domingo, 22 de janeiro de 2012

Gosto não se discute... (2)

   Em 10 de dezembro do ano passado, postei "Gosto não se discute..." , que discorria rapidamente sobre a existência, ou não, de um padrão de gosto para avaliar obras de arte.
   O pano de fundo do post era a reflexão do filósofo escocês David Hume (1711-1776) sobre o tema "gosto".
   Escrito em 1757, o artigo "Do padrão do gosto" apresenta várias teses interessantes sobre a ideia de "gosto"... algumas, entretanto, para serem combatidas. 
   À época, havia duas correntes britânicas opostas. Para os "intuicionistas", como o irlandês Francis Hutcheson (1694-1746), a beleza, numa experiência estética, era revelada por uma faculdade mental singular, sendo ela, então, meramente subjetiva; enquanto, para os "analíticos", como o também irlandês Edmund Burke (1729-1797), a beleza era absolutamente objetiva, bastando identificar uma série de atributos que poderiam ser listado, a fim de descobri-la.
   Hume concorda com os "intuicionistas", inicialmente, de que existia uma faculdade interna que percebia a beleza, mas achava, um pouquinho ao modo dos "analíticos", que havia propriedades do objeto que precisavam estar dispostas de tal e tal modo a fim de que se pudesse reconhecê-lo como belo.
   A argumentação de Hume é muito interessante. Ele começa mostrando - aparentemente, alinhando-se entre os "intuicionistas" - que o senso comum parece concordar com a Filosofia - e essa seria uma das raras vezes em que isso aconteceria - no sentido de que "gosto não se discute". Para demonstrar isso, lança mão do exemplo de que, mesmo pessoas educadas sob os mesmos paradigmas culturais, mostram divergências quanto às suas preferências artísticas.
   A argumentação humeana continua, indicando que, por outro lado, ninguém deixa de reconhecer que Ogilby (um tradutor de pouco prestígio) e Milton (o célebre dramaturgo e poeta) são incomparáveis. 
   Chegaríamos, portanto, a um impasse: ainda que se reconheça que há, mesmo entre pessoas submetidas à mesma educação, gostos diferentes, existem determinados ícones artísticos que não deixam de ser reconhecidos pela esmagadora maioria.
    Hume sai em busca, então, de um "padrão de gosto". Mas, interessantemente, não se trata de submeter todos os juízos estéticos subjetivos a esse padrão, impondo as obras que se adequassem a ele como necessariamente apreciadas por todas. O que Hume buscava era a possibilidade de estabelecer juízos "universais" - ou, pelo menos, intersubjetivamente reconhecidos como válidos -, ainda que individualmente não provocasse um prazer estético. Ou seja, alguém poderia dizer: "Segundo o 'padrão do gosto' para Rock Progressivo, o Renaissance é uma ótima banda, embora eu só goste de Heavy Metal!".
   No final das contas, o que Hume descreverá serão as qualidades de uma espécie de "juiz" de manifestações artísticas. Hume indicará, então, primeiramente que quem se lança à observação de uma obra de arte deve fazê-lo com (i) serenidade de espírito; (ii) concentração do pensamento e (iii) atenção ao objeto. Mas esses princípios de observação - que lembram a "observação desinteressada" de Kant - não garantem, por si só, a qualidade da avaliação. É necessário mais para ser um bom "crítico de arte". Este deve (i) possuir delicadeza de sentimento - que é uma espécie de dom -; (ii) estudar a arte que pretende julgar e contemplar constantemente aquele tipo de beleza; (iii) comparar seguidamente graus de excelência daquele tipo de arte e (iv) não se deixar dominar pelo preconceito.
   Imaginando que possam existir esses "críticos perfeitos", o veredicto conjunto deles é que determinaria o "padrão do gosto" para determinada manifestação artística.
   Alguém poderia se questionar por que, se eles já são "críticos absolutos", haveria a necessidade de um veredicto comum. Hume explica que, mesmo entre esses excelsos senhores, poderia haver o reconhecimento da qualidade de uma obra, mas uma discussão sobre a hierarquia das diversas obras, isso porque há sempre (i) diferença de temperamento dos indivíduos e (ii) diferenças de costume e opiniões de épocas e lugares.
   Ótimo ensaio! Vale a pena ser lido. Aliás, a escrita de Hume é bastante clara e agradável.
   Que Spinoza não me leia, mas está aumentando meu interesse pelo irlandês a cada leitura que faço.

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