sábado, 31 de julho de 2010

Outro livro spinozano

  A citação do post anterior, do livro "História & Religião", de Sérgio da Mata, foi retirada do capítulo disponível para leitura no site da editora Autêntica (http://www.autenticaeditora.com.br/), onde é possível, inclusive, fazer-se o download de algumas livros digitais gratuitamente.
  Recebi essa dica de uma colega de trabalho, Dra. Cláudia Araújo, a quem agradeço muito, aliás. Leitora incansável, que é, quis oferecer-me a oportunidade de acesso gratuito a vários livros. Entretanto, o que ela não sabia é que estava me ofertando muito mais do que isso, visto que, lá, descobri um livro spinozano a respeito do qual não tinha conhecimento. Trata-se de "Espinosa e a psicologia social - Ensaios de ontologia política e antropogênese", de Laurent Bove, publicado agora, em 2010.
  Já encomendei o meu!
  Vejam os títulos "instigantes" de alguns dos capítulos: "'Desejo sem objeto', singularidade, linguagem e poder. De Espinosa a Freud e Camus"; "Potência e prudência de uma vida como singularidade em Espinosa"; "Linguagem e poder em Espinosa: a questão da interpretação"; "A função ambivalente do amor: objeto do amor e amor sem objeto na política espinosana" e "O humano e 'sua' animalidade ou a hibridação indefinida do corpo historicizado dos homens".
  Obrigado, novamente, Cláudia.

Sobre religião

  Na Introdução do livro "História & Religião", lançado agora em 2010, pela editora Autêntica, o autor Sérgio da Mata escreve: "Ante o tema 'religião' há três atitudes possíveis. A primeira é a da certeza incondicional afirmadora. Podemos ilustrá-la com o exemplo do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, que respondeu a alguém que havia lhe perguntado se acreditava em Deus: 'Eu não creio, eu sei'. A segunda atitude é a da certeza incondicional negadora. Nós a encontramos em Karl Marx, quando evoca os dizeres de Prometeu no prefácio de sua tese de doutorado: 'Numa palavra, eu odeio todos os deuses'. Para o jovem jurista, tal deveria ser o principal mandamento da filosofia, a sua 'sentença contra os deuses celestiais e terrestres que não reconhecem a autoconsciência do homem como a maior das divindades'. A terceira atitude é a do lírico grego Simônides, cuja pitoresca história é relatada por Cícero em seu De natura deorum. Instado pelo tirano Hierion a dizer-lhe o que seria 'Deus', Simônides pediu um dia para refletir a respeito. Quando Hierion o procurou no dia seguinte, o sábio disse-lhe que precisaria de mais dois dias. A cada nova investida, um pedido de prorrogação maior era feito. Até que o tirano, evidentemente irritado, exigiu uma explicação. Simônides disse-lhe: 'Quanto mais eu penso sobre esta questão, mais obscura ela se torna'".
  Gostei! 

Uma para o período pré-eleitoral

  Cuidado com as promessas dos candidatos, pessoal. Afinal, já nos dizia o unificador da Alemanha, Otto von Bismark, que "Nunca se mente tanto quanto antes de uma eleição, durante uma guerra e depois de uma pescaria".

