quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

História concisa da Filosofia

O título do post também é do último livro que li, de autoria de Derek Johnston. A escolha do título me parece "pretensiosa" demais, visto que o livro apresenta apenas quinze capítulos, cada um, na maior parte das vezes, correspondendo a um filósofo. Mas não há uma divisão por períodos históricos/filosóficos especificamente, incluindo aí os filósofos escolhidos.

A minha curiosidade maior ficou por conta da escolha de Spinoza como personagem de um dos capítulos; afinal, normalmente, quem aparece é o "detestável" Leibniz, completando o racionalismo, ao lado de Descartes. Mas desta vez, não, lá estava o querido Spinoza!

O livro é bem "ágil". Os capítulos apresentam informações relativas à vida e ao pensamento de cada filósofo; uma cronologia envolvendo fatos contemporâneos ao desenrolar da vida destes; explicação de alguns termos que compõem o texto; bem como algumas idéias principais dos livros mais representantes do pensador.

Parti contente para a leitura do capítulo sobre Spinoza e, ao lado de informações que no geral valem a pena ser lidas, vejo algumas "escorregadas" que mereceriam ser corrigidas.

A primeira ocorre logo na segunda frase. Lá está "... panteísta racional que tentou construir um sistema... que explicasse Deus, a Natureza e os seres humanos, ... a partir de uma única realidade espiritual". Realidade espiritual? Isso parece mais com Hegel do que com Spinoza! Este último fala da "substância" - que inclui as dimensões material e espiritual - sem se ater exclusivamente a qualquer uma delas.

Depois, "proveu seu sustento como um humilde polidor de lentes. Seus amigos eram protestantes quase radicais". Alto lá! "Humilde polidor de lentes"? Spinoza era um mestre em lentes de precisão, utilizadas nos instrumentos científicos da época, conforme reconhece um cientista holandês famoso da época, um dos irmãos Huygens. E falar dos "colegiantes" como "protestantes quase radicais" é algo insensato. Os colegiantes formavam um grupo de estudos filosóficos marcado pelo ecletismo de seus representantes, todos interessados simplesmente em livrarem-se das amarras da superstição religiosa, sendo, por isso, melhor chamá-los de livres pensadores do que de radicais de qualquer espécie.

Alguns enganos menores continuam, como a referência à sua mudança para Leiden, em 1660, e para o "The Hague" (isso tem cara de idioma inglês... mas na Holanda?), em 1663. O correto seriam Rijnsburg (que realmente é perto de Leiden) e Voorsburg (perto de Haia). Finalmente, embora não citado, Spinoza se fixa em Haia (seria o tal "The Hague" do livro?).

Numa tentativa de aglutinar pensamentos, por conta do pequeno número de filósofos apresentados, penso, o autor comete outro engano, quando diz que "Espinosa ... afirmou que o mundo é o melhor de todos os mundos possíveis". Que isso? Isso é idéia do Leibniz (arght!), não do meu querido Spinoza! Aliás, do Dr. Pangloss, como conta Voltaire.

Engano menor, mas que normalmente aparece nas descrições de sua vida, é a morte aos 45 anos. Ora, se o homem nasce em novembro de 1632 e morre em fevereiro de 1677, parece-me que só chega aos 44. Aliás, espero que eu não escolha justamente esse ponto para me parecer com o "mestre"; visto que em 2009 já cumpro meus 44 anos de existência. Rsss.

De forma geral, entretanto, o livro é bom, valendo a pena a leitura, pela apresentação de pensamentos bastante representativos da Filosofia como um todo, em pouco mais de 180 páginas.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Feliz Ano Novo, pessoal!

Hoje, escrevo apenas para desejar um Feliz Ano Novo àqueles que lêem este meu pequeno "quadro de lembretes". Que este próximo ano seja cheio de saúde e que cada um possa sentir a felicidade - muito mais como um estado de fruição constante, do que como uma colcha de retalhos de alegrias pontuais. É lógico que desejo, ao reboque disso, dinheiro, realização de desejos pessoais e harmonia em todos os ambientes.
Em resumo, que tudo o que foi bom no ano de 2008 se torne ótimo e que tudo o que foi ruim se torne bom... Mas nada de esperar, apenas, que o "destino" nos traga a "boa fortuna"; vamos continuar nos esforçando, com a nossa "virtù" - como diria Maquiavel. Rsss.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Feliz aniversário, Jesus!

Apesar de não ser cristão, vivo numa sociedade fundamentalmente pertencente a essa religião. É bem verdade que muitos desses "cristãos" sequer lembram do aniversariante, tão preocupados que estão com as filas nos shoppings. De qualquer forma, o não pertencimento a um sistema religioso não me impede de admirar seus grandes personagens - mesmo que com um olhar mais crítico do que o "fiel". Há, portanto, que reconhecer - como, aliás, havia feito o "excomungado" judeu Spinoza - o quão magnânimas são as lições de Jesus, o Cristo. Aliás, talvez mais o exemplo do que as lições. Discute-se se o Cristianismo vivido atualmente é apenas um "Paulinismo" - adaptação da mensagem original de Jesus por São Paulo - mas isso não diminui a grandeza espiritual de seu fundador. A mim parece, particularmente, que as vidas de São Francisco de Assis e de Lutero, este, no primeiro momento, seguem melhor o paradigma de Jesus do que toda a Igreja edificada sobre Pedro - como ele pedira ao seu discípulo.
O mais lindo na mensagem "crística" - ou seja, pertencente ao Cristo Jesus - foi, parece-me, a ampliação do alcance do "mandamento" judaico, constante no Levítico, capítulo XIX, versículos 17 e 18, do "Ama ao próximo como a ti mesmo" - Bom lembrar que quem me ensinou que essa idéia não era originalmente cristã foi Baruch Spinoza, no seu Tratado Teológico-Político. Mas, voltando... Jesus, o Cristo, ampliou esse regramento, que se destinava apenas ao tratamento entre "irmãos" da comunidade judaica, para incluir a humanidade inteira.
FELIZ NATAL E BOAS ENTRADAS PARA TODOS!
PS.: Agora, uma provocação: quantos dos cristãos que usam o lema "Ama ao próximo como a ti mesmo" sabem que isso já existia no Antigo Testamento?

