quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

A palavra "socialismo"


    Atualmente, estamos acostumados à palavra "socialismo" sempre associada a um conceito filosófico, sociológico e político de crítica ao capitalismo - para simplificar bastante as coisas.

    Contudo, nem sempre foi assim.

    Parece que a palavra "socialismo" foi empregada pela primeira vez em 1766, pelo padre Ferdinando Facchinei, para descrever a doutrina daqueles que defendiam que o contrato social era o fundamento das sociedades civis. Desta forma, um "socialista" designava o mesmo que um "contratualista".

    O termo começa a ganhar os contornos do conceito a que estamos mais acostumados, ao que parece, apenas na década de 1820, quando o termo "socialista" era utilizado para se referir a um adepto da doutrina de Robert Owen (1771-1858). Este entra para a história, a partir da classificação de Marx e Engels, como um "socialista utópico".

    Aliás, antes dessa classificação dada pelos dois, para diferenciar a própria doutrina - o "socialismo científico" - da de Owen e outros, falava-se apenas em "socialismo". Assim é que, entre 1836 e 1838,  Louis Reybard publicou estudos, com o título Socialistas modernos,  tratando de Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837) e Robert Owen.

O pai do Utilitarismo

 

    Estava assistindo a um vídeo sobre Dos delitos e das penas, de Cesare Beccaria (1738-1794), publicado em 1764, quando me deparei com uma informação interessante - e, infelizmente, desconhecida por mim:  o inglês Jeremy Bentham (1748-1832), chamado de "Pai do Utilitarismo", apreciava as ideias de Cesare Beccaria. Até aqui, nada tão estranho; afinal, ambos eram juristas. A questão mais importante é outra: a de que já se encontra em Beccaria a ideia de que a finalidade de toda legislação deveria ser levar a maior felicidade possível ao maior número possível de pessoas. Ora, esse é justamente o espírito do Princípio da Utilidade de Bentham, que é ampliado, obviamente, para tratar não só das normas jurídicas, mas também das normas morais.


sábado, 2 de janeiro de 2021

O que é ser de esquerda, hoje? (2)

 

    Fiz um post com este mesmo título em 28 de fevereiro de 2019, explicando que lia um livro com este nome. Fiquei, na época, de fazer comentários sobre os textos contidos na publicação, mas... não fiz. 

    Aliás, na época, fiz apenas dois: (1) vários dos textos definiam o que é ser de esquerda hoje, ao que Ruy Fausto opunha a ideia de "identidades de esquerda" - que ele dizia serem três ou quatro, no Brasil -; e (2) meu espanto com o fato de ele indicar que uma dessas "esquerdas" é de cunho REVOLUCIONÁRIO.

    Sinceramente, achava complicado que, no Brasil, ainda existisse uma linhagem de esquerdistas que defendesse a via revolucionária de acesso ao poder - embora não duvidasse que alguém, isoladamente, pudesse pensar nisso. Mas tenho que dar o braço a torcer de que há, sim, essa esquerda. Em outro post, comento o porquê dessa minha concordância com Ruy Fausto.

    Antes, porém, de prosseguir, gostaria de registrar que também acho difícil haver uma linha de pensamento efetivamente reflexiva que defenda um golpe que nos leve à ditadura. Tanto um, quanto outro pensamentos me parecem desconsiderar o ambiente histórico em que eventos de tais tipos ocorreram, em comparação com o atual. 

    Mas... vamos lá...  tratando do que "paira" nos textos, mais do que o conteúdo efetivo deles.

    Senti - o que penso se confirmar mais e mais por leituras quotidianas - que há uma fragmentação grande da "esquerda" - lembrando que tomo o termo no singular criticamente. E, dentro dessa fragmentação, ainda que pese a hegemonia do Partido dos Trabalhadores, há certo desconforto em relação a este.

