Fiquei felicíssimo em saber que teremos a publicação das obras completas de Spinoza no Brasil. É certo que podemos utilizar os textos traduzidos para outros idiomas, como o Inglês, o Francês e até o Espanhol, mas, com o conjunto em Português, fica mais ou menos estabelecido - sendo a tradução de boa qualidade - um vocabulário no nosso idioma todo "articulado", entre as diversas obras.
A feliz iniciativa foi da Editora Perspectiva, sob a organização de J. Guinsburg, Newton Cunha e Roberto Romano. De antemão, parabenizo a todos eles, incluindo a editora, e agradeço, em nome de todos os spinozanos brasileiros.
Segundo nos informa a "Nota da Edição", serão produzidos quatro volumes, "o que permite ao leitor maior flexibilidade de escolha, na dependência de um interesse mais amplo ou mais restrito".
Por enquanto, só encontrei o primeiro volume, que contém o Breve Tratado, o Princípios da Filosofia Cartesiana, o Pensamentos Metafísicos, o Tratado da Correção do Intelecto e o Tratado Político - destes, só não tínhamos, em Português, o Princípios da Filosofia Cartesiana -; mas, pelo que entendi, acessando o site da editora, o Volume II também já foi impresso. Este último contém a Correspondência Completa e a primeira biografia do filósofo, escrita por Johannes Colerus. A Correspondência, nós só temos parcial, e A vida de Spinoza, se não me engano, só existe em um dos Cadernos Espinosanos, produzido pelo Grupo de Estudos Espinosanos da USP.
Teremos, inclusive, o Compêndio de Gramática da Língua Hebraica - que eu só vi, uma vez, em Francês, e nunca mais encontrei novamente.
Enviei, obviamente, um e-mail à Editora Perspectiva ressaltando a importância da decisão, e agradecendo a publicação.
No entanto, também fiquei apreensivo com algumas coisas, que sinalizei no mesmo e-mail, submetendo estas questões à reflexão dos senhores organizadores, a fim de melhorar a obra.
Segue o e-mail que enviei:
(INÍCIO DO E-MAIL)
Achei importantíssima a iniciativa de lançar a obra completa de Spinoza aqui no Brasil. O mercado brasileiro já merecia isso, portanto, louvo muito a iniciativa da Perspectiva, estendendo meu cumprimento a J. Guinsburg, Newton Cunha e Roberto Romano. A ideia de lançar a obra em cinco (sic) [SÃO QUATRO, NA VERDADE] volumes, facilitando o manuseio, também é ótima. Parabéns, portanto.
Comprei o volume I na quarta e pus-me a folhear. Como estudioso de Spinoza, gostaria de fazer, no entanto, algumas ressalvas, que poderiam valer uma reflexão dos senhores.
1) a palavra "Breve", entre parênteses, na capa, sumário e texto me parece dever ser registrada sem os parênteses, afinal, em todo o mundo ele é o KV - o Korte Verhadeling... -, como, inclusive, está registrado no próprio livro dos senhores.
2) visto que a história do KV é muito rica em mistérios, e que existem duas versões do manuscrito em holandês, seria interessante sinalizar que esta é a tradução do 'Manuscrito ..." - imagino que seja a do Manuscrito A, mas valeria a citação, penso.
3) o texto "Acerca desta tradução" explica várias importantes opções de tradução, bem como destaca termos capitais para entendimento da doutrina, mas peca em omitir seguidamente, nas citações à Ética, o local exato do trecho citado. Por exemplo, na página 20, "Ética I, outra Demonstração"... de quê? O correto seria "Ética I, Prop. XI, Outra Demonstração". Há duas outras, onde estão registradas "Ética III, III" e "Ética IV, LII", em que, apesar do mesmo formato, a primeira é de uma definição e a outra de uma proposição.
4) a citação da Definição III, a que me referi acima, está aparentemente truncada. Ela diz "Entendo por afecções aquelas do corpo...". Não seria "Entendo por afetos aquelas afecções do corpo"? Pergunto isso para entender qual será a opção de tradução do volume que conterá a Ética. Se "afecções" for usada de maneira indistinta, nós, leitores, perderemos grande parte da doutrina spinozana dos afetos.
5) a observação mais importante, no entanto, é esta que faço por último. Há um claro engano de J. Guinsburg e N. Cunha, nesse pequeno texto, quando os mesmos falam que "só agindo virtuosamente pode o homem expressar o LIVRE-ARBÍTRIO ou a liberdade pessoal" (Grifo nosso). Ora, em relação à liberdade, não há o que objetar, mas identificar "liberdade" e "livre-arbítrio" é um pecado que nenhum spinozano pode cometer, sob pena de pôr abaixo toda a construção filosófica spinozana.
Muito agradecido pela obra. Espero que minhas sugestões possam servir, em algum momento.
(FIM DO E-MAIL)
Além do que já escrevi, restou algo por dizer: embora a obra realmente traga alguns textos inéditos no Português do Brasil, há um engano que mereceria reparo por parte da Perspectiva, no que diz respeito ao Breve Tratado. Isto porque, em 2012, a Editora Autêntica publicou um volume bastante bem cuidado, em capa dura, deste texto spinozano. Sobre a questão de A Vida de Spinoza, eu realmente não tenho certeza se foi ou não publicada. Mas se foi, o foi em uma revista de circulação restrita, o que carreia mérito à Editora Perspectiva por disponibilizar o texto para um público mais amplo.
Muito boa atitude.