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Anarquismo

Ainda sobre a revista que trata de Marx.
A matéria “O Anarquismo” diz “O Anarquismo é erroneamente tido como sinônimo de ausência de ordem, mas na realidade significa ausência de coerção... Embora rejeitem qualquer forma de poder, não recusam a constituição de organizações administrativas. Mas tais organizações devem ser o resultado de uma ação consciente e voluntária de seus membros, mantendo entre eles a total igualdade, sem o estabelecimento de relações de poder... Os anarquistas se denominam ‘socialistas libertários’... defendem um sistema socialista em que a posse dos meios de produção seja socializada... , sem a presença de autoridades ou governos”.
Em tese, o sistema parece dividir de forma bastante justa o poder entre todos os cidadãos. Mas duas coisas, pelo menos, me parecem problemáticas. Em primeiro lugar, o nível ético dos cidadãos teria que ser altíssimo, para não ocorrer algo como o “Estado de Natureza” de Hobbes e Spinoza, onde o que vale é a “Lei do Mais Forte”. Em segundo, questiono-me até que ponto esse tipo de sistema seria possível em um país de grandes dimensões. Imagino que pequenos grupos, formados basicamente por pessoas com a mesma “boa intenção”, educação e senso ético pudessem ser submetidos a essa forma de “des-governo”, mas poucas são as situações mundiais reais que preenchem esses requisitos.
Ainda virão alguns posts sobre essa revista.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Obama e a Máquina de Guerra

O Jornal do Brasil noticiou que, infelizmente, “Cortes de verba militar prometidos por Obama para depois da retirada podem não ser possíveis”. A matéria informa que o corte na verba de US$ 10 bilhões anuais “aplicada” na Guerra do Iraque, prometido na época da campanha eleitoral, dá sinais de que não será realizado. Isto, porque há já um compromisso de “reforço” nas tropas instaladas no Afeganistão, que consumiria exatos US$ 10 bilhões.
Outra “sinalização” estranha de Obama é a manutenção de Robert Gates como Secretário de Defesa, herança do governo Bush.
Fato complicado, também, é saber que o orçamento já aprovado para a Defesa em 2009 é de US$ 864 bilhões e que, segundo um analista americano, “o planejamento de 2010 está tão adiantado que será muito difícil fazer cortes. Assim, Obama só poderia mexer nos gastos na segunda metade de seu mandato”.
É verdade que, com o alto investimento para eliminar a crise atual, boa parte do que o tal secretário Robert Gates pretende manter como orçamento para sua pasta – 4% do PIB americano – pode acabar indo socorrer instituições financeiras americanas em vez de explodir bombas na casa de iraquianos e afegãos. Mesmo assim, a manutenção da “Máquina de Guerra” operando nesses níveis não era a idéia dos que viram em Obama justamente o contrário do desastrado governo Bush.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Otimismo vs. Pessimismo

Sinto-me um cético em relação às soluções fáceis para problemas difíceis. A parte ruim disso é que pessoas assim parecem pessimistas em meio ao ufanismo otimista de que "Tudo se resolve!", ou do tão atual "Deixe a vida me levar!".
Aproveitando a entrevista de Sponville à revista Cult para pensar nesse tema, registro a última pergunta feita ao filósofo francês, que foi: "Quais os motivos reais para sermos otimistas, tanto individual quanto socialmente?", ao que ele responde: "Você conhece a fórmula de Gramsci: 'Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade'. Pessimismo da inteligência, porque é preciso ver as coisas como elas são, sobretudo quando são inquietantes, e mesmo vê-las de maneira um pouco mais sombria do que realmente são: assim seremos mais vigilantes. Mas otimismo da vontade, porque depende de nós mudá-las, ao menos em parte, e evitar o pior. Isso me faz pensar naquela outra fórmula do estóico Sênceca: 'Quando você tiver desaprendido a esperar [ou seja, desejar o que não depende de você], eu o ensinarei a querer' [ou seja, a desejar o que depende de você e, portanto, a agir]. Não se trata de ser otimista ou pessimista. Trata-se de ser lúcido e corajoso. Não se trata de esperar ou temer; trata-se de querer, de prever e de agir".
Quero registrar também uma idéia de Sponville - presente em um de seus livros - que sempre me acompanha nos momentos existenciais mais "complicados". Ele diz "A vida é pegar ou largar... Eu pego!".
Ainda na linha de pensamento dele, não me parece que o diagnóstico exato diante da vida seja questão de pessimismo ou otimismo, mas sim de "lucidez e coragem". Lucidez para perceber as circunstâncias, identificar possíveis desdobramentos e preparar-se adequadamente para as situações que estão por vir; e coragem para reconhecer o desconforto possível do devir e para agir com a maior energia possível no sentido de minimizar as situações tristes e multiplicar as alegres.

