sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Racismos (2)

    Dois casos de "racismo" (entre aspas, provocativamente) recentes me chamaram atenção: o primeiro, de João Alberto Silveira Freitas - morto no supermercado Carrefour -; e o segundo, do jogador Gérson, do Flamengo-RJ.

    Gosto pouco de falar de casos muito recentes, por conta das fortes emoções que ainda estão presentes, dificultando uma crítica mais perfeita. Mesmo assim, vamos lá.

   Sinceramente, tenho dúvidas se os casos citados realmente caracterizam "racismo", no sentido em que está sendo discutido na grande mídia.

   Discutirei um caso de cada vez.

    Primeiro caso. Um homem - negro, sim - é espancado brutalmente até a morte. Não sou jurista, mas não tenho dúvidas de que foi um homicídio qualificado. Minha incerteza está no fato de ele ter sido morto POR ser negro. Não questiono que seja possível ter havido racismo até o ponto em que João Alberto foi conduzido para fora da área efetivamente comercial do supermercado. Pelos vídeos divulgados, parece haver um desentendimento entre a vítima e uma funcionária, no interior da loja - o que, reconheço, já pode ter sido fruto de alguma prática racista -; posteriormente, há a observação de João Alberto por outro funcionário; e, por fim, o acompanhamento da vítima por seguranças do supermercado ao longo de um corredor. Volto a reconhecer que, durante esse trajeto, pode ter ocorrido práticas racistas, com ofensas, ameaças, etc. Em determinado ponto, contudo, João Alberto desfere um soco em um dos seguranças. Aí, penso, a coisa muda de figura. Desse evento em diante, imagino que falar de "racismo" pode ser um tanto quanto inadequado. Afinal, ao ser agredido com um soco, o segurança - policial militar de folga - , ensandecido, passa às cenas de barbárie que ficaram registradas em nossa mente, levando à morte de João Alberto.

   Voltemos um pouco. Em momento algum, estou afirmando que não houve racismo, ou seja, uma ação deliberada de tratar um indivíduo de maneira injusta pelo fato de ele ser negro. A única coisa que estou dizendo é que não posso assegurar que o motivo do homicídio foi o fato de o rapaz ser negro, como está sendo seguidamente informado pela grande mídia.

   Obviamente, o segurança/policial tem que ser punido pelo homicídio. Afinal, a agressão sofrida na forma de um soco não poderia justificar um homicídio, principalmente quando se trata de alguém que deveria estar preparado para neutralizar um agressor... menos ainda quando observamos que havia dois seguranças para neutralizar a ameaça na forma de um único indivíduo desarmado.

   A questão do crime de racismo, contudo, tem que ser melhor investigada... para ser punida com justiça, caso efetivamente tenha ocorrido.  

   Resumindo, então: só acho que o assassinato não se deu exata e especificamente por racismo.

   Depois, veremos o segundo caso...

Racismo e o "lugar de fala"

 

       Falemos da questão do "lugar de fala" de uma pessoa que sofre preconceito racial na maioria dos momentos, locais e grupos sociais que frequenta, que certamente não é meu locus. Mas, sinceramente, acho que, como alguém que exercita uma espécie de "imaginação sociológica", tomando a expressão emprestada de Charles Wright Mills, tenho, pelo menos em alguma medida, condições de tratar do tema. Não fosse assim, imaginaria impossível alguém como Friedrich Engels (1820-1895), filho de um industrial, ele mesmo administrando uma das fábricas do pai, ter condições de criticar o capitalismo, a partir de uma visão de exploração da classe operária, o proletariado.

    Aliás, não é exatamente esse o método etnográfico de que se vale um antropólogo que vai pesquisar outra cultura, isto é, em certa medida, experimentar uma condição próxima à dos indivíduos daquele grupo social, impregnando-se dos aspectos culturais daquela sociedade? Decerto que não é tornar-se um deles, mas sim aproximar-se da cultura pesquisada o quanto lhe for possível para poder tratar dos assuntos atinentes àquele grupo.

     

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Aliás... "negro" ou "preto"?

 

   Já que estamos falando de "racismo", vale a pena enfrentar uma questão paralela ao tema: Qual é o correto, "negro" ou "preto"?