    Assim é que José de Souza Martins indica que o "[...] partido reinante [o PT] [...] governa em nome da esquerda. Mas o faz com programas de afirmação da mesma economia iníqua e desenraizadora do que foi chamado de neoliberalismo econômico, com ataduras e remendos sociais de natureza assistencialista".

    Trata ainda de um "proletariado de Lula e do PT construindo a prática populista e de direita em nome da esquerda, no presente sem futuro".

    Roberto Freire, por exemplo, diz que "A mudança para o PT nada mais significou do que chegar ao governo e tudo fazer para nele permanecer o maior tempo possível. Mesmo que isso implique em deixar de lado promessas de mudança exigidas pelos brasileiros e esquecendo o amanhã".

    Ruy Fausto indica que "A prática do governo do PT está muito longe de ser a efetivação de um projeto sólido de luta contra a corrupção e contra a desigualdade, projeto que só uma esquerda com outras exigências seria capaz de propor e de realizar".

    Há outras referências desabonadoras ao Partido dos Trabalhadores. Decerto que opiniões desse tipo vindas de partidos que lutam pela hegemonia no campo da esquerda podem ser consideradas "interessadas", e, por isso, levadas menos em consideração. Mas há também a opinião de teóricos do campo da esquerda que dão um tratamento eminentemente crítico ao tema, e que merecem reflexão séria.

    Reforço, de qualquer modo, que essas são críticas internas. Não se trata de um bolsonarista, por exemplo, "atirando" no PT.

    E... depois escrevo mais... prometo, desta vez. Rssss

  

Racismo (4)

 

    Por último, uma experiência pessoal.

    Certa vez, eu e minha esposa estávamos em um barzinho, aguardando nossa filha chegar. Nossa mesa só contava com duas cadeiras. Olhei a mesa ao lado, que só estava com uma pessoa, mas dispunha de duas cadeiras. Virei-me para o ocupante da mesa, e, num tom amistoso, disse: "Amigão, você me permite pegar essa cadeira?", apontando para o objeto em questão.

    O rapaz na mesa era negro. Ele me olhou e, em tom enfurecido, perguntou: "O que você disse?". Num primeiro momento, achei que ele não tivesse entendido a pergunta, e esclareci: "Eu queria saber se posso pegar essa cadeira". Ele voltou a falar com ar irritado: "Não. O que você disse antes?". Levei um instante para processar o motivo da raiva: ele havia interpretado o meu "amigão" como "negão". 

    Eu não quis polemizar, visto que minha intenção era apenas obter uma cadeira. Então, falei "Não disse nada antes. Só fiz uma pergunta. Se não quer ceder a cadeira, peço a outra pessoa". Virei para a mesa ao lado da dele, ocupada por uma pessoa branca, onde também havia uma cadeira sobrando, e perguntei: "Amigão, posso pegar essa cadeira?". A resposta foi afirmativa. Peguei a cadeira e esperei minha filha chegar. 

    Minha esposa, logo depois, quis me explicar o porquê da irritação do primeiro homem. Eu indiquei que havia entendido, mas que não quis entrar naquela polêmica... até porque não falei nada de errado. 

    Só quis destacar que a discriminação estava exclusivamente na mente do pretenso discriminado.    

    Aliás, vale o comentário de que a defesa do atleta do Bahia utilizou o argumento de que, pelo idioma diferente, o jogador do Flamengo pode ter confundido alguma outra palavra proferida com a que teria sido ouvida por ele.

Racismos (3)

 

    O segundo caso é bem menos grave, já pelo fato de não envolver uma morte... ainda bem. De qualquer modo, caso se tratasse de uma questão de racismo, deveria ser abordado com repúdio total, do ponto de vista moral... além, obviamente, das punições criminais.

    O jogador Gérson, do Clube de Regatas do Flamengo - atleta de sucesso, respeitado no meio futebolístico e bem sucedido financeiramente - denuncia ter ouvido de um adversário estrangeiro, de nome Ramírez, durante uma partida, a seguinte frase: "Joga, negro!". 

