sábado, 8 de dezembro de 2018

Isso é direita ou esquerda?


   Meu trabalho de fim de curso na pós de Ciência Política tinha por título "O esvaziamento conceitual da díade direita-esquerda no campo da ideologia política". Na verdade, eu não advogava em favor do esvaziamento, mas diagnosticava a possibilidade desse evento. 
   Uma de minhas teses era de que as variações históricas envolvidas nas definições que diziam respeito aos conceitos de direita e esquerda causavam certa confusão em quem os usava. Além disso, ao se assumir o campo dos costumes como definidor das características do que vem a ser direita e esquerda num espectro político, causou-se um pouco mais de confusão.
   Pois bem, lendo o artigo de Luís Felipe Miguel, "A reemergência da direita brasileira", publicado em O ódio como política, me deparei com uma explicação do que vinha a ser "Libertarianismo". Nenhum problema. Era uma apresentação clássica, digamos assim. Assim é que li algo como:
   O libertarianismo descende da escola econômica austríaca, pregando o menor Estado possível. Ele representa uma radicalização da tradição liberal do século XVIII, considerando a igualdade como ameaça à liberdade, sendo esta última um valor fundante dos defensores do libertarianismo. E esta SUPOSTA [pequena ressalva, mas usando os termos do autor] oposição - entre liberdade e igualdade - seria o equivalente à distinção entre direita e esquerda.
   Pois bem. Neste finalzinho, o autor mostra que a tal "oposição" é "suposta" porque ela se baseia em determinada tradição filosófica, sem levar em conta outras. Sigamos, porque esse não é meu ponto. Quero insistir numa certa dificuldade, desde que não se especifique bem do que se está a tratar, do uso pacífico dos termos. 
   Observe-se, então, essa passagem do texto, sem perder de foco que, para o senso comum, as bandeiras progressistas representam a "esquerda" e que "libertarianismo" está francamente associado à "direita":
   "O libertarianismo original, por sua convicção de que a autonomia individual deve ser sempre respeitada, levaria a posição avançadas em questões como consumo de drogas, direitos reprodutivos e liberdade sexual. Mesmo nos Estados Unidos, porém, tais posições tendem a estar mais presentes em textos dogmáticos do que na ação política dos simpatizantes da doutrina".
   Segundo o autor, é a união a grupos conservadores que acaba por impedir a assunção dessas bandeiras, reforçando, ao contrário, os valores da "família tradicional".
   Mas como explicar a um empolgado jovem militante das causas progressistas que ele defende algo classificado como "de direita"?!?!?
   

3 comentários:

Luis disse...

O assunto é interessante e abre portas para discussão bem alongada. Mas não fujo ao desafio do Ricardo em tentar explicar a um "um empolgado jovem militante das causas progressistas que ele defende algo classificado como "de direita" :)
No meu ponto de vista, o que aconteceu é que a esquerda acabou por confundir o que é inovador (ou "moderno") e o que é realmente emancipador. A esquerda não viu que a modernidade é fértil em novas alienações de toda a ordem. A ideologia do progresso é, originalmente, uma ideologia burguesa liberal que seculariza, através do "profano" a velha ideia bíblica de uma concepção linear da história, orientada para o melhor...
Nos dias de hoje, é mesmo a direita liberal que quer fazer "mexer as coisas", face a uma esquerda que que quer conservar os ganhos e conquistas sociais. Por isso, progresso e conservadorismo ganham nova dinâmica semântica. Esquerda e direita já não é reduzível a progressistas e conservadores. As etiquetas estão explodindo...

Um abraço
luís

Ricardo disse...

Antes de qualquer coisa, obrigado pela valiosa participação.
O assunto realmente é interessante. Afinal, o que mais vemos são as "etiquetas" motivando embates tão calorosos que, às vezes, passam do limite do respeito. Quando se pode refletir sobre elas e seu conteúdo, a fim de viabilizar diálogos proveitosos, todos têm a ganhar. Vamos continuar tentando esclarecer do que falamos, a fim de conversar com o "empolgado jovem militante", seja das causas progressistas, seja das conservadoras, seja das identitárias, seja das coletivas...
Grande abraço, amigo Luís.

Luis disse...

Completamente de acordo, Ricardo. O debate nos dias de hoje está difícil, vira facilmente polémica, descambando para violência e insulto. O "outro" se transforma em inimigo, e nele se cola uma etiqueta para melhor o reduzir a uma silhueta, como dizia Camus, a um arquétipo, pois assim se facilita a sua execução, já que é bem mais mais fácil suprimir pelas redes sociais uma abstração que um uma pessoa de carne e osso.

Para o "empolgado jovem militante", inebriado com o progresso ou o futuro, eu lhe recordaria as palavras de Pasolini sobre "as forças revolucionárias do passado", não diabolizando a tradição, o costume, o enraizamento, como se estas fossem superstições antigas e entraves ao triunfante avanço da humanidade. E continuaria recordando ao empolgado militante que a moção de mudança não é fundamentalmente uma característica de "esquerda". Com a ideia do progresso, o culto da novidade técnica nomeadamente, tocou todas as famílias políticas. O progresso foi contestado pela esquerda (pelos ecologistas e defensores do decrescimento), e também pela direita (pelos positivistas e liberais).
Luis
Grande abraço