terça-feira, 26 de janeiro de 2016

"Nobreza" (3)


   Volto ao tema "nobreza", depois de novos comentários do Eduardo.
   Como eu disse que faria, li todos os comentários e resolvi continuar pensando junto com os amigos sobre o assunto.
   Dirigirei minhas palavras ao Eduardo, mas compartilho as ideias com todos os que lerem o post.
   Inicialmente, quero informar que o "impediram que meu texto fosse publicado", dito pelo Eduardo, não diz respeito a mim. Nunca impedi nenhuma manifestação neste espaço.
   Compreendi, também, que "quem introduziu o conceito de classe média foi a jornalista". Mas não dei muita atenção a isso nos meus comentários. Portanto, a questão de "classe média" só aparece de modo transverso nas minhas considerações. 
   Uma outra questão me parece muito mais importante, e tem a ver com o que eu já tinha dito sobre a conversa ser com o conde ou com o filósofo, representados pelo mesmo Eduardo, que é a da "nobreza em si".
   Quanto a isto, eu tinha dito que certamente não teria como dialogar com o conde, mas que me sentia muito à vontade trocando ideias com o filósofo.
   Não me estranha o "conde" dizer: "Ser nobre é ter antepassados nobres" ou "Ser nobre não é ter um título. Ser nobre é ter ascendência nobre". Tampouco, ler dele: "O casamento entre nobres significa um somatório de ascendências, o que vai fortalecer a nobreza das gerações vindouras".
   Acredito, do fundo do meu coração, que o conde pensa assim. Tanto é que decidiu fazer valer sua condição de "nobre", procurando o reconhecimento efetivo desta, através dos trâmites burocráticos válidos para tal.
   O que eu não consigo entender é um filósofo dizendo o mesmo. Volto ao ponto que já citei: houve uma "naturalização" da condição de nobreza. Algo como se eu dissesse: "Ser uma laranja não é ser chamado de 'laranja' no mercado. Ser laranja é nascer de uma laranjeira". Ok. Isso é verdade. Se eu for ao mercado e vir que chamaram "caqui" de "laranja", eu vou discutir com o gerente, dizendo: "Não pertence à essência do caqui ser laranja". Mas o mesmo certamente não valerá para algo que é meramente convencional. 
   Mas, curiosamente, Eduardo diz, em certo momento: "a nobreza é uma convenção [...]". Interrompi aqui de um modo mais ou menos deturpador de sua fala. Eu reconheço isso. Mas o fato é que ele dá a reconhecer que sabe que tratamos de convenções, e não de circunstâncias naturais por excelência. 
   Fazendo justiça ao Eduardo, a frase completa é "a nobreza é uma convenção, é um código, no qual muitas regras variam de país para país". No fundo, parece haver o reconhecimento de que a tal condição de "nobreza" não é tão eterna assim, como fora inicialmente postulado, e à qual eu fiz menção no primeiro post.
   A questão mais permanente do meu debate é justamente a convenção desta condição. Se "ser nobre é ter ascendência nobre", só se é nobre porque, em algum determinado momento, convencionou-se dizer que o "fulano de tal" era um sujeito nobre, já que ele atendia aos regramentos do código que havia naquele país - embora pudesse não o ser, se tivesse nascido em outro. Daí em diante, basta a convenção continuar, baseando-se na seguinte regra: "Os filhos de nobres também o são". Ponto final. Isso não cria nenhum embaraço ao que eu afirmei... do ponto de vista filosófico, pelo menos. Embora não invalide aquele ponto de vista "técnico", como foi colocado pelo Eduardo, a que o conde de Wilson apelaria para me refutar.
   Uma outra questão que surgiu foi a da discordância do Eduardo, em bases alegadamente filosóficas, de que os homens sejam iguais. Talvez você pense o contrário, Eduardo, mas eu concordo com você. Acho que os homens não são nem materialmente - o que não seria dizer muito -, nem formalmente iguais - o que já pode ser mais polêmico. Somos "humanos" simplesmente porque "frequentamos" uma mesma faixa de características variáveis comuns. Isso é que, formalmente pelo menos, faz com que pareçamos "iguais". 
   Agora, materialmente somos muito diferentes. Uns nascem no Brasil, outros na Alemanha. Uns viveram na Idade Média, outros na Contemporaneidade. Um por cento é de bilionários, 99% são "os outros". Uns vivem em guerra, outras na paz. E a lista continua.
   Concordando com isso, passo a pensar na ideia do Eduardo de que o perfil de alguém que possui séculos de antepassados com nível acadêmico pertencer a uma elite. E concordo também. Só não vou afirmar categoricamente que isso faça do Eduardo, ou de qualquer um, uma pessoa melhor. Embora eu admita que a probabilidade desta ser uma pessoa muito mais preparada intelectualmente para o mundo seja bem maior do que a daquele que segue uma linhagem de escravos. 
   Portanto, mesmo concordando com a premissa do possível melhor entendimento do mundo, e de essa pessoa constituir uma elite, não vejo no que isso interfere na condição de "nobreza" mais essencial, eu chamaria assim - aquela que depende das virtudes pessoais, mais do que do reconhecimento social da sua ascendência. E, aqui, obviamente, meu apelo à nobreza visa muito mais algo parecido com aristos grego do que ao nobilis latino.
   Volto a dizer que não discuto com o conde, pois imagino o quanto seja importante para ele estes nobres antepassados, mas com o filósofo, que não deve esperar que carregue na essência do seu ser algo que só está lá porque colaram uma etiqueta em um seu parente antigo e, além disso, que esse pequeno "papel" se perpetuaria por todo o sempre para aqueles que tivessem seu sangue, com ele, eu posso dialogar.
   Por último, mas bem menos relevante, informo ao Eduardo que concordo com sua afirmação de que "a nobreza ainda produz socialmente e por isso tem o direito de existir". Digo que concordo, não tanto pela "produção social" da nobreza em si, mas pelo que materializam socialmente aqueles que carregam os títulos de nobreza, como cidadãos. Por exemplo, se o Eduardo é professor de Filosofia e sua esposa, médica - na verdade, não me lembro de ter lido sobre a profissão da esposa do Eduardo, mas é só um exemplo -, então, eles modificam a sociedade para melhor, usando seus "talentos" e sua preparação. Eduardo e sua esposa, então, merecem existir. Como são "nobres", os nobres merecem existir... tanto como os filósofos, os médicos, as boas pessoas sem diploma, etc. e tal.
   Novamente, agradecido pelos comentários, Eduardo.

   

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