Entrevista de André Comte-Sponville

A última edição da revista "Cult" trouxe uma entrevista com o "fantástico" filósofo André Comte-Sponville. Antes da entrevista, propriamente dita, há uma série de informações sobre o filósofo.
Está lá...
"Na contra-corrente de escritores populares que tematizam o problema da religião no mundo contemporâneo, mas que participam de uma cruzada radical e militante pelo ateísmo - figuras como Michel Onfray, Christopher Hitchens e Richard Dawkings - Comte-Sponville opta pelo meio-termo e defende o "ateísmo fiel", uma espiritualidade forte porém contrária à idéia transcendente de Deus, uma espiritualidade guiada apenas pelas virtudes e pela sabedoria da tradição filosófica cética e humanista".
Primeiro ponto interessante, que distancia Sponville de um "fundamentalismo" ateísta, como o de Dawkins.
A introdução continua...
"Para o filósofo, o saber filosófico deveria superar a crença religiosa, inclusive em sua dimensão espiritual, o que não implica aversão à religião nem queda no niilismo. 'A laicidade não significa ódio às religiões, ao passo que o niilismo, em seu esvaziamento ético, conduz à idolatria mercantil e à violência', diz o pensador".
Importante destaque sobre o não "ódio às religiões", compreendendo que a religião é uma dimensão da sociedade e que odiá-la corresponde a odiar aquela parcela da humanidade que a vivencia. Além disso, Sponville mostra que ateísmo não leva necessariamente ao niilismo e ao "esvaziamento ético", como postulara Dostoievsky.
Em relação à acusação de ser um "nouveau philosophe", autores dos anos 70 e 80 que popularizaram caricaturalmente a Filosofia, ele diz "Sou um filósofo antigo: procuro pensar à maneira dos antigos, especialmente Epicuro e Espinosa, para resolver problemas atuais".
Nem preciso falar do "saboroso" destaque ao "padrinho" Spinoza no filosofar de Sponville.
Na última parte da introdução, a revista destaca "sua temática principal: a renovação da espiritualidade e de uma felicidade ancorada na lucidez dos antigos".
Como eu já afirmei, a felicidade é um dos meus assuntos filosóficos prediletos, ainda mais quando fundamentada em bases lúcidas. Daí, portanto, uma das razões para minhas constantes idas à fonte sponvilleana. Além disso, a "renovação da espiritualidade", como reconhecimento dessa dimensão humana - além da racionalidade e da base instintual - e como tentativa de integrar essa espiritualidade à totalidade do homem, sem que seja necessário ser um "crente cego" dentro da igreja e um "homem da razão fria" fora dela é algo que me atrai em Sponville.
Já dentro da entrevista, aproveitando a "ponte" com alguns dos últimos posts, Sponville comenta a crise financeira internacional, dizendo "Quanto à crise econômica atual, ela não é a primeira nem a última. Não se trata do fim do mundo, nem do fim do capitalismo. Por mais grave que seja, a crise vai passar, até chegar a próxima. De todo modo, essa crise confirma mais uma vez que o mercado necessita de limites externos, que os Estados são fundamentais para impor tais limites (que hoje chamamos de "regulações")". E emenda, com uma constatação real e triste "O que não passará, pelo menos nos próximos decênios, é a anunciada catástrofe ecológica... O que também não passará, ao menos não no curto prazo, é a crise cultural, moral, espiritual do Ocidente. Afinal, o que ainda pode oferecer ao mundo uma sociedade que não acredita em mais nada além do dinheiro e do sexo?".
Essa nossa "crise moral" é problemática mesmo.
Depois eu mostro mais...

domingo, 14 de dezembro de 2008

A Comuna de Paris

Logo que li a história da Comuna de Paris, veio-me à lembrança outra, a dos Trezentos de Esparta. Tanto em uma quanto na outra, um pequeno grupo lutou bravamente por seus ideais. Talvez em ambos os protagonistas já conhecessem seu destino, antes mesmo de iniciado o confronto.
Para quem não conhece a história da Comuna de Paris, lá vai um resumo.
Após a revolução de 1848, Napoleão III, sobrinho de Napoleão Bonaparte, torna-se imperador da França. O "Napoleãozinho" declara guerra à Prússia, cujos exércitos eram maiores e mais bem treinados que o seu. As tropas do imperador são derrotadas em 1870. Assume o governo um corpo de deputados liderado por Louis Adolphe Thiers. Os alemães continuavam fazendo estragos na França. Enquanto a população toda se engajava na Guarda Nacional e resistia, monsieur Thiers preparava a capitulação. Em março de 1871, Thiers ordena o desarmamento da Guarda Nacional, a fim de se preparar para entregar a França. A insurreição se inicia; e os revoltosos expulsam o governo provisório de Paris, que se retira para Versalhes. O governo assina, então, o armistício com os alemães. O único contingente armado no país é a Guarda Nacional de Paris. A cidade se declara independente e e institui a Comuna de Paris - primeira República Proletária da história. E o que aconteceu, então? O governo de Versalhes se une à Alemanha para esmagar os revoltosos. A Comuna possuía 15 mil milicianos e foi atacada por cerca de 100 mil soldados - alemães e franceses, também. Enquanto a defesa da Comuna matou cerca de 900 soldados; as tropas "legalistas" executaram cerca de 70 mil parisienses - milicianos ou simples "civis". Foi um massacre que só parou após semanas de combate, unicamente pelo medo de epidemias, por conta dos corpos dos "communards" espalhados pelas ruas.
Algumas das medidas adotadas pelos "communards" foram altamente interessantes, por causa do apelo social, como a igualdade dos sexos; a eliminação dos descontos salariais; a extinção do trabalho noturno; o salário dos professores foi duplicado; o "internacionalismo" foi posto em prática, não importando o fato de alguém ser estrangeiro; sociedades de discussão foram criadas nas igrejas; a educação se tornou gratuita, secular e compulsória; a pena de morte foi abolida... e por aí vamos.
Depois de ler as medidas adotadas - ainda que entendendo que a "revolução" a ser empreendida seja uma revolução de valores e não uma revolução armada -, fico cada vez mais convicto que é necessária uma modificação nesse modelo selvagem de capitalismo. Mas não me iludo, também, sobre o fato de que esse modelo foi sugerido por seres humanos, ou seja, o "modelo" não é uma transcendência que se impõe a nós. Portanto, outros seres humanos também podem pensar em um outro modelo mais justo.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Entrevista de Rubem Alves

A revista "Filosofia - Ciência & Vida" nº 26 publicou uma entrevista com o meu querido Rubem Alves. Para quem não o conhece, a revista o apresenta: "mestre em Teologia, PhD em Filosofia, psicanalista pela Associação Brasileira de Psicanálise de São Paulo e professor emérito da Unicamp" - cansa até listar os títulos do homem!

