Em um dos últimos comentários que fiz - mais especificamente, sobre um outro comentário do meu querido compadre Mundy -, falava eu sobre um certo sentimento de "mal estar" neste mundo que ele sentia. Disse eu, àquela altura: "Em alguma medida, o 'desconforto' e o sentimento de 'inadequação' são bons, pois são justamente eles que nos fazem sair de onde estamos".
É certo que, como spinozano, tenho que lembrar que nossa busca é sempre pela "alegria"... mas não uma "alegria passiva", diria Spinoza, e sim pela "atividade, que é alegre". De qualquer forma, o que eu quis sinalizar é que aquele "desconforto" pontual pode permitir que desejemos - e o homem é essencialmente desejo - reforçar nossa capacidade de atividade... e, portanto, de nos alegrarmos.
Feito esse comentário inicial, queria passar a um texto do Arnaldo Jabor, publicado ontem em O Globo, sob o título de "A alegria é um produto de mercado". O texto contém várias ideias sobre a tal "alegria". Sobre muitas, eu não vou tecer comentários, mas, sobre uma que vai ao encontro do que eu disse antes, gostaria de registrar alguma coisa.
Diz Jabor:
"Hoje em dia é proibido sofrer. Temos de 'funcionar', temos de rir, de gozar, de ser belos, magros, chiques, tesudos, em suma, temos de ter 'qualidade total', como os produtos. Para isso, há o Prozac, o Viagra, os uppers, os downers, senão nos encostam como mercadorias".
Essa é a "lógica de mercado" que Jabor nos apresenta. Em princípio, parece que ele está só indicando que, se fugirmos a essa lógica, estaremos realmente condenados a sermos "encostados". Entretanto, não é bem isso o que o texto desenvolve. Logo a seguir, escreve o polemista:
"Acho que a depressão tem grande importância para a sabedoria; sem algum desencanto com a vida, sem um ceticismo crítico, ninguém chega a uma reflexão decente. O bobo alegre não filosofa pois, mesmo para louvar a alegria, é preciso incluir o gosto da tragédia. No pós-guerra, tivemos o existencialismo, a literatura com gênios como Beckett e Camus ou o teatro do absurdo, o homem entre o sim e o não, entre a vida e o nada".
Aí, compadre, quem sabe essa não seja a hora de você se dedicar à Filosofia?
Logo em seguida, Jabor conta que lhe chegou às mãos um artigo chamado "Elogio da melancolia", de Eric G. Wilson, de uma universidade americana, e passa a citar trechos desse texto.
"Estamos aniquilando a melancolia. Inventaram a ciência da felicidade. Livros de autoajuda, pílulas de alegria, tudo cria um 'admirável mundo novo' sem bodes, felicidade sem penas. Isto é perigoso, pois anula uma parte essencial da vida: a tristeza".
Para quem pensa que eu estou fazendo uma homenagem à tristeza, basta lembrar que sou spinozano, e que este era o filósofo da alegria. Que não pensem, também, que Mr. Wilson pretende fazer um elogio insano à tristeza. Ele mesmo se defende disso, dizendo: "Não sou contra a alegria em geral, claro... Nem romantizo a depressão clínica, que exige tratamento. Mas, sinto que somos inebriados pela moda americana de felicidade". Eu arriscaria complementar "... moda americana de felicidade, mesmo que ela seja artificial e baseada num autoengano".
E Jabor fecha o artigo da seguinte maneira:
"A melancolia, longe de ser uma doença [eu não disse que o Jabor era polemista?!], é quase um convite milagroso para transcender a banalidade cotidiana e imaginar inéditas possibilidades de existência. [...] Mas, por que não aceitamos isso? Por que continuamos a desejar o inferno da satisfação total, a felicidade plena? Por medo. Escondemo-nos atrás de sorrisos tensos porque temos medo de encarar a complexidade do mundo, seu mistério impreciso, suas terríveis belezas. Usamos uma máscara falsa, um disfarce para nos proteger deste abismo da existência. Mas, este abismo é nossa salvação. A aceitação do incompleto é uma chamado à vida. A fragmentação é liberdade. É isso aí, bichos - como se dizia em tempos analógicos."
Logo que li o "sorrisos tensos", no texto, lembrei da personagem do Batman, o Curinga, com seu sorriso falso, expressão mais completa de uma "antifelicidade"... mas que, no nosso caso, seria apenas de uma "felicidade imaginária", autoimposta para garantir um conforto psicológico que, no fundo, é, ele mesmo, o que causa o maior desconforto.
Longe, portanto, de saudar o "desconforto", penso que ele pode "forçar", por seu antagonismo ao nosso desejo metafísico de felicidade, à busca desta... com toda a nossa energia. E aí, como eu já havia dito no comentário feito, é que se precisa agir, em vez de apenas lamentar.