Eckhart, por Kolakowski

  Na sua abordagem sobre Mestre Eckhart, Kolakowski trabalha alguns conceitos de forma interessante. Um deles, por exemplo, é o de "mística".
  No texto, aparece: "A mística não é filosofia nem teologia, não é uma doutrina, mas uma experiência... na qual o místico encontra Deus... O místico sabe algo sobre Deus que o filósofo desconhece. Todavia, quando o místico procura palavrars para expressar esse conhecimento, torna-se, mesmo sem querer um filósofo... para o qual as regras do bom senso e da lógica constituem um obstáculo... para falar daquilo de que não se pode falar. Certamente o mais excelso desses místicos-filósofos é Mestre Eckhart".
  E continua com uma comparação curiosa e uma tese sobre a essência da experiência mística: "O conhecido teólogo alemão Rudolf Otto, em seu tratado sobre a mística oriental e ocidental, demonstra uma convergência impressionante entre Eckhart e o místico indiano Acharya Sankara, que viveu vários séculos antes dele. As palavras diferem, mas a intuição condutora é a mesma... Não se trata de influências..., mas da semelhança de suas experiências resultantes de fontes afins, de uma certa essência comum das camadas mais profundas de suas almas... Eles sabem que, se lhes parecesse que entendem Deus, saberiam, forçosamente, que esse não é Deus. Com o instrumental da linguagem, cujo objetivo é servir a outras tarefas, sem cessar mergulham em apuros semânticos e lógicos, quando se trata de expressar a união do espírito humano com o absoluto inefável".
  Mas o polonês aponta uma dificuldade em relação a essa experiência mística: "Em si mesmo, porém, essas explosões místicas, por mais iluminadas que sejam,... não podem servir como indicações pedagógicas para os fiéis comuns".
  Ou seja, se a experiência mística dá um acesso privilegiado a Deus, não é possível traduzir essa experiência em termos teóricos. Resta apenas citá-la e esperar que o fiel comum creia no parecer do místico... até que um dia lhe seja possível experimentar a experiência mesma.
  Kolakowski, além de apresentar algumas opiniões de Eckhart, registra também alguns fatos históricos que merecem ser lembrados. Um deles é que o dominicano Eckhart foi acusado, por conta de algumas de suas opiniões, pelos franciscanos e que, logo após sua morte, teve algumas de suas teses tidas até como heréticas.
  Por último, uma explicação de uma das teses do dominicano ganha ares problemáticos, quando é afirmado que "quando rezo pedindo isso ou aquilo (ou seja, por algum bem específico), então rezaria para que Deus se negasse a si mesmo, por algo que é a negação do bem e de Deus".
  Em que pese a "força" da experiência mística, a impossibilidade de sua tradução em palavras dificulta muito sua inserção no campo filosófico... parecendo, até mesmo, segundo penso, afastá-la completamente dessa área do conhecimento.
  Mas, para o próprio místico, quem disse que isso tem alguma importância?

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Aniversário superespecial!

  Todo dia 29 de julho é muito especial para a minha família. Hoje, então, é um desses dias. Talvez, o primeiro post a ser lançado nesse espaço de amigos devesse trazer um "Feliz aniversário, pai!". Nem sei por que isso não aconteceu.
  Obviamente, estamos mobilizados para mais uma comemoração... desde cedo. Mas, desta vez, os "amigos dos amigos", talvez por injustiça minha, não participaram dessa "festança", ainda que a distância.
  Bastou, entretanto, o comentário do meu irmão - muito mais do que compadre -, lembrando do meu querido pai, que resolvi escrever aqui, novamente, a grande felicidade do dia de hoje... compartilhada - tenho plena certeza - por todos aqueles que desfrutaram do convívio com uma pessoa especial.
  Como sempre fazemos em família, hoje é dia de sairmos e comemorarmos o nascimento de tão grande figura humana. Grande amigo, grande pai, grande marido, grande irmão, grande profissional, grande "biriteiro", grande jogador de "sueca", grande... enfim.
  Impossível não me emocionar lembrando dele. Triste saber que sua ausência deixou um "Nada" na alma de minha mãe, que dificilmente ela consegue disfarçar... a menos quando se engana sobre sua própria condição.
  Mas... hoje é dia de agradecer à natureza - com uma "forcinha" dos meus avôs paternos - por gerar homem de tamanha envergadura... e, com isso, dar-me a oportunidade - desta vez, com uma "forcinha" dele e da minha mãe - de nascer... mas, muito mais do que isso, de ter uma referência segura do que é ser um "Homem" - com um "H" maiúsculo de "Honrado", muito mais do que com "m" de "macho", simplesmente. 
  Obrigadão, Pai Garcia... e obrigado, irmão, pela lembrança!

O Henrique vai gostar...

