Eu tenho um mau hábito declarado: comprar livros sobre Spinoza sem uma profunda avaliação prévia. Em alguma medida, penso na ocasião, haverá algo de bom a retirar. De qualquer forma, só me arrependi profundamente uma vez... algo como "Aristóteles encontra Spinoza" - sei lá... mas até comentei aqui no blog. De modo geral, posso dar uma lida, "mapear" coisas às quais voltarei num momento posterior e deixar mais um livro esperando por mim.
Confesso esse meu hábito por algo que ocorreu sexta-feira passada. Fui dar a minha passeada "básica" numa livraria aqui de perto. Lá chegando, meu já conhecido amigo vendedor veio mostrar-me uma obra da Scarlet Marton sobre Nietzsche... que eu informei já ter adquirido. Visita encerrada, não fosse uma pilha de livros portugueses que ele não havia ainda organizado nas estantes. Lá estava um livro de título "Felicidade e Filosofia - ser feliz com Espinosa". É verdade... o título soa meio auto-ajuda demais. Mas, exposto o meu hábito, lá no início do post, é lógico que não deixei de adquirir o volume.
Vamos aos fatos posteriores. O livro é interessante. Embora eu desconfie muito de livros que propõem "utilizações práticas da Filosofia", não pude deixar de sentir uma certa atração por esse, que explicava assim sua intenção: "A filosofia teve desde sempre por ambição melhorar as nossas vidas [...] Mas a maior parte dos livros de filosofia interessaram-se sobretudo pela questão da verdade e consumiram-se a emitir fundamentos teóricos, sem se preocuparem com as aplicações práticas". Se essa parte causou uma certa desconfiança, logo a seguir o livro se absolve desse preconceito, ao dizer "Contudo, não se pode inflectir a prática sem rever a teoria. A felicidade e o desenvolvimento conquistam-se e não dispensam um esforço de reflexão [...] Uma nova maneira de agir e de viver implica sempre, também, uma nova maneira de pensar e de se conceber [...] Por essa razão, convidaremos o leitor a reflectir sobre conceitos, antes de lhe propor interrogar-se sobre si mesmo".
Convite feito; convite aceito.
Estou mais ou menos no primeiro terço do livro. De qualquer forma, se esse não é o livro mais "técnico" que já li sobre Spinoza - e não é -, não se pode tirar-lhe o mérito de uma certa adequação bastante fina entre as intuições do autor e as citações apresentadas da obra magna de Spinoza, a Ética.
Lembrei-me muito de meu amigo Existenz, e das discussões que tínhamos sobre a peculiaridade de Spinoza enquanto representante do "Racionalismo moderno", pois, logo no início do livro, o autor diz "A realidade humana é, antes de mais, uma realidade afectiva [...] Neste sentido, é errado distinguir a 'vida afectiva' da restante vida [...] tudo o que fazemos é feito com sentimentos: estes impelem-nos [...] é um afecto que move um matemático pelos meandros do cálculo - a curiosidade, o prazer do enigma, o orgulho da descoberta...".
Coisas interessantes sobre as "circunstâncias" do texto, agora.
A publicação é do Instituto Piaget, de Portugal, dono de uma carta de produtos de qualidade. Bom sinal! O autor, Balthasar Thomass, indica a contracapa do livro, é "professor de Filosofia e autor de várias obras filosóficas". Tudo bem! Mas... há, a seguir, a seguinte informação, no mínimo, curiosa: "A sua atividade de filosofia, partilha-a com a de pianista de jazz. É membro da Orquestra Nacional de Jazz da Alemanha".
Bom... leitura que segue. Depois, eu conto mais.