sábado, 8 de dezembro de 2018

A metáfora do orçamento doméstico


   No mesmo O ódio como política, organizado por Esther Solano Gallego, publicado pela Boitempo, do post anterior, há o artigo "O discurso econômico da austeridade e os interesses velados", de Pedro Rossi e Esther Dweck. Particularmente, achei este e o já citado no post anterior os melhores artigos do livro. Mas há várias boas ideias sendo discutidas. Uma leitura técnica encontra muitas informações e argumentos de valor.
   Mas, vamos ao que interessa. 
   Eu sempre usei, em meus discursos sobre a necessidade de corte de gastos, a "metáfora do orçamento doméstico". Fundamentalmente, aquele velho blá-blá-blá de que só se pode gastar o que se ganha. Há outros aspectos, também, como, por exemplo, o endividamento só ser plausível quando se vai investir na aquisição de patrimônio. De qualquer modo, o ponto chave é esse equilíbrio entre receitas e despesas ter que cessar e o ajuste ter que recair, sempre, no lado dos gastos, visto que, como no orçamento familiar, as receitas terem mais dificuldades de sofrerem modificações, visto que o "salário" é aquele mesmo.
   Assumo meu erro - e até minha ingenuidade, diante da fragilidade deste argumento -, principalmente após a leitura de Rossi e Dweck. Eles explicam que "essa comparação entre o orçamento público e o familiar não é apenas parcial e simplificadora, mas essencialmente equivocada". E indicam que são três fatores que justificam esta afirmação deles. Acompanhemos:
   1) "o governo, diferentemente das famílias, tem a capacidade de definir seu orçamento. A arrecadação de impostos decorre de uma decisão política e está ao alcance do governo, por exemplo, tributar pessoas ricas ou importações de bens de luxo, para não fechar hospitais. Ou seja, enquanto uma família não pode definir o salário que recebe, o orçamento público decorre de uma decisão coletiva sobre quem paga e que recebe, quanto paga e quanto recebe";
   2) "quando o governo gasta, parte dessa renda retorna sob a forma de impostos. Ou seja, ao acelerar o crescimento econômico com políticas de estímulo, o governo está aumentando também a sua receita"; e
   3)   "as famílias não emitem moeda, não têm capacidade de emitir títulos em sua própria moeda e não definem a taxa de juros das dívidas que pagam. Já o governo faz tudo isso".

   Há pontos a discutir, certamente. No primeiro item, poder-se-ia argumentar que a família também pode, ainda que limitadamente, aumentar sua receita. Já no terceiro item, alguém apontaria que as famílias também podem se endividar com algum controle das taxas de juros pagas, através de uma pesquisa junto às instituições financeiras. De qualquer modo, não há como fazer uma analogia - que sempre tem limitações - entre o orçamento público e o familiar, como eles pudessem ser simetricamente comparados. Isso é o mais importante na questão, mostrando que se exige cuidado para não comprar um argumento falacioso como se verdadeiro fosse.

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