Há uma coisa que declaro com uma vergonha extrema: até hoje não li nenhum livro do Zygmunt Bauman.
É verdade... Infelizmente! Não que não se possa mudar esse fato. E pretendo fazê-lo em breve. Obviamente, não é por falta de os adquirir. Tenho, na minha estante, alguns... mas estão sempre ficando "para depois".
Mas vocês pensam que é simples assim: eles lá e eu aqui? Não é, não! O "olhar" deles é "inquisidor"... e eu me pego fugindo daqueles olhos severos e censuradores. É por isso que adoto uma "tática" para os que ficarão mais afastados no tempo: enclausurá-los na estante fechada. Afinal, "o que os olhos não veem, o coração não sente". E, assim fazendo, meu sentimento de culpa diminui.
Esse blá-blá-blá todo é só para registrar uma parte do conteúdo da Introdução de "Em busca da política", do sociólogo Bauman. Achei a Introdução muito interessante, mas, confesso, ainda não me fez seguir na leitura do livro.
Lá vai:
"As crenças não precisam ser coerentes para que se acredite nelas. E as que costumam ter crédito hoje - nossas crenças - não são exceção".
Essa afirmação, por si só, já mereceria destaque... embora haja uma consideração epistemológica que poderia transformá-la de "brilhante" em "banal". Isso porque a definição de "crença" é diferente da de "conhecimento", que seria uma "crença [verdadeira] justificada". Se a mera crença não precisa ser justificada, não há necessidade de que seja coerente, isto é, que se "encaixe" num sistema de sentenças tidas como verdadeiras.
Mas continuemos. O que Bauman sugere, com muita correção, é que aderimos a pretensas verdades, mesmo que não sejam coerentes... Atenção! Ele está falando de "nós", e não dos medievais ou dos "bárbaros"... de nós, pós-modernos.
A análise de Bauman é sobre a "crença na liberdade", pelo menos, diz ele "na 'nossa parte' do mundo". Por outro lado, há outra crença, contraditória à primeira, que também parece estabelecida, aquela de que "pouco podemos mudar [...] a maneira como as coisas ocorrem no mundo". A contraditoriedade - Sempre lembro das minhas aulas de Lógica, em que o professor dizia que "Contradição" e "Contrariedade" são coisas diferentes. Rsss - é exposta por Bauman através de uma pergunta: "Se a liberdade foi conquistada, como explicar que entre os louros da vitória não esteja a capacidade humana de imaginar um mundo melhor e de fazer algo para concretizá-lo?". Logo depois, o autor escreve: "As duas crenças não combinam, mas cultivar ambas não é sinal de inépcia lógica". Xiii... acho que o Bauman assistiu às mesmas aulas que eu. Estaríamos, então, falando simplesmente de "contradições"? Rsss. Não, não... Deixemos a Lógica Clássica de lado. Sigamos Bauman, nas suas reflexões.
Bauman indica que "é importante saber por que o mundo em que vivemos continua a nos enviar esses sinais evidentemente contraditórios". Logo em seguida, pergunta: "Por que é importante saber isso? Alguma coisa mudaria para melhor se tivéssemos esse conhecimento?". A resposta infunde um pouco de receio, mas é bastante realista: "Absolutamente não há certeza disso. Uma percepção do que faz as coisas serem o que são pode nos dispor a jogar a toalha ou nos instigar à ação".
Bauman, então, cita outro pensador de primeira linha, Pierre Bourdieu, que fala sobre os "usos do saber". Bourdieu diz que podem ser dois os usos deste saber: o "cínico" e o "clínico".
Escreve Bauman sobre a tese de Bourdieu:
"O saber pode ser usado de forma 'cínica': sendo o mundo o que é, pensemos numa estratégia que me permitirá utilizar as suas regras para tirar o máximo de vantagem; quer o mundo seja justo ou injusto, agradável ou não, isso não vem ao caso. Quando é usado 'clinicamente', esse mesmo conhecimento do funcionamento da sociedade pode nos ajudar a combater o que vemos de impróprio, perigoso ou ofensivo à nossa moralidade".
Minha reflexão tem seu foco neste ponto, mas antes de fazê-la, gostaria de fechar a citação do texto, que, em certa medida, também me ajuda.
Conclui assim Bauman:
"Por isso, o saber não determina a qual dos dois usos recorremos. Isso é, em última análise, uma questão de escolha. Mas sem esse conhecimento, para começo de conversa, não haveria sequer opção. Com conhecimento, os homens e mulheres livres têm pelo menos alguma chande de exercer sua liberdade".
Bem... para um spinozano, como eu, há um excesso de crença - aproveitando a ideia do próprio Bauman - na "liberdade de escolha dos homens", mas isso é outro papo. Sigamos a tese de Bauman, pois nela, não há incongruências internas. O apelo à tese de Spinoza seria criar uma incoerência com um sistema que Bauman não entende certamente como seu.
Voltando ao ponto que eu queria discutir, e que, em certa medida, faz eco sobre uma outra consideração sobre a possível "imoralidade do capitalismo", que apareceu em post anterior, vemos que há um uso "cínico" e um uso "clínico" do saber sobre o funcionamento da sociedade segundo o modelo econômico - mas, além disso, psicológico e social - capitalista. Um uso "cínico", pelo homem que integra essa sociedade, poderia validar a acusação de que "O capitalismo" - e a existência desse "ente" é meio questionável - é imoral. Entretanto, um uso "clínico" do saber produzido a partir de um estudo fenomenológico/empírico - não do ente, mas do fenômeno - do "capitalismo" poderia isentar o mesmo desta pretensa imoralidade.
Mas onde está a diferença entre as duas situações? Penso, ainda, que na ação humana, e não no próprio "capitalismo". Portanto, ratifico minha "crença" de que não é o capitalismo que é imoral, mas somos nós - humanos, demasiado humanos - que o somos.