Passado o momento pré-textual, vamos ao próprio escrito de Marx e Engels.
Antes porém, sejamos sensatos o suficiente para reconhecer que o texto é panfletário - foi encomendado pela Liga Comunista - e que foi escrito por dois jovens - Marx tinha 29 e Engels, 27 anos de idade. E nenhum dois, ao que me parece, tinha o brilhantismo juvenil de um David Hume, que, lembremos, escreveu o incrível Tratado sobre a natureza humana também com apenas 28-29 anos.
O livro Devaneios sobre a atualidade do Capital, de Clóvis de Barros Filho e Gustavo Fernandes Dainezi, registra a seguinte observação: "Marx, no Manifesto Comunista, permite-se simplificações que em O Capital ele não faz, e isso, evidentemente, para quem analisa a obra de Marx dentro de uma busca de coerência formal, sem considerar os contextos em que essa produção aconteceu, salta aos olhos como uma impropriedade ou incoerência".
Levarei em consideração estes fatos - panfleto midiático, certa imaturidade e simplificações admitidas na obra -, esquivando-me de fazer uma crítica severa demais em relação ao texto. Até porque, com toda a sinceridade que me permito, admito que nunca lerei O Capital como obra de estudo - apesar de ter o texto num magnífico exemplar único, o que favoreceria muito a leitura. O que farei, e o que faço, é abordá-lo pontualmente, de acordo com necessidades específicas.
Voltemos ao panfleto, então!
Chama minha atenção logo a abertura do primeiro item (Burgueses e Proletários), onde se lê: "A história de toda a sociedade até hoje tem sido a história da luta de classes". Bem, essa é a "verdade" para os dois alemães, muito mais do que uma tese a ser justificada, via argumentativa. Contudo, a minha versão do texto apresenta uma "desculpa" de Engels para uma afirmação que parece se mostrar meio equivocada. O mais jovem dos dois filósofos, numa nota aposta à versão inglesa do texto, em 1888, diz: "Isto é, com exatidão, a história transmitida por escrito". Lembro, a setença inicial é apresentada não como tese, mas como verdade, tanto assim que Engels fala da "exatidão" do conteúdo. Mas... em seguida, o jovem alemão começa a indicar que, a partir de 1847, quando o Manifesto foi escrito, novas informações sobre as sociedades mais antigas foram apresentadas e, com isso, "descobriu-se que as comunidades aldeãs com propriedade comum da terra foram a forma originária da sociedade".
Acho interessante Engels tentar explicar essa variação de perspectiva em uma nota. Contudo, fico a pensar que investigações mais antigas, ainda que talvez não acolhidas por uma Ciência formalmente estabelecida como "A História", já tinha chegado à conclusão de que sociedades mais primitivas se desenvolviam sob bases menos conflituantes, digamos assim. Tanto é que Rousseau, já em 1754, analisa o tema, em Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, e identifica o "surgimento" da propriedade privada como fundamento do "mal" na sociedade. Teria sido Marx zeloso demais, insistindo em desconsiderar as bases não científicas, e sim "meramente" filosóficas de Jean-Jacques?
Depois, eu continuo...
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