quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Boaventura de Sousa Santos e a "esquerda"


   Impossível deixar de respeitar o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, do alto dos seus quase 75 anos. Contudo, numa entrevista dada à Folha de S. Paulo, por esses dias, fiquei meio ressabiado com uma resposta sua.
   Perguntado "Como vai a esquerda pelo mundo? Está em avanço ou em retrocesso?", ele começou a resposta brilhantemente, dizendo: "O mundo é demasiado vasto para que possamos ter uma ideia global de como vai a esquerda". Ponto para o sociólogo.
   Foi além, ao indicar que "até porque em muitas regiões do mundo as clivagens sociais e políticas são definidas em dicotomias distintas da dicotomia esquerda/direita. Por exemplo, secular/religioso, cristão/muçulmano, [...] branco/negro[...]". Mais um ponto para ele.
    Continua o sociólogo, explicando que "a definição dos seus [da dicotomia] termos é, em parte, contextual". Bem... definir os termos em uma discussão é sempre saudável. Só assim podemos garantir que estaremos tratando das mesmas coisas. Aliás, essa é uma lição que vem, pelo menos, desde John Locke, nos idos do século XVII: a importância da linguagem.
   Então, somos brindados com a definição "minimalista", segundo expressão de Boaventura: "Esquerda é toda a posição política que promove todos (ou a grande maioria dos) seguintes objetivos: luta contra a desigualdade e a discriminação sociais, por via de uma articulação virtuosa entre o valor da liberdade e o valor da igualdade; defesa forte do pluralismo, tanto nos mídia como na economia, na educação e na cultura; democratização do Estado por via de valores republicanos, participação cidadã e independência das instituições, em especial, do sistema judicial; luta pela memória e pela reparação dos que sofreram (e sofrem) formas violentas de opressão; defesa de uma concepção forte de opinião pública, que expresse de modo equilibrado a diversidade de opiniões; defesa da soberania nacional e da soberania nacional de outros países; resolução pacífica dos conflitos internos e internacionais".
   Dito desta maneira, ou melhor, dourando a pílula desse jeito, quase todos somos de esquerda.
   Fiquei com a impressão de que se propuséssemos uma definição de diabo da seguinte forma: "Diabo é aquele que nos oferece tudo aquilo que desejamos de bom, para nós e para aqueles que amamos, e só pede em troca algo que não nos será mais útil após termos deixado este mundo (a alma)", todos acharíamos o "demo" muito bonzinho.

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