quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Voto facultativo?


   Sempre estranhei a ideia de o voto ser um "direito", mas ser obrigatório. A percepção mais espontânea é a de que um direito pode ser exercido... ou não, segundo a vontade daquele que o detém. Por isso, durante algum tempo, defendi que o voto não deveria ser obrigatório.
   Após ver o que aconteceu na França, quando um ultradireitista foi para o segundo turno porque houve uma abstenção muito grande entre os eleitores, comecei a repensar minha posição.
   Percebi que a descrença na "Política", trazendo o desinteresse pela participação na vida em comunidade, acaba por dar espaço aos mais "mobilizados"... seja lá qual for o tipo de ideologia que carregarem. Ou seja, se, num local onde o voto não for obrigatório, a população esteja desinteressada pela Política, os nazistas desejarem se fazer representados e se organizarem para isso, haverá um governo nazista. É lógico que estou falando em tese, mas podemos acabar tendo um determinado tipo de Estado que seja governado por valores que não são os mesmos da maior parte da população, simplesmente porque essa maioria não quer participar do processo de escolha dos seus representantes. Donde se conclui que, talvez, enquanto nossa maturidade política for pequena, valha a pena manter o voto obrigatório... ainda que com a possibilidade de se fazer uma escolha errada, ou até mesmo de se optar ativamente por uma não escolha, como quando se vota nulo ou em branco.
   Aquele livro que tenho lido, Em defesa da Política, retrata essa minha discussão, quando diz:
   [...] os que se organizam com maior competência podem se fazer representar de modo qualitativamente superior e, nessa medida, podem participar melhor da vida pública, influenciar os mecanismos de decisão, conquistar direitos e posições mais vantajosas na escala distributiva.
   

5 comentários:

Luis disse...

Entendo bem a posição defendida neste texto e durante algum tempo tive também as minhas dúvidas. Todavia as razões para o voto não ser obrigatório sempre me pareceram mais pertinentes. Não só porque a obrigatoriedade se trata de um paternalismo musculado mas também porque precisamos assumir, como cidadãos os riscos da democracia. Assim não fosse e alguém passaria a defender, e com os mesmos argumentos do texto, que os iletrados, os portadores de algum alegado atraso mental, os votantes com coeficiente de inteligencia abaixo de um determinado patamar, entre muitas e muitas outras 'perturbações' que facilmente poderia enumerar, não poderiam ter um voto com o mesmo valor do voto de um letrado, ou de um votante culto ou com curso superior, etc, etc.... Então se pergunta: tem sentido uma votação em que o voto de um iletrado ou de alguem que pode ser convencido mas nunca convencer, vale o mesmo que o voto de um inteligentissimo doutorado, alguem que além de poder ser convencido pode facilmente convencer? A resposta é sim, tem sentido,sim, o principio da democracia é o de um voto por cada cidadão. O contrário seria a desvirtuação dessa democracia e o eterno paternalismo das elites confundidas com as escolhas das 'massas'.
Votos 'iguais' e votos não obrigatórios são os riscos que os defensores da democracia devem assumir. E, já agora, que cada um de nós contribua com o nosso exemplo de cidadania para minorar esses riscos.

Abraço

Luís

Ricardo disse...

Caro amigo Luís:
Compreendo a questão dos riscos que os defensores da democracia precisam assumir. A manipulação das massas, penso, é o maior deles. Quanto menor a percepção do que é "cidadania", menor será a capacidade de participação efetiva. Contudo, isto não quer dizer que o doutor está imune à tal manipulação. Nem, tampouco, deixa de reconhecer que um cidadão que tem que trabalhar dezesseis horas por dia, simplesmente a fim de garantir sua sobrevivência, vá poder dedicar o tempo que lhe resta refletindo a respeito de Política.
Contudo, não consegui entender em que ponto o argumento em favor da obrigatoriedade poderia ser utilizado para justificar o estilhaçamento do princípio básico da democracia de "um cidadão, um voto".
De qualquer modo, até que ponto alguém que, seja lá por que motivo for, não se envolve com as questões políticas pode ser efetivamente chamado de cidadão? Veja bem que não estou falando de peso de voto de letrados contra de iletrados, mas de pessoas que dão valor à sua participação contra aquelas que, por qualquer motivo, não dão.
Mas o ponto em que eu quis chegar é que, com a desmoralização da Política - que interessa muito a alguns, como a da educação e saúde públicas também -, abre-se a porta para outro tipo de manipulação mais simples. Se eu falo "Votar não serve para nada! Ninguém merece mesmo seu voto! Melhor você nem ir lá!", fica mais fácil organizar meu grupo para ir lá e colocar quem quisermos.
Agradeço sua participação... mas gostaria de ouvir sua réplica. Rssss

Luis disse...

Caro Ricardo.....

Reconheço facilmente argumentos bons do 'seu' lado, mas não os suficientes para me convencer... E provavelmente é abusiva a minha extensão de uma reflexão sobre a obrigatoriedade do voto à 'quialidade' do votante, mas eu apenas queria clarificar que essas (um voto é um voto) são as regras do jogo desse regime imperfeito que é o da democracia. Mas o facto é que acho paradoxal e inconciliável a ligação entre um 'direito' e uma'obrigação. Ou é um direito, ou é uma obrigação! O facto de algo ser obrigatório, por defenição, implica deixar de ser uma opção e portanto o exercício de um direito.
Admito também que o adjectivo 'obrigatório' sempre me causou arrepios e espero que estes não estejam a toldar o meu discernimento.