Quem me conhece vai perceber porque gosto do Rubem Alves.

Ao ser perguntado sobre o declarado "encolhimento" de sua biblioteca com o passar dos anos e com a permanência dos poetas entre os livros importantes, a revista pediu-lhe a informação de quais seriam os nomes desses poetas. Rubem responde "Em primeiro lugar, Pessoa", para depois citar Sophia de Mello Breyner Anderson, Cecília Meirelles, Robert Frost, Emily Dickinson e Mário Quintana.

E Rubem explica o seguinte sobre a poesia: "A poesia seria como se fosse um suor, um suor da pessoa. O poeta sua poemas, é o jeito de ele ser, não é que ele queira fazer isso ou fazer aquilo, ou vender livro. Ele não pensa nisso".
Em outra passagem, a revista afirma "Parece haver uma afinidade entre o senhor e Saramago, pelo fato de ele se mostrar um cáustico. Aquele tipo que vê a beleza emergir do caos".
Pessoa... Saramago... e a opinião sobre Deus, para finalizar.

Rubem responde à pergunta "Como o senhor se sente em relação a Deus? O senhor acredita em Deus?" assim : "Eu não acredito, quer dizer, no Deus cristão. Eu acho a teologia cristã tão absurda, que eu digo que se eu fosse Deus, eu atacava todos os teólogos cristãos com uma praga de hemorróidas, por eles serem capazes de pensar sobre Deus o que eles pensam. Eu estou citando a Bíblia, porque aconteceu isso na Bíblia... A teologia cristã é o seguinte: Deus, que é onipotente, onisciente, criou o mundo. Já de saída, e, antes que qualquer pessoa existisse, ele já separou os que vão para o céu, os que vão para o inferno; tinha uma dívida a ser paga, a dívida dos pecados que ainda não tinham sido cometidos, e ele só aceita pagamento em sangue, e apenas um sangue capaz de pagar a dívida, que era o sangue do próprio Deus. Por isso, ele pega o seu próprio filho e manda para a Terra para ser morto com sangue, para ele ficar satisfeito. Meu Deus, um Deus que mata o seu filho para ele ficar em paz com a sua exigência legal. Isso é uma coisa tão monstruosa, que eu acho que os cristãos nunca pensam nisso, sabe?"

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Algumas sobre vinhos

A primeira é para os que apreciam vinhos como Romanée-Conti, Chateau Lafite-Rothschild e Chateau Mouton-Rotschild - o que, infelizmente, não é o meu caso. Graças ao desastre da economia americana - e mundial -, os especialistas afirmam que esses vinhos já estão ficando mais "baratinhos". Então, quem tem os R$ 15 mil, para o primeiro da lista; os R$ 2,3 mil, para o segundo, e os R$ 1,3, para o último, já pode ir buscá-los. Os preços registrados já são os "em baixa", pessoal!
A segunda é para os apreciadores bem mais modestos - ah... aqui eu me encaixo! O Jornal do Brasil publicará no dia 19 de dezembro - e fá-lo-á todo mês - um Guia JB Vinhos, com cem vinhos até R$ 100... com dicas de harmonização!
A terceira diz respeito a uma entrevista que saiu na Revista JB com Jacques Péters - enólogo da Maison Cliquot - e seu sucessor no cargo, Dominique Demarville.
A entrevista conta como a jovem viúva Cliquot, com apenas 27 anos, assumiu a Maison Cliquot, em 1810, e teve uma série de idéias de sucesso, fazendo da Veuve Cliquot uma das champagnes mais respeitadas do mundo. Diz-se que ela produziu a primeira millésimé - champagne com uvas de apenas uma safra, notadamente de boa qualidade -, bem como a primeira bancada de rotação das garrafas, para juntar próximo à rolha as leveduras já mortas no processo de fermentação. A reportagem indica, inclusive, que antes disso as hastes das taças tinham que ser ocas, para acomodar esses restos, no momento em que se ia beber o produto. Informa ainda que a cor amarela do rótulo e das caixas da Veuve Cliquot foi também invenção dela, para facilitar a contagem do produto a distância, durante os embarques para transporte.
Essa senhora Barbe Nicole Ponsardin Cliquot não era fácil!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Karl Marx

Li, por estes dias, a revista “Discutindo Filosofia (Especial) – Karl Marx”.

Por conta da crise internacional, que tem enlouquecido muita gente, voltou-se a questionar o Capitalismo – “selvagem” demais, talvez – e o seu companheiro, o neoliberalismo. A revista em questão, portanto, vem num bom momento. Aliás, ela já contempla esses eventos. Um dos textos – “O muro cai. E o marxismo?” - mostra a opinião do professor Cogiolla, da USP, de que “É preciso contextualizar e pensar o legado de Marx... A doutrina do marxismo precisa ser confrontada com os acontecimentos históricos e utilizada para entender o mundo de hoje”. O sociólogo Mauro Iase, no mesmo texto, afirma: “A especulação financeira e a atual crise estão descritas com todas as letras no terceiro livro de ‘O Capital’”. Outra opinião interessante é a do economista francês Jacques Attali – que não é marxista – dizendo que “[Marx] É um pensador extraordinariamente moderno, porque, quando se observa o que ele escreveu, não se trata de uma teoria do que um país socialista organizado deveria ser, mas como o capitalismo será no futuro. O texto faz a ressalva de que “Attali reconhece a importância da análise de Marx e seus acertos, mas não acredita no comunismo como forma de consertar as distorções capitalistas”. Aliás, esta é minha humilde opinião, também.

O sempre lúcido Leandro Konder – esse, sim, marxista – afirma: “Marx, sozinho, não me é suficiente. É preciso ter outras referências... [O marxismo] freqüentemente se torna um dogma... Mais do que um instrumento que é aplicado pura e simplesmente, Marx nos dá uma ferramenta para compreender a realidade. Marx pensou com o material disponível no tempo dele. Acertou muita coisa, mas também errou. Ele é um homem do século XIX. Hoje, temos problemas aos quais Marx não traz nenhuma contribuição de peso”.