  Como eu já registrei aqui, quando da entrada dele no blog, nosso amigo Henrique tem uma certa "alergia intelectual" ao modelo de argumentação socrática.
  Para alegrar o amigo, colhi parte de uma ponderação de Flávio Paranhos - mestre em Filosofia, que escreve na revista Filosofia Ciência&Vida - sobre o "exemplo de dialética interessante", quando Sócrates participa dos diálogos platônicos. Ele faz a ressalva, entretanto, de que "às vezes, a argumentação socrático-platônica pressupunha um interlocutor idiota para dar certo". 
  Gostou, não é, Henrique? Rssss

Parabéns, Amauri Ferreira

  Quero parabenizar Amauri Ferreira pela publicação de "Introdução à filosofia de Nietzsche", pela Yellow Cat Books.
  Quem acompanha o blog do amigo sabe da qualidade de seus escritos. Mesmo assim, vale dar-lhe os parabéns; afinal, mesmo autores muito competentes sabem o quanto é difícil publicar no Brasil.
  Nosso amigo já havia conseguido façanha semelhante no ano passado, com um livro sobre a filosofia de Spinoza, e repete o feito, agora em 2010.
  Certamente, vale a pena conferir o livro, que pode ser adquirido através do blog do autor: http://www.amauriferreira.blogspot.com/
  Novamente, meus parabéns, Amauri!

Ainda sobre o fim do mundo

  Talvez a questão mais discutida e mais "percebida" - se é que não estamos sendo "influenciados" em nossas percepções - de todas as nove listadas no post anterior é a que diz respeito ao aquecimento global.
  Em momento algum é negada a existência do fenômeno de aquecimento... ao contrário do que fazem alguns cientistas de renome internacional. O texto explica: "Já se calculam prejuízos imensos decorrentes desse fenômeno... Mas essas transformações acontecem lentamente. A maioria das previsões confiáveis trabalha com um horizonte do final do século 21 para estimar danos catastróficos... Portanto, a mudança climática pode até ser terrível para o mundo, mas não no 'prazo' de 2012".
  A matéria ainda nos oferece um alento: "E mesmo para depois disso é preciso levar em conta dois fatores. O primeiro é que os piores cenários sugerem um aumento de temperatura de até 4 graus no ano 2100. É bastante, é dramático, mas não o suficiente para acabar com a civilização. O segundo fator (e talvez o mais importante) é a noção de que a tragédia do aquecimento global ainda pode ser totalmente evitável. Segundo os cientistas, há tempo (mas não muito) para que as nações mudem suas políticas, invistam em formas de gerar energia que não envolvam a queima de combustíveis fósseis e o acirramento do efeito estufa e, assim, evitem uma catástrofe mais aguda. Portanto, O AQUECIMENTO GLOBAL SÓ SERÁ O FIM DO MUNDO SE A HUMANIDADE QUISER" [GRIFO MEU].
  É bem verdade que existem, no que se refere ao aquecimento global, teorias mais catastróficas... da mesma forma, como eu disse acima, que existem teorias que negam o fenômeno. Entretanto, o texto trabalha com hipóteses mais "conservadoras" e menos extremadas.