   Há anos, existia uma lógica de que negra era a raça, enquanto preta era a cor. Dessa forma, seria um desrespeito dizer que alguém era "preto", pois se estava comparando um indivíduo a uma coisa. 

    A disputa em torno da linguagem foi se acirrando, a partir do momento em que se entendeu que a estrutura social de dominação era continuada através de um mecanismo linguístico que "normalizava" as discriminações - ainda que não se percebesse esse uso discriminatório. Expressões como "denegrir", "lista negra", dentre muitas outras, passaram a ser criticadas.

    No meio disso tudo, passou-se a discutir a preferência pelo uso de "negro" ou "preto", para se referir ao indivíduo categorizado como da raça negra.

    Até onde sei, não existe consenso. Tanto é que convivemos com o Movimento Negro do Brasil; o "Vidas negras importam" (apesar de também haver a alternativa "Vidas pretas importam"); e até a banda de pagode "Raça Negra"... todas iniciativas de valorização e pertencimento do indivíduo negro/preto na sociedade.

    Embora reconhecendo que as palavras também se inserem num jogo cultural, que não é, ele mesmo, neutro, acho que devemos  perceber sempre o contexto do uso. Não sei o que seria mais preconceituoso, um amigo (branco) dizendo para outro (negro) "Negão, vamos beber uma cerveja?" ou um motorista (branco) dizendo para um frentista (negro) "Loirinho, coloca vinte litros de gasolina pra mim".

Racismos

 

    Vale destacar, antes de tudo, que há pessoas que se revoltam quando se fala em "raças" no que se refere a seres humanos. Estas pessoas indicam que só há uma "raça humana", não fazendo sentido, portanto, a distinção entre caucasoide, negroide ou mongoloide.

     A questão é que, para a Sociologia, o que importa não é a precisão biológica do conceito de "raça", e sim seus efeitos na realidade social.

    Ora, se pessoas são discriminadas em função de alguma característica que possuem, e se esta característica compõe um campo conceitual que se pode chamar de "raça", então, esta ideia merece ser estudada pela Sociologia.

    Para melhorar a precisão daquilo de que estamos falando, vale lembrar que "raça", sociologicamente falando, indica um conjunto de características físicas que são utilizadas para agrupar - como sempre, arbitrária e subjetivamente - determinados indivíduos.

    Não devemos confundir esse conceito com o de "etnia", que se vale mais de aspectos culturais para realização do tal agrupamento. Sem deixar de reconhecer, obviamente, que alguns desses aspectos culturais podem ser tradicionalmente associados a indivíduos com determinados traços físicos que evocam uma determinada raça.

    Assim, para alguém leigo no assunto, duas pessoas de pele de cor preta, com cabelos cacheados e determinadas traços fisionômicos podem ser categorizadas como pertencentes à mesma "raça negra", quando elas se oporiam a esta pretensa "igualdade" entre elas, por pertencerem a etnias diferentes - isto é, por terem referências históricas distintas, bem como costumes, valores, ideias e tradições diversas... até antagônicas, segundo suas concepções individuais.

   Para "apimentar" ainda mais o assunto, devemos nos recordar que, há pouco tempo, levantou-se a hipótese de se estar cometendo xenofobia e "racismo" tratar o coronavírus como "vírus chinês". Mas essa é outra estória.

    Continuemos com nossos "racismos", que já vão se provar mais de um, em breve...

Lá se foi novembro... e, quase, dezembro

 

   A última postagem foi ainda em novembro... e já estamos quase no Natal.

    Esse não foi um ano fácil. Embora meio "congelado", as coisas pareceram passar rápido demais. Acho que a "turbulência" causado pela pandemia acabou me deixando meio alheio à contagem do tempo.

    Mas vamos lá... antes que 2020 passe.

    Esse foi um ano de maior possibilidade - ou seria, necessidade? - de reflexão quanto a alguns temas que me interessam: felicidade, oposição direita e esquerda, desigualdade social, são alguns deles. Não por acaso, estamos às voltas com Filosofia, Política e Sociologia... o de sempre, não é?

    Enquanto o ano não acaba, tentarei escrever um pouquinho sobre eles.

    Vamos começar por algo que envolve desigualdade social... que se reflete no racismo estrutural.