Outra matéria interessante é “Da camaradagem à inimizade”, que conta a relação de Marx com Proudhon e Bakunin, os pais do Anarquismo. Marx lê Proudhon com 24 anos, e se aproxima de sua ideologia, tornando-se amigo dele depois. Em 1846, Proudhon publica “Sistemas de contradições econômicas ou Filosofia da Miséria”, onde defende um Estado descentralizado e critica o autoritarismo comunista. Proudhon não aceita um Estado totalitário, mesmo que “transitório”, como pregava o marxismo. Marx não gostou e publicou, um ano mais tarde, sua resposta, através do livro “Miséria da Filosofia”. Para acabar de vez com a amizade, Proudhon envia uma carta a Marx em que diz “Procuremos juntos, se assim o desejar, as leis da sociedade... Mas, por Deus, depois que tivermos destruído a priori todos os dogmatismos, não sonhemos por nossa vez em doutrinar as pessoas; não nos deixemos cair na contradição de seu compatriota Martinho Lutero que, depois de ter demolido a teologia católica, lançou-se imediatamente à tarefa de criar as bases de uma teologia protestante, utilizando-se da excomunhão e do anátema”. O texto segue, mostrando que Bakunin e Marx se desentendem, em 1872, durante um congresso, e que Marx acusa Bakunin, sem provas, de ser agente secreto da polícia czarista – a briga pelo poder é sempre igual, não é? -, o que provoca a expulsão deste último da Associação Internacional dos Trabalhadores.

O texto afirma “Como se pode ver, ... a questão do Estado totalitário acabou sendo confirmada pela história a favor da linha do pensamento de Bakunin e Proudhon”.

Um trecho interessante da mesma matéria me fez lembrar do nosso presidente Lula. Lá vai a opinião de Bakunin sobre o estágio intermediário proposto pelo marxismo, antes do fim do Estado: “Chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de ANTIGOS OPERÁRIOS, mas que, TÃO LOGO SE TORNEM GOVERNANTES... cessarão de observar o mundo proletário de cima do Estado; NÃO MAIS REPRESENTARÃO O POVO, MAS A SI MESMOS E SUAS PRETENSÕES DE GOVERNÁ-LO. Quem duvida disso não conhece a natureza humana”. (GRIFO MEU)Bakunin dá até uma de psicólogo, generalizando esse comportamento como pertencendo à essência do ser-humano. Se ele estiver certo... nosso presidente e seu Partido não estão lá muito alinhados conosco do povo.

Por que acreditar em Deus?

A pergunta não é feita por mim – pelo menos nesse momento -, mas pela “Revista da Semana” (acessível pelo site www.revistadasemana.com.br), logo na capa. O título da matéria é “A crença dos ateus”. Aliás, percepção correta, já que os ateus também crêem em algo: a inexistência do Deus concebido pelas “mitologias” monoteístas... quero dizer, pelas religiões monoteístas. Rsss. A matéria é bem superficial – afinal, a proposta da revista é ser uma espécie de “resumo” das notícias de outros meios de comunicação – e começa com a informação sobre a divulgação, em outdoors, de uma campanha patrocinada por ateus, com dizeres como “Provavelmente Deus não existe. Agora pare de se preocupar e aproveite a vida”. Descrevem-se algumas idéias dos líderes desse “novo ateísmo” mundial, como Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Sam Harris e Daniel Dennett. Passa-se por um breve relato histórico da questão sobre a existência, ou não de Deus; destacando tanto o aumento da dúvida depois das atrocidades da Segunda Grande Guerra, quanto a perspectiva da evolução científica em poder explicar tudo; até a constatação de que as religiões continuam fortemente presentes, citando a radicalização de movimentos islâmicos e o crescimento das igrejas evangélicas – que exemplos “valorosos” para a favor da religião, hein!
A revista fala das tentativas de interferência da Igreja no plano secular; passa por uma estatística sobre o ateísmo, onde é apresentada a estimativa de que apenas 2% dos brasileiros são ateus – com fé! Rsss -, embora o número dos “sem religião”, no Brasil, pelo censo de 2000, chegue a 7,3%; e conclui dizendo que “Os argumentos dos novos ateus podem ser usados contra sua própria causa. Não é possível provar a existência de Deus, é certo. Da mesma maneira, a ciência, por trabalhar com probabilidades, jamais conseguiu provar que Deus não existe. A imensa maioria das pessoas jamais viu um átomo. Elas simplesmente acreditam nas representações e nos textos dos livros didáticos. Tudo é questão de crença, alimento para um debate intelectual fascinante”.
A conclusão da matéria não é ruim, mas contém um engano: os “novos ateus” não pretendem provar cientificamente a inexistência de Deus – isso é impossível! Aliás, provar a inexistência normalmente é mais difícil que provar a existência. É como declarar morto alguém desaparecido: fica-se sempre com a impressão que o suposto morto poderá aparecer a qualquer dia. Ao contrário da facilidade de provar a existência, para o que basta apresentar o “ente” em questão e dizer: “Ei-lo!”. O que se pretende é demonstrar que, como dizia Lavoisier, Deus passou a ser uma hipótese não necessária para explicar a natureza. Da mesma forma que se deixou de acreditar nas mitologias greco-romanas – e em tantas outras pelo mundo -, entendendo que não passavam de explicações da realidade que apelavam para uma via “alternativa” à razão, parece-me plausível que se fizesse o mesmo com a “mitologia cristã”, por exemplo. Até porque a maioria dos cristãos já sabe que muito do que a Bíblia diz é “simbólico”. Ou seja, concordam que é uma espécie de mitologia, mas não se desapegam dela, ao contrário do que sugeririam para quem quisesse retomar o culto a Zeus, por exemplo. Além disso, já se criaram explicações teológicas que compatibilizariam a tese darwinista com a tese da criação divina, tornando relativos os dogmas fundamentais. O bom senso exigiria uma coerência maior, penso.De qualquer forma, como diz a conclusão da matéria, “tudo é questão de crença”. E se é questão de crença, uns acreditam em Deus e outros podem não acreditar, sem serem, por isso, seres imorais e insensíveis. Mesmo que não se acredite em Deus, haverá sempre espaço para o mistério e para o absoluto. O problema, a meu ver, é rotular esse mistério-absoluto e dizer-se intérprete único dele. Para concluir, destaco uma citação, pela revista, de Simone de Beauvoir: “É mais fácil pensar em um mundo sem criador do que um criador lidando com todas as contradições do mundo”... acrescentando que, muitas vezes, essas “contradições” significam o bom sofrendo o mal, num reino criado pelo sumamente bom.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O Dia da Filosofia