    Ainda durante o jogo, Gérson teria reclamado com o juiz. Aparentemente, o ato discriminatório do atleta do Esporte Clube Bahia não foi percebido por outras pessoas, a não ser aqueles que se manifestaram, no momento, contra o supracitado ato, notadamente os jogadores do time do próprio jogador ofendido.

       Como no caso anterior, é impossível descartar a possibilidade de discriminação racial. Mas há algumas variantes importantes em relação ao primeiro evento.

    Não se trata de uma pessoa negra humilde, marginalizada pela sociedade, sofrendo uma agressão de alguém numa posição socialmente superior. Muito pelo contrário, trata-se de um jogador com experiência na Europa, com destaque num time de estrelas no Brasil, teoricamente recebendo injúrias racistas de um estrangeiro - sul-americano - que joga em um time de menor expressão no  cenário nacional, e, muitíssimo provavelmente, com um salário e um status social bem menor que o do possível ofendido. 

   O sentir-se ofendido do jogador Gérson me parece mais estranho ainda em função de outra coisa: uma partida de futebol não é exatamente o lugar para "bons moços", numa conversa razoável e educada. Prova disso, inclusive, é uma discussão utilizada como prova, inicialmente pelo Flamengo, tentando demonstrar que o atleta do Bahia teria ofendido outro jogador do clube - desta vez, Bruno Henrique -, com o mesmo tipo de discurso, ao chamá-lo de "negro". Contudo, o clube baiano contratou especialistas que indicam que o atleta rubro-negro teria, num diálogo durante o jogo, chamado o possível ofensor de Gérson de "Gringo de merda".

    Ninguém deseja que exista desrespeito dentro das quatro linhas do gramado, mas... o fato é que isso existe, e é tomado como "parte do jogo" pelos próprios atletas. Tanto é que os jogadores ofendem, são ofendidos e... normalmente não se manifestam. Quando um deles decide fazê-lo, passamos a conhecer o que acontece dentro dos gramados de forma aberta, mas velada para nós, os espectadores. 

    Acho, sim, que pode ter havido discriminação em ambos os casos, o do atleta Ramirez, ao chamar Gérson de "negro", sem acrescentar, por exemplo, "de merda", mas também o de Bruno Henrique, se chamou o atleta do Bahia de "gringo", desta vez, acrescido do "de merda". Mas, sinceramente, dentro de um campo de futebol, ainda mais pela origem usualmente humilde dos jogadores, conseguiríamos realmente falar em "racismo"?

    Essa pergunta pode parecer desconsiderar que a prática racista é abominável em qualquer espaço social. Mas não se trata disso. O que quero ponderar é que acabamos tomando por racismo -  aquele que realmente priva pessoas de direitos sociais fundamentais, inclusive, infelizmente, algumas vezes, do próprio direito à vida - uma discriminação que ocorre num espaço em que os antagonismos, inclusive com uso de violência entre os próprios "colegas" atletas, são até valorizados pelos espectadores - e "contagiam" negativamente os próprios participantes dos jogos.

    É muito bonito os jogadores entrarem em campo com faixas dizendo "Não ao racismo" ou "Vidas negras importam", mas, na primeira bola dividida, saírem de dedo em riste, no rosto do adversário-colega de profissão, emitindo um montão de impropérios, vários deles de cunho discriminatório. Portanto, parece que eles mesmos se dão essa "licença poética" de dizerem "Você é um merda!", e isso não passar de uma expressão hiperbólica de desconforto com o outro... o que vale, igualmente, para "gringo de merda", "negro", "branquelo", "paraíba" - para qualquer nordestino -, etc.

    Aliás, em relação a essa última, se formos nos ofender mais radicalmente, acho que a discriminação é maior, porque "negro" é normalmente usado para pessoas de pele negra/preta, enquanto "paraíba" é uma referência jocosa que se faz a qualquer nordestino, e não somente àquele que efetivamente nasceu na Paraíba.