sábado, 30 de julho de 2011

"100 obras-chave de Filosofia" (4)

   O espírito é a ideia do corpo (II,13)
   O corpo é um modo da extensão, o espírito um modo do pensamento, cada atributo exprimindo de maneira original uma mesma coisa. Deve-se, todavia, distinguir a ideia que somos das ideias que temos. Devemos também repensar o sentido da união entre as duas entidades: não há, propriamente falando, exterioridade de um ao outro e, portanto, determinação possível de um pelo outro, tal como dariam a entender, por exemplo, a ideia de um domínio do corpo pelo espírito. Falou-se de paralelismo  para qualificar a identidade de ordem e de conexão das ideias e das coisas: a consequência  é que "a ordem das ações e paixões de nosso corpo vai de par com a ordem das ações e paixões do espírito" (III,2). Espinosa inverte assim a correspondência tradicional entre paixão da alma e ação do corpo, e afirma sua igual dignidade.

   "O ser humano não é um império num império" (III, Prefácio)
   A proposição que tem em vista o estatuto do ser humano tem por pano de fundo uma crítica da natureza concebida como um império que Deus regeria como chefe. As duas ilusões estão ligadas: trata-se de retificar tanto o pensamento de Deus como o da pessoa humana. Deus não é uma pessoa, e muito menos o ser humano se governa segundo os decretos de uma vontade livre de toda determinação. Se o ser humano não é um "império", é que ele é algo singular, finito, capaz de produzir efeitos, mas determinado por sua vez pelo que o cerca; portanto, ele não é inteligível por ele mesmo, desligado do todo natural no qual se encontra imerso. Enfim, é a teoria do livre-arbítrio que Espinosa recusa, tanto nos moralistas como em sua forma cartesiana: ela supõe a crença num domínio possível e desejável das paixões e, além disso, uma disciplina do sensível pela vontade. A Ética III buscará, ao contrário, mostrar a necessidade dos afetos revelando seus mecanismos.

   "O desejo é a essência do ser humano" (III, definição geral dos afetos)
   Afirmar isto é antes de tudo reconhecer a importância e a necessidade do desejo; irredutível a uma imperfeição, uma falta, ele é suscetível de exprimir nossa natureza. Isto tem a ver com a maneira de Espinosa encarar a existência individual: cada uma é caracterizada por uma tendência a afirmar seu ser, o conatus, que no ser humano é consciente de si mesmo. Ele nasce de uma "afeição" de nossa essência, que pode referir-se só ao espírito - neste caso trata-se de uma vontade - ou simultaneamente ao espírito e ao corpo - fala-se então de apetite. Portanto, a existência é afirmação dinâmica de uma potência que se orienta sempre para o que lhe parece útil. O desejo é o suporte desta afirmação. No entanto, nem todo desejo exprime integralmente ou adequadamente minha natureza. Entre os afetos, é preciso distinguir os afetos que são paixões, determinados por uma causa exterior, dos afetos ativos. Desses últimos só podem proceder os desejos que correspondem a uma afirmação de si mesmo.

   "Nada é mais útil ao ser humano do que o ser humano" (IV, 35, corolário 1)
   É útil o que aumenta a nossa capacidade de agir e favorece os afetos de alegria. Entre as coisas singulares finitas, nada convém mais à nossa natureza do que um outro ser humano. A proposição tem evidentemente um alcance político, pois subentende a conclusão seguinte: "O que conduz à sociedade comum é bom" (IV, 40). No entanto, não se deve esperar também de nossos semelhantes o pior? Sim, mas somente se eles são governados por paixões. Pelo fato de um mesmo objeto poder afetar-nos de maneira bem diversa, as paixões criam diferenciações suscetíveis de transformar-se em oposição. Por exemplo, quando Pedro ama o que Paulo odeia. Portanto, o ser humano não é verdadeiramente útil ao ser humano, a não ser na medida em que ele vive sob o comando da razão. Também o aumento de nossa potência de agir passa por uma sociedade que se esforça para cultivar a vida racional; então, e só então, o útil próprio combina hamoniosamente com o útil comum.

[TO BE CONTINUED!]


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