Xiiii... não me homenagearam direito! Ao contrário do que eu, todo embevecido, pensava, o Dia Mundial da Filosofia não é no dia do meu aniversário... ou, pelo menos, não sempre. Na verdade, a data é móvel. Ela é comemorada na terceira quinta-feira do mês de novembro. Este ano, por exemplo, foi comemorada no dia 20.
Eu vou dizer uma coisa à Unesco... Eu e o Voltaire, que nascemos em 21 de novembro, não gostamos nada disso, hein! Rssss

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Essa tal sincronicidade

Ontem, após colocar o post, vi uma “nova” revista de Filosofia nas bancas e a comprei. Na verdade, era uma revista já existente “remodelada” – agora é a “Conhecimento Prático – Filosofia”. A proposta atual é de aproveitar mais o “mundo vivido” para mostrar como a reflexão filosófica se encaixa perfeitamente no quotidiano. Gostei!Mas o que me leva (ou traz. Rsss) a escrever hoje é a “onipresença” dessa tal “Sincronicidade junguiana”. Não é que, no mesmo dia em que postei “Filosofia e poesia”, vejo uma matéria na revista com o título de “Sobre filosofia e poesia”?!
A matéria é escrita por Ulisses Razzante Vacari. Gostei da parte em que ele diz: “O pensamento de que os sistemas de Filosofia são, em verdade, grandes e longos poemas, pois, em certa medida, eles possuem... uma estreita ligação com o divino e com o Belo, foi sugerido por um filósofo e poeta alemão chamado Friedrich Hölderlin (1770-1843). Cansado que estava do ‘frio deserto da especulação’ que tinha se tornado a Filosofia em sua época, devido a uma incessante e obstinada procura pela verdade, principalmente com Emmanuel Kant (1724-1804) e Gottlieb Fichte (1762-1814), a obra filosófica desse poeta consistiu em evidenciar justamente esses laços que a Filosofia mantinha e deveria manter com a mitologia e a própria poesia”.
Só para complementar a sincronicidade – se é que ela existe mesmo – vemos que o texto destaca Hölderlin e o meu post fala de Heidegger, que é justamente quem retoma o poeta alemão para aproximar Filosofia e poesia.
Esse Jung...

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Filosofia e poesia

Há algum tempo, registrei minha estranheza no que diz respeito a um livro que havia comprado e que traçava um paralelo entre os pensamentos de Martin Heidegger e Fernando Pessoa. Agora, lendo o livro “Metafísica e realidade”, de Tomás Melendo, vejo essa aproximação entre Filosofia e poesia destacada novamente. Logo no Prefácio, de Antônio Livi, lê-se: “Entre poesia e metafísica existem – desde os tempos do poema de Parmênides – relações estreitíssimas”. O autor do prefácio ainda destaca, sobre Melendo, que “as citações dos poetas [no livro] não servem só para expressar de maneira sugestiva o que a metafísica expressa... com a frieza da lógica e da terminologia técnica... A experiência artística capta (às vezes melhor do que qualquer outra experiência) a verdade das coisas”.
Além disso, há uma citação, antes do Prólogo, de R. M. Rilke, no famoso “Cartas a um jovem poeta”, digna de constar nas cartas de Epicuro, por exemplo, que é “Não busque agora respostas: não lhe podem ser dadas porque não poderia vivê-las. E o que importa é isso: viver todas as coisas. Viva você agora os problemas. Vivendo-os, talvez, em um dia distante, pouco a pouco, sem perceber, penetre na resposta”.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Saramago no Brasil

José Saramago veio ao Brasil lançar seu novo livro, "Viagem do elefante". Vale a pena dar uma olhada no blog do escritor "Nobel", a fim de ver seu sensível registro, do dia 27/11, sobre a catástrofe em Santa Catarina, quando diz: "Para quem, como nós, não vivemos directamente a tragédia, gestos como estes também nos consolam, nos fazem pensar que a jovem da editorial que se preocupa com a sorte de gente que não conhece é uma imagem possível do mundo". E são justamente os exemplos de solidariedade que tornam o nosso povo brasileiro tão bonito. Precisamos, de alguma forma, expandir esse movimento solidário para o quotidiano, mesmo quando não há grandes tragédias coletivas, mas só "grandes" tragédias pessoais envolvidas.
Em tempo... o endereço do blog do Saramago é http://caderno.josesaramago.org/

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Um pouco mais de Bachelard

“Convencemo-nos que um realismo que voltou a encontrar a dúvida científica já não pode ser da mesma espécie que o realismo imediato (NM. Imagino que a melhor tradução fosse “realismo ingênuo”) ... e que um racionalismo que tenha corrigido julgamentos a priori, como aconteceu com os novos ramos da geometria, já não pode ser um racionalismo fechado”.
Aliás, como sempre defendo, acho que o melhor é um afastamento “saudável” dos extremos. Nem realismo, nem idealismo, nem racionalismo, nem empirismo puros! Será que essa é, por si só, uma opinião “extremada”? Rsss

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

KANT E LOBATCHEVSKI

Kant, como se sabe, pretendeu inaugurar, com a sua Crítica da Razão Pura, um tribunal para a razão, a fim de investigar-lhe os limites e, assim, torná-la mais consciente de suas reais possibilidades. Longe de querer diminuir o campo de ação da razão, parece-me que Kant quis garantir-lhe um certo “conforto” para lidar com a realidade, sem precisar ser obrigada a “calar sobre o que não se pode falar” – como dizia Wittgenstein.
Interessante a opinião de Bachelard a respeito de Lobatchevski – um dos desenvolvedores da mudança na Geometria com base euclidiana -, também sobre a razão. Gaston disse: “Lobatchevski fundou a liberdade da razão em relação a ela mesma, tornando flexível a aplicação do princípio da contradição”.
Caramba... afirmação ousada, hein!

