Acho muito interessante quando há comentários nos posts. E, como eu sempre digo, quando o comentário é muito legal, gosto de trazê-lo para dentro de um novo post - ainda que seja indiretamente, via citações. Este é o caso do comentário feito pelo "Eduardo" no post "Nobreza", de 06 de julho de 2015.
Vamos dar uma rápida relembrada.
O post tratava de uma matéria da revista Veja que dizia respeito a pessoas, no Brasil, que lutam pelo reconhecimento, lá em Portugal, de seus títulos nobiliárquicos. Eu foquei especificamente um dos citados na matéria, o conde de Wilson, Eduardo Pellew Wilson. O viés de minha análise era um estranhamento quanto a algumas das opiniões de Eduardo, não exatamente pela sua condição de conde, mas muito pela de filósofo, que é sua formação acadêmica.
Como eu indiquei, no post original, fiquei surpreso com as ideias do conde-filósofo em relação a duas questões: (1) ser nobre é algo eterno - na matéria, havia a indicação de que o nobre era da "classe média" - e (2) casar-se com alguém não-nobre seria impensável, para ele.
Eu ressalvei que não poderia pensar como o conde de Wilson por não ser um nobre. Mas discordei das ideias do professor de Filosofia Eduardo - que, ao fim e ao cabo, são a mesma pessoa - por fundamentos exclusivamente filosóficos.
Qual não foi minha surpresa - muito boa, aliás - quando o "Eduardo" respondeu, agora, em dezembro de 2015. Sugiro que leiam o post original e o comentário, para retomar a discussão de modo mais completo.
Ele reforçou que o conceito de "classe média" é recente, não tendo a abrangência suficiente para lidar com categorias sociais mais antigas. Ser nobre não teria nada a ver com ser rico; portanto, não haveria nada estranho em ser nobre e de classe média.
Além disso, explicou, ainda melhor, a questão da nobreza de sua esposa - indicando que há a possibilidade, para qualquer pessoa que se disponha a fazê-lo, de investigar os dados sobre a família dela.
Como eu havia citado Aristóteles em minha argumentação, Eduardo indicou que o Estagirita não poderia tratar da nobreza portuguesa se espraiando pelo mundo, por simples anacronismo. Logo em seguida, diz que "A Filosofia não trata de genealogia nem de nobreza, especificamente".
Por último, disse que "ter, enfim, uma opinião filosófica para a nobreza deve ser algo interessante", para confessar que precisaria se debruçar mais sobre a questão da Revolução Francesa, a fim de pensar sobre alguns dos artífices nobres deste evento.
Prosseguindo com as análises.
Inicialmente, gostaria de dizer que não há nenhum tom de desrespeito para com a nobreza brasileira. Desta feita, não haveria nem necessidade de destacar, como fez Eduardo em relação aos antepassados da sua esposa, a seriedade histórica do levantamento genealógico.
Logo em seguida, eu gostaria de dizer que sinto um certo pudor em dialogar com o conde de Wilson, mas nenhum em tratar do assunto com meu colega filósofo, o Eduardo. Desta feita, será com este que eu vou argumentar. Lá vai...
Acho que Eduardo está absolutamente correto em dizer que ser e ter são coisas diferentes. Daí sua opinião de que um nobre pode viver como classe média. Nossa diferença não está neste ponto. A minha questão é outra. Ao contrário dele, que pensa que ter um título de nobreza é algo eterno, a que eu fiz a referência de ser algo essencial, eu imagino que isso é apenas mais outro "rótulo".
Não rejeito a qualidade de nobreza presente em alguém. Deste modo, penso que há realmente muitos "nobres". Aliás, há vários deles morando em favelas. A nobreza a que me refiro é a do ser humano que vive em sociedade, e não aquela que diz respeito a um título que lhe é outorgado por um determinado grupo.
Posso até aceitar que, para aquele determinado ser humano, a nobreza pertence à sua natureza. Agora, uma coisa a respeito da qual meu colega Eduardo não vai conseguir me convencer é que essa qualidade seja hereditária. Ou seja, posso até concordar que o antepassado da esposa do conde tenha sido um homem superiormente virtuoso, e até que a própria esposa do conde é alguém muito nobre, só não acho que isso tenha vindo pela simples genealogia que os liga.
Platão, citado pelo Eduardo, até acreditava que cada homem tinha uma natureza que já determinava sua tendência a ser guardião ou artesão, por exemplo. Contudo, não falava disso ser "transmitido" de pai para filho. Aliás, na República, os pais nem deveriam manter seus filhos sob seus cuidados, pois as distintas naturezas iriam ser identificadas e reforçadas pelo Estado.
Já Aristóteles, que também apareceu na estória post-comentário, trata das honrarias - entre elas, por exemplo, um título nobiliárquico - com muito rigor. Afinal, não seria isso que traria eudaimonia ao homem. E mais, como dizia Spinoza, talvez entre as três fontes imaginadas da felicidade - riquezas, honrarias e prazeres sensoriais/sensuais -, a mais frágil era justamente a que se refere às honrarias, visto que depende fundamentalmente dos outros. Riqueza, eu posso efetivamente ter; prazeres, eu posso efetivamente gozar; mas honrarias, eu só possuo diante do reconhecimento dos outros.
Estamos aqui naquele reino tão disputado pelos gregos antigos - lembremos Platão e os sofistas, por exemplo -, que é o das coisas kata physis e kata nomos. Ou seja, daquilo que é "por natureza" e "por convenção". A meu ver, a "nobreza", pelo menos como a vê Eduardo, pertence simplesmente ao segmento das coisas por convenção... e não daquelas por natureza.
Concordo até que casar-se com uma mulher nobre é algo fundamental... mas não acho necessário que ela tenha nenhum título de nobreza. A minha "mulher nobre" seria nobre na sua essência de ser humano, e não pelo mero reconhecimento de que um seu antepassado foi alguém excessivamente virtuoso e que, por isso, recebeu um título de nobreza que ela "carregou" para si como algo que lhe é interno.
Mais uma opinião: acho que os segmentos sociais são sempre definidos pelo seus limites. Por que há nobres? Porque há plebeus. Por que há burgueses? Porque há proletários. Aí, eu pergunto: Ainda há espaço para "nobres", se ninguém se preocupa mais com a segmentação dos "plebeus"? Particularmente, penso que não. Por isso é que, com uma certa mercantilização do esforço humano, acho que as "classes" - outra segmentação por convenção - corresponde melhor ao que vivemos hoje. Mas, obviamente, há outras categorias possíveis de serem estabelecidas como, por exemplo, as surgidas de uma divisão das regiões da experiência religiosa, submetidas às diversas religiões oficiais.
Por último, eu diria que a Filosofia já refletiu, em alguma medida, sobre a nobreza, sim. A ética e a política de Aristóteles pensam no assunto, ainda que obviamente não considerando o par "nobre-plebeu". Mas ao falar do poder na mão dos aristoi em oposição ao poder na mão do demo, o "povão", nos dá alguma medida dessa discussão.
Por enquanto, é só. E muito obrigado ao colega Eduardo e ao conde de Wilson.
Logo em seguida, eu gostaria de dizer que sinto um certo pudor em dialogar com o conde de Wilson, mas nenhum em tratar do assunto com meu colega filósofo, o Eduardo. Desta feita, será com este que eu vou argumentar. Lá vai...
Acho que Eduardo está absolutamente correto em dizer que ser e ter são coisas diferentes. Daí sua opinião de que um nobre pode viver como classe média. Nossa diferença não está neste ponto. A minha questão é outra. Ao contrário dele, que pensa que ter um título de nobreza é algo eterno, a que eu fiz a referência de ser algo essencial, eu imagino que isso é apenas mais outro "rótulo".
Não rejeito a qualidade de nobreza presente em alguém. Deste modo, penso que há realmente muitos "nobres". Aliás, há vários deles morando em favelas. A nobreza a que me refiro é a do ser humano que vive em sociedade, e não aquela que diz respeito a um título que lhe é outorgado por um determinado grupo.
Posso até aceitar que, para aquele determinado ser humano, a nobreza pertence à sua natureza. Agora, uma coisa a respeito da qual meu colega Eduardo não vai conseguir me convencer é que essa qualidade seja hereditária. Ou seja, posso até concordar que o antepassado da esposa do conde tenha sido um homem superiormente virtuoso, e até que a própria esposa do conde é alguém muito nobre, só não acho que isso tenha vindo pela simples genealogia que os liga.
Platão, citado pelo Eduardo, até acreditava que cada homem tinha uma natureza que já determinava sua tendência a ser guardião ou artesão, por exemplo. Contudo, não falava disso ser "transmitido" de pai para filho. Aliás, na República, os pais nem deveriam manter seus filhos sob seus cuidados, pois as distintas naturezas iriam ser identificadas e reforçadas pelo Estado.
Já Aristóteles, que também apareceu na estória post-comentário, trata das honrarias - entre elas, por exemplo, um título nobiliárquico - com muito rigor. Afinal, não seria isso que traria eudaimonia ao homem. E mais, como dizia Spinoza, talvez entre as três fontes imaginadas da felicidade - riquezas, honrarias e prazeres sensoriais/sensuais -, a mais frágil era justamente a que se refere às honrarias, visto que depende fundamentalmente dos outros. Riqueza, eu posso efetivamente ter; prazeres, eu posso efetivamente gozar; mas honrarias, eu só possuo diante do reconhecimento dos outros.
Estamos aqui naquele reino tão disputado pelos gregos antigos - lembremos Platão e os sofistas, por exemplo -, que é o das coisas kata physis e kata nomos. Ou seja, daquilo que é "por natureza" e "por convenção". A meu ver, a "nobreza", pelo menos como a vê Eduardo, pertence simplesmente ao segmento das coisas por convenção... e não daquelas por natureza.
Concordo até que casar-se com uma mulher nobre é algo fundamental... mas não acho necessário que ela tenha nenhum título de nobreza. A minha "mulher nobre" seria nobre na sua essência de ser humano, e não pelo mero reconhecimento de que um seu antepassado foi alguém excessivamente virtuoso e que, por isso, recebeu um título de nobreza que ela "carregou" para si como algo que lhe é interno.
Mais uma opinião: acho que os segmentos sociais são sempre definidos pelo seus limites. Por que há nobres? Porque há plebeus. Por que há burgueses? Porque há proletários. Aí, eu pergunto: Ainda há espaço para "nobres", se ninguém se preocupa mais com a segmentação dos "plebeus"? Particularmente, penso que não. Por isso é que, com uma certa mercantilização do esforço humano, acho que as "classes" - outra segmentação por convenção - corresponde melhor ao que vivemos hoje. Mas, obviamente, há outras categorias possíveis de serem estabelecidas como, por exemplo, as surgidas de uma divisão das regiões da experiência religiosa, submetidas às diversas religiões oficiais.
Por último, eu diria que a Filosofia já refletiu, em alguma medida, sobre a nobreza, sim. A ética e a política de Aristóteles pensam no assunto, ainda que obviamente não considerando o par "nobre-plebeu". Mas ao falar do poder na mão dos aristoi em oposição ao poder na mão do demo, o "povão", nos dá alguma medida dessa discussão.
Por enquanto, é só. E muito obrigado ao colega Eduardo e ao conde de Wilson.