O fim do mundo

  A boa revista "BBC Knowledge" - que, aqui no Brasil, é mais conhecida por parte do seu subtítulo, "Conhecer" - trouxe matéria de capa muito interessante: "9 mentiras sobre o fim do mundo". No interior da revista, há um acréscimo ao título da matéria, que fica "Nove mentiras e meia verdade sobre o fim do mundo".
  A matéria começa, inteligentemente, provocando a curiosidade do leitor, quando informa: "O mundo vai acabar. É sério. Vai mesmo". Para concluir: "Só não vai ser em 2012. Mas dá até para antecipar uma data aproximada: o planeta Terra será destruído... daqui a uns 7 bilhões de anos. Será mais ou menos por essa época que o Sol se tornará uma estrela gigante... o planeta [Terra] será engolfado pela atmosfera solar e completamente pulverizado no processo".
  Apesar desses "longínquos" sete bilhões da anos, a matéria afirma que "a vida na Terra, entretanto, terá acabado muito antes disso. Em coisa de 1 bilhão de anos, o Sol já estará bem mais quente do que agora,... transformando nosso planeta num deserto inabitável".
  Após esse começo provocante, aparecem as refutações a nove "explicações" sobre o fim dos tempos. As perguntas que compõem essas teses sobre o Apocalipse são: 1) "Os maias previram o fim do mundo em 2012?"; 2) "Os terremotos recentes são sinais do apocalipse?"; 3) "Uma mudança do polo magnético pode causar alterações devastadoras na Terra?"; 4) "Poderia um planeta gigante e desconhecido se chocar com o nosso?"; 5) "A travessia do plano da galáxia pelo Sistema Solar poderia produzir o fim do mundo?"; 6) "Há algum asteroide que vai colidir com nosso planeta em 2012?"; 7) "Algum processo de atividade solar pode acabar conosco?"; 8) "O aquecimento global levará ao fim do mundo?" e 9) "A crosta da Terra pode se desestabilizar, como no filme 2012?".
  Bem... segundo a revista, já conhecemos nove formas sob as quais o planeta não acabará. Como essas são as mais "badaladas" no momento, poderíamos nos tranquilizar quanto a esse monte de informações apocalípticas que temos recebido.
  Entretanto, ao final da matéria, volta o clima de preocupação: "A grande verdade é que o mundo não tem data certa para acabar. Mas isso pode acontecer mais cedo do que imaginamos... a capacidade humana de se autodestruir cresceu. E não foi pouca coisa".
  O último parágrafo do texto é muito bom para refletirmos um pouco mais sobre esse "final dos tempos". Lá está escrito: "Por essas e outras, ao mesmo tempo em que podemos afirmar que todas as previsões de que o mundo vai acabar em 2012 são falsas, isso não é motivo para não nos preocuparmos. O alerta tem de ser contínuo, pois O SER HUMANO TEM ESSE PÉSSIMO HÁBITO DE ADQUIRIR PODERES MAIS RÁPIDO DO QUE SE TORNA SÁBIO PARA ADMINISTRÁ-LOS" [GRIFO MEU].
 

Parmênides (2)

  Tanto Kolakowski quanto Wilhelm Weischedel - este, em A escada dos fundos da Filosofia - concordam que a grande luta de Parmênides é travada contra a mera "opinião". Portanto, as propostas parmenídicas de caracterização metafísica do Ser passariam por, ou até fundamentariam, uma perspectiva fortemente epistemológica.
  Weischedel escreve: "Parmênides revela a verdade em contraposição à 'opinião', ou seja, ao modo pelo qual o homem vê cotidianamente a realidade... primeiramente, o homem acha que a coisa singular, em sua especificidade, é o real verdadeiro, não atentando para o todo... Em segundo lugar, acha que o mundo é um conflito entre opotos, esquecendo-se de que em todo conflito há uma unidade e que somente sobre essa base os opostos poderiam erguer-se... Enfim, em terceiro lugar, a opinião cotidiana toma o transtitório... pelo ente autêntico sem perceber que nele está implícito o não-ser".
  O que tanto Weischedel quanto Kolakowski parecem esquecer, quando expõem suas ideias, é que, em tese, o não-Ser - que poderia, em alguma medida, ser aproximado ao Nada - não pode existir.
  Weischedel, por exemplo, diz: "Sob o conceito de ser, entende-se aquilo que permanece quando o ente ambíguo, ou seja, o conjunto das coisas, submerge no nada".
   No "nada", Weischedel???
  Já Kolakowski escreve: "Somos mentalmente... compelidos a aceitar que o que realmente existe é radicalmente diferente do que nossos olhos percebem, nossos ouvidos ouvem, nossas mãos tocam; que esse Ser que não pode ser visto nem ouvido não é submetido ao transitório e a mudanças, mas é, em sentido mais primordial, o mais verdadeiro. E, já que não é possível vislumbrar esse Ser... então está claro que ele se faz presente ao nosso pensamento racional, ou seja, à Razão".
   Mas como é que nós, seres sujeitos às mudanças, portanto, meramente "ilusórios" frente à realidade única que é o Ser, existimos para que nossa "Razão" consiga presentificar o tal Ser imutável a absolutamente real, hein, Kolakowski?
  Acho que ainda dá para pensar mais sobre isso, gente!
 

terça-feira, 27 de julho de 2010

Parmênides (1)

  Kolakowski afirma que "muitos, mais instruídos do que eu, tiveram dificuldades em entender