Kant, aliás, tinha sua opinião sobre a Geometria Euclidiana – que, até sua época, era a única existente. Ele achava que a Geometria Euclidiana era única e absoluta e que suas proposições seriam sintéticas a priori. Entretanto, com a revolução promovida pelos trabalhos de Gauss, Bolyai, Lobatchevski e Riemann, ficou demonstrado que o “espaço euclidiano” era apenas uma das possibilidades para o desenvolvimento da geometria.
Apenas mais um caso de “restrição no domínio de aplicação”, como disse Cláudio Costa?

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

AS FRONTEIRAS ENTRE O ANALÍTICO E O SINTÉTICO

O título desse post é um item do livro de Cláudio Costa, "Uma introdução contemporânea à Filosofia" - que achei excelente. O autor diz que há proposições aparentemente intermediárias entre o analítico e o sintético, fazendo uma ótima análise sobre o assunto. Cita, também, a idéia de W. V-O. Quine de que a distinção analítico-sintética é falsa e injustificada - que Kant não nos ouça! O texto vale a pena ser lido. Depois farei um resumo.
Mas o que eu quero falar aqui é de uma análise específica, que interessaria muito ao nosso querido Spinoza. Como se sabe, uma verdade evidente para Spinoza, modelo do que ele dizia ser o “claro e distinto”, era que “a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a dois ângulos retos”. Pois bem, Cláudio Costa faz a seguinte análise dessa proposição:
“Essa é uma proposição analítica da geometria euclidiana. Como há dois séculos atrás a geometria euclidiana era a única, pensava-se que essa proposição fosse aplicável a todos os domínios concebíveis. Não obstante, com a descoberta de geometrias não-euclidianas, construíram-se triângulos cuja soma de ângulos internos passou a ser diferente de 180º. Além disso, a Física moderna demonstrou que o próprio espaço físico não é realmente euclidiano: quando as distâncias são suficientemente grandes, a soma dos ângulos de um triângulo deve mostrar-se diferente de 180º. Pode-se pensar que a proposição deixou de ser analítica, tornando-se falsa. Mas essa seria a maneira errônea de considerar a questão. O que foi revisado foi o domínio de aplicação da proposição. Com o advento de geometrias não-euclidianas, ficou claro que nem todo o espaço concebível é euclidiano. A proposição teve, portanto, seu domínio de aplicação restringido. Bem explicitada, ela sempre significou ‘A soma dos ângulos internos de um triângulo na geometria euclidiana é de 180º’. O que o caso considerado torna patente é que proposições são analiticamente verdadeiras sempre relativamente às convenções estabelecidas em um certo sistema de linguagem. É um erro acreditarmos que a experiência possa revisar as proposições analíticas no sentido de que elas se tornem sintéticas, que percam o seu caráter a priori, a sua marca de necessidade. O que a experiência revisa é o domínio de aplicabilidade das proposições analíticas”.
Importante pensar nisso antes de colocarmos Spinoza e Bachelard para conversarem.
E “2+3=5” é uma proposição analítica ou sintética? Depois eu falo sobre essa...

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

GASTON BACHELARD

Sempre me atrai muito a “potência” intelectual de um pensador. A capacidade de convencer-nos do improvável é um traço marcante dessa “virilidade” intelectual. Aliás, se houvesse um “Viagra” intelectual, eu experimentaria um “azulzinho”. Quem sabe conseguisse “performances” dignas de um Heidegger ou um Leibniz, por exemplo?
Apesar dessa minha reverência à potência intelectual, não posso deixar de confessar, no entanto, que o que me liga efetivamente a um determinado pensador é, antes, o seu modo de existir. O viver “honesto”, que inclui um sistema filosófico “sincero”, que pretende nos afastar de uma ilusão, ao invés de querer nos envolver em uma alucinação – a sua -, é o que me apaixona... no sentido mais “nobre” do termo “paixão”.
Nem é preciso dizer que a vida de Spinoza é quase um modelo ideal para mim. Mas há outras, com maior ou menor grau de heroísmo envolvido, como as de Thomas More, Voltaire, Locke, Aristóteles, sem falar no paradigmático Sócrates, que são modelos apaixonantes, também.
O fato é que agora tenho andado a “flertar” com o pensamento – e a vida - de Gaston Bachelard.
Para quem ainda não foi apresentado... Bachelard nasceu em 1884, na região de Champagne, na França. Ou seja, seu pai poderia ter comemorado o nascimento do rebento com um “espumantezinho” regional em alto estilo. Rsss. O bom senso do rapaz motivou-o a planejar uma carreira de engenheiro. Posteriormente, seu bom entendimento do mundo aproximou-o da Filosofia. Nem preciso falar da minha humilde identificação nesse aspecto. Rsss. Na Sorbonne, “seus cursos eram acompanhados por uma multidão de jovens entusiasmados com a profundidade e originalidade de seu pensamento e com sua personalidade vibrante, acolhedora e inconvencional”, conforme indica o volume da coleção “Os Pensadores”. Bachelard vem a falecer em 1962.
O que mais está motivando minha leitura sobre ele é sua avaliação de que com as mudanças científicas do início do século XX, principalmente com a Física Relativista, “estabelece-se um relativismo do racional e do empírico” e que “as próprias matemáticas, as ciências mais estáveis... foram levadas a reconsiderar os elementos de base”. Isso me faz pensar até que ponto o projeto spinozano original de um conhecimento total seguindo um modelo geométrico ainda faria sentido. Não que Bachelard invalide totalmente a utilização da razão, apelando para um “irracionalismo”. Pelo contrário! Bachelard caracteriza sua posição como um “racionalismo engajado”, que se ajusta a cada tipo de objeto, tornando-se essencialmente progressivo, aberto e setorial.
Pode ser um bom diálogo entre amigos esse de Bachelard e Spinoza. Quem sabe Bachelard possa contar a Spinoza as novidades da ciência desde a Física dos tempos de Descartes?! Prometo ficar espiando essa conversa e colocar trechos no blog.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O PADRE É POP!

No Fantástico desse domingo foi exibida uma matéria sobre o celibato dos padres católicos, e a conseqüente impossibilidade de casamento destes. Um dos entrevistados foi o “padre pop” Fábio de Melo, que já gravou cerca de dez CDs. Apesar do estilo “modernoso”, o padre mostrou sua total concordância com o celibato. Esta exigência conta com um grande número de adversários, ex-párocos, muitos casados, que querem voltar ao seio da Igreja católica, com permissão para realizar todos os sacramentos.
Embora eu sempre me mostre contra o arcaísmo da Igreja católica, em praticamente todas as suas áreas de pensamento, acho que, se o celibato é uma exigência da vida monástica, ele deve ser cumprido. Quem não quer ser celibatário – como eu, por exemplo -, que não seja padre. Alguns deles até argumentam “Mas os pastores evangélicos podem ser casados!”. Isso... convertam-se ao protestantismo e sejam pastores, então.
Outro argumento comum é o de que o celibato não é uma exigência da “tradição”, isto é, dos textos originários do catolicismo - É verdade! – e que, portanto, basta um papa ter a vontade de modificar este item e... zap!... todos os padres poderão casar. Mas o fato é que, enquanto não surgir um papa tão “liberal” assim – um do estilo dos Bórgia, por exemplo -, a “regra” está valendo. Uma boa sugestão, então, é eles deixarem de serem padres e voltarem apenas quando um novo papa “Bórgia” mudar as coisas... uma espécie de “exílio” voluntário da religião que os “oprime”. Findo o “governo do opressor”, eles retornam ao seu “território espiritual” de origem.
Mas... voltando ao “padre pop”.
Li uma rápida entrevista com o padre Fábio e gostei do conteúdo das respostas, que mostram que ele não é só mais um “rostinho bonito” do mundo da música. Ao ser perguntado sobre como a fé pode ajudar a combater a violência e a corrupção, o padre respondeu “... luto... por uma fé madura. Nada de alienações. O que cremos precisa mudar o que somos. Minha fé em Deus não pode se resumir ao rito de ir à missa. Ela só será realmente eficaz se continuar acontecendo através de atitudes corretas”.
Gostei, padre! É verdade que tenho minhas dúvidas quanto à possibilidade de uma “fé madura” no sentido religioso de “fé”, e que este estado de amadurecimento consiga eliminar totalmente as “alienações”, como ele diz. Mas, em essa “fé madura” existindo, concordo que a “fé não pode se resumir ao rito de ir à missa” – aliás, nem a qualquer rito, somente -, além disso “[a fé] só será eficaz se continuar acontecendo através de atitudes concretas”. O que mais vemos é uma total falta de conexão entre o que se diz e o que se faz, por parte dos fiéis – para não falar das próprias autoridades eclesiásticas.
Parabéns pelas opiniões, padre Fábio!

O ANIVERSÁRIO...

Imperdoável esquecimento foi não ter registrado o aniversário do “patrono” do blog, Sr. Baruch Spinoza, ontem, dia 24/11. A única desculpa é que ele também não lembrou do meu, dia 21/11.
Brincadeiras à parte... que o pensamento de Spinoza possa influenciar, principalmente no que tinha de corajoso e inovador, muitos outros pensadores!
Viva Spinoza!!!

Por falar em Baruch Spinoza, não é que vi a informação de que o Barack, do Obama, quer dizer “abençoado/bento”?! Pelo som, parece haver a mesma raiz.
Já torço mais pelo Obama, então.

LUIGI PIRANDELLO

O dramaturgo e romancista Luigi Pirandello, quando esteve no Rio, explicou seu estilo inovador dizendo “Não sou filósofo nem pretendo ser. Se minha obra exprime, como querem, uma concepção filosófica, essa concepção independe inteiramente de qualquer intenção consciente. Também não sei, nem me interessa saber, qual seja essa intenção. Sustento que uma obra de arte não pode ser intencional e limito-me a interpretar a vida como ela me aparece e o mais diretamente possível. E não se vive com os olhos abertos, vive-se cegamente. A minha convicção de que a personalidade é múltipla não é uma conclusão – é uma constatação”.
De certa forma, Pirandello acrescenta um comentário ao meu post do dia 17 de novembro de 2008, quando afirma que “uma obra de arte não pode ser intencional”, concordando comigo – desde que se aproxime o que ele chama de “intenção” e o que chamo de “finalidade” no item “a arte não deve ter uma finalidade”. Ele diz que sua única ação é “interpretar a vida como ela aparece e o mais diretamente possível”. Entretanto, acho que o “interpretar” dele seria mais um “apresentar”, já que qualquer interpretação é, em si, uma “modelagem”... impedindo esse “o mais diretamente possível” que ele propõe a seguir.
De qualquer forma, mesmo sem desejá-lo conscientemente, Pirandello realmente filosofa, por exemplo, quando afirma que “não se vive com os olhos abertos, vive-se cegamente”; isso sem falar na sua constatação, e não conclusão, segundo ele, “de que a personalidade é múltipla”.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Bom lançamento literário

Ótima notícia é o lançamento no Brasil do livro de Nagel Warburton, "Elementos básicos de Filosofia", do qual eu já havia falado da edição portuguesa em post anterior.
Parabéns à Editora José Olympio!