos ao prazer.
  Embora Deus e a Filosofia, de Étienne Gilson, e Filhos do Céu, de Edgar Morin com Michel Cassé, tenham tido partes que serviram a propósitos técnicos, agora entraram no rol das leituras hedonistas, e serão concluídos dessa forma.
  Entretanto, o que desejo registrar aqui - conforme o título do post indica - é uma "discussão" - no mais leve sentido da palavra - sobre o nazismo de Heidegger. Logo eu, um anti-heideggeriano, acabei virando advogado de defesa do alemão.
  Como todo bom advogado, tive que buscar provas para inocentar meu "cliente". E fui procurá-las em duas fontes: na famosa entrevista do próprio Heidegger, em 1966, para a Der Spiegel e no ótimo livro Hitler e o nazismo, de Dick Geary - segundo o próprio livro, "um dos maiores especialistas na história da Alemanha do século XX" -, publicado, aqui no Brasil, pela Editora Paz e Terra, em 2010. É verdade que este último livro não trata diretamente do "erro de Heidegger" - como dizia Hannah Arendt -, mas ilustra bem o cenário da época da ascensão do nazismo na Alemanha.
  Sobre a entrevista à Der Spiegel, eu já falei aqui no blog antes. Por isso, concentrar-me-ei no livro de Dick Geary.
   Em que pese a total certeza sobre o entusiasmo de Heidegger com o nazismo, no final do ano de 1933, quando foi guindado ao cargo de reitor da Universidade de Freiburg, seu ânimo parece ter arrefecido logo em meados do ano seguinte, quando ele se desligou do cargo.
  Mas vejamos se Heidegger estava "desalinhado" com os desejos populares - lembrando que ele não era um estudioso de Filosofia Política. Quando o NSDAP - o Partido Nacional Socialista de Trabalhadores da Alemanha - saiu da ilegalidade, sua primeira participação em eleições, em 1928, rendeu-lhe míseros 2,6% de votos. Ainda sem Hitler ter ocupado nenhum cargo administrativo - o que só ocorreria com a Chancelaria, em 1933 -, algumas eleições depois, em 1932, esse percentual tinha subido para pouco mais de 37%. Havia empolgação com a propaganda nazista - não tanto ligada ao antissemitismo -, que prometia desenvolvimento interno e abandono do jugo estrangeiro, bem como afastamento da "ameça" comunista e retomada dos valores tradicionais germânicos.
  O livro narra bem o começo dos campos de concentração, que recebiam basicamente comunistas e social-democratas - os quais formariam o primeiro "time" de pessoas submetidas à violência e à morte. Os judeus teriam direitos civis cassados, bens expropriados, trânsito limitado, mas ainda não estavam na lista dos assassinados de modo contumaz. Isso aconteceria com mais brutalidade a partir de 1935, com os SA - que depois perderiam autoridade para a SS -, e, enquanto política de Estado, o isolamento em campos de concentração dos grupos "indesejáveis" passou a ocorrer, em grande quantidade, a partir de 1936, mas o pogrom mesmo é de novembro de 1938.
   Aos poucos, poderei colocar alguns posts que mostram como se deu essa ocupação de todo o governo pelos nazistas que, mesmo quando Hitler assumiu a Chancelaria, só contava com dois ministros, sendo, portanto, um partido ainda médio, que precisou fazer composições com outro partido para ter maioria no Reichstag - o Parlamento Alemão.
  Entretanto, o que eu pretendo mostrar, por enquanto, é que o fenômeno nazista é muito complexo para que se possa julgar qualquer pessoa por ter aderido "superficialmente" a ele. No caso de Heidegger, muito mais difícil é realizar esse julgamento; afinal, ele não deixou marcas pessoais no processo de nazicificação da Alemanha... e, em tese - ainda que se possa acusá-lo de omissão -, não sujou suas mãos de sangue. Para pensarmos na dificuldade que era ser ativamente oposição ao nazismo, quando o partido efetivamente tomou conta de "tudo", basta perceber que as próprias Igreja Católica e Luterana não "socorreram" abertamente as vítimas do morticídio, fossem eles judeus ou comunistas - que ainda faziam parte da lista dos que não agradavam às duas instituições -, mas também alemães "associais", doentes, aleijados, etc.
  Há ainda que se reconhecer que não era muito "saudável" ser oposição - nem mesmo velada -, num lugar em que filhos entregavam pais; alunos entregavam professores e vizinhos se vigiavam mutuamente.
  Deixo claro, obviamente, que o ideário nazista é indefensável... mas há que se avaliar com cuidado a crítica que se faz aos alemães como um todo - e, especialmente, neste caso, a Heidegger - sobre sua "participação" e "adesão" voluntária a esta sórdida ideologia.
  Depois escrevo mais!
 

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Um assunto leva a outro

   Como eu registrei no último post, vinha trabalhando a Metafísica de Aristóteles em oposição às percepções de Tomás de Aquino, em seu opúsculo A natureza da matéria.
  Acabei me defrontando com questões cosmológicas e... acabei encontrando um pequeno livro chamado Filhos do céu - entre vazio, luz e matéria, publicado pela Bertrand Brasil, que corresponde a um diálogo entre o astrofísico Michel Cassé e o pensador "polivalente" Edgar Morin.
  Depois de conversarem sobre temas altamente interessantes, caem numa parte intitulada "Quando a matéria fala", onde falam sobre o campo de pesquisa de Cassé, a antimatéria. E quem é convidado a dar uma contribuição, ainda que involuntária? Quem respondeu "Spinoza" acertou.
  Diz Morin: "... a matéria e o átomo, que pareciam ser seu [do universo] substrato fundamental, representam apenas uma pequena [...] parte dele. [...] Eu diria que em proveito de um fisicismo real, ou seja, de um mundo concebido fisicamente, segundo os gregos denominavam physis, o que faz nascer, algo não redutível nem à matéria nem à energia, esse algo do qual surge a criação, ou melhor, as sucessivas criações. Com isso, não retornamos à intuição de Spinoza? Ao rejeitar a ideia de um Deus exterior ao mundo, que o teria criado como se cria uma máquina ou um produto, e considerar que esse Deus não existe, Spinoza inscreve a força criadora no interior do universo".
  Vejam, não sou eu quem persigo Spinoza... é ele que me persegue! O homem aparece em minhas leituras até de Cosmologia!!! Rsss.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

"Deus e a Filosofia"

  Tive que me debruçar sobre a Metafísica de Aristóteles para resolver alguns problemas sobre o "Primeiro Motor Imóvel" em sua relação com o Deus de Tomás de Aquino.
  Lendo uma bibliografia secundária, cheguei à opinião de Étienne Gilson sobre o Aquinate não ser um aristotélico. Estranha, mas fundamentada, opinião.
  Fiquei curioso sobre esta posição de Gilson e continuei pesquisando, até que esbarrei com o livro que dá título ao post, de autoria do famoso medievalista francês, publicado pelas Edições 70. Como havia um capítulo dedicado especificamente à Filosofia Moderna, fui em busca do retrato que fora pintado do nosso querido luso-holandês. 
  Grata surpresa...
  Gilson escreve: "Dos sucessores de Descartes, o maior metafísico foi Espinosa, porque, com ele, alguém disse, por fim, sobre Deus o que o próprio Descartes devia ter pensado e dito desde o início, se não como cristão, pelo menos como filósofo [...] Espinosa não tinha a religião de um cristão nem a de um judeu; não tendo qualquer religião, não se podia esperar que tivesse a filosofia de qualquer religião; mas era um filósofo puro, o que explica o facto de pelos menos ter tido a religião da sua filosofia".
  Gilson, então, explica o que é o Deus spinozano, ao longo de algumas poucas linhas, e chega à famosa "fórmula" spinozana: "... um Deus que 'existe e age meramente a partir da necessidade da sua natureza', não é nada mais do que uma natureza. Ou melhor, ele é a própria natureza: Deus sive Natura".
  Mais adiante, Étienne registra um belo pensamento: "Espinosa foi muitas vezes rotulado como ateu pelos seus adversários; também foi chamado, por um de seus admiradores alemães, 'um homem inebriado por Deus'. O que torna Espinosa tão importante na história da teologia natural é que ambas as apreciações são verdadeiras. Sendo um ateu religioso, Espinosa estava verdadeiramente inebriado pelo seu Deus filosófico. As religiões positivas, tal como ele as entendia, não passavam de superstições antropomórficas inventadas pelos homens para fins práticos e políticos. Não é de espantar que para os judeus, assim como para os cristãos, Espinosa parecesse sempre um homem sem Deus. Mas não nos podemos esquecer do reverso da medalha. Como filósofo, Espinosa é provavelmente o pensador mais pio que alguma vez existiu".
  Cada vez admiro mais Étienne Gilson... e... depois, eu conto mais! 

domingo, 5 de dezembro de 2010

É campeão!!!!!!

  Eu sempre "caio de quatro" com a inautenticidade heideggeriana quando se trata de futebol... e, agora, tenho que comemorar.... Sou campeão!!!!!!! O Fluzão é campeão brasileiro!!!!