Em primeiro lugar, e voltando aos seus argumentos, entendo que o facto de uma abstenção maciça beneficiar eventualmente a candidatura de um qualquer autocrata (ou pior) é preocupante, mas não melhor que obrigar os eleitores a votar para o tentar evitar. Quando muito teríamos um democrata obrigatório, o que seria outra contradição. Os resultados das eleições são sempre algo dependentes do dinheiro investido na campanha, no carisma do candidato, na empatia que gera, na intuição dos votantes sobre o caracter do candidato, entre imensos outros fatores. Mas o fator mais pertinente é o da INFORMAÇAO. Democracia não é o maior numero de votos de uma massa de gente, mas sim o maior número de votos de gente INFORMADA. Só a informação permite uma opção válida.
Isso me levaria também a aduzir algumas ideias sobre as diferenças entre massa e povo. Digamos que povo é o conjunto de pessoas informadas, que assumem e praticam a sua cidadania, e massa não passa de aglomerados acéfalos e manipuláveis que muitas vezes enchem nossas ruas em passeatas e manifestações. Os primeiros usam mais a razão, os segundos a emoção.
Em segundo lugar, não tenho a certeza que democracia seja um objectivo. Muiotas vezes a encaro como um meio para atingir outros fins. A democracia permite que nos empenhemos em conjunto na procura de uma vida melhor para a sociedade ou pelo menos para o maior numero de cidadãos, mas a democracia, por si só não é essa vida melhor.
Em terceiro lugar estamos usando essa tal de democracia para enquadrar uma eleição. Mas para isso, para que seja uma democracia efetiva, então o cidadão deveria ter o poder de destituir aquele que elegeu, na hora, por não cumprir o que prometeu. Eleger implica deseleger, só assim essa democracia teria sentido político. Se eu votei num individuo que demonstrou ser o contrário do que afirmou em campanha, eu não quero esperar 4 ou 5 anos para que saia do lugar.
A 'democracia' do voto igual e obrigatório não impede que um palerma perigosos possa assumir a condução do país mais poderoso do mundo, nem que um pastor de ideias homofóbicas e creacionistas seja alcaide numa das cidades mais populosas e do mundo. O que pode impedir esses absurdos é a informação, a educação..... A obrigação, nunca!

Um abraço

Ricardo disse...

Debater é sempre muito saudável... por isso, mais uma vez, agradeço à oportunidade desse aprazível exercício ao Luís.
Também estranho o "direito obrigatório". Rsss. Mas, vamos lá...
Concordo com o aspecto ideal da afirmação "Democracia não é o maior numero de votos de uma massa de gente, mas sim o maior número de votos de gente INFORMADA. Só a informação permite uma opção válida". Mas, infelizmente, na prática o "demos" está muito mais para "massa" do que para "povo".
Também concordo que a democracia não seja um fim em si mesma. Ela é só um instrumento de formalização do poder em um Estado. E mesmo este, o Estado, é só um instrumento de formalização do modo de reunião em comunidade. A questão é que, se a democracia é um instrumento útil, quem deve ser o "demos"? Lembro que na democracia grega havia a figura do "idiotés", aquele que não queria participar da discussão política. Mas ele era mal visto. Hoje, multiplicamos o número de "idiotés", mas estes querem ter o direito de reclamar do governo de que não fazem questão de participar. Aí há um problema... ou MAIS UM problema. Rsss.
Concordo, ainda, com sua ideia do "recall". Ele existe em algumas democracias. Particularmente, a ideia me parece boa. Porém, teríamos que estabelecer com muito cuidado qual o espaço exato da representação. Posso votar em alguém por 99% da compatibilidade de nossas ideias, mas não vou exigir o "recall" por uma atuação diversa da minha naquele 1%. Mas isso pode ser, pelo menos em alguma medida, regulamentado por leis.
Por último, e talvez o mais importante, concordo que a informação é que fará a diferença no processo. E, no escopo desta informação, está incluída a exata compreensão do que é ser "cidadão". Vendo-me como parte do todo, com minhas particularidades, e sabendo que estas minhas particularidades acabam necessariamente por compor o perfil da sociedade em que vivo, é importante expressar essa diversidade no corpo da representação social... ainda que minhas limitações, quaisquer que sejam, tornem-me mais inclinado a responder aos afetos que à razão. Omitir-me é aceitar que a representação é "capenga"; que, ao fim e ao cabo, ela é representação que não representa.
Concluindo, então. Também não defendo a obrigação como solução. Mas receio que, infelizmente, a obrigatoriedade acabe por criar uma vinculação mínima com o processo. Só o fato de pensar "Tenho que votar", implica a necessidade de saber os números dos candidatos... o que levará, no mínimo, a imaginar quem são os "donos" desses números. Ou seja, cria uma pequena tendência a introduzir-se no processo de informação... que, obviamente, ainda está bem longe daquela INFORMAÇÃO de que falamos antes. Mas... é um princípio...
Obrigado. Abração.


Luis disse...

Ricardo, decerto voltaremos e comparar e testar opiniões sobre outros temas.
É sempre um prazer debater sem o espartilho de dogmas ou julgamentos definitivos

grande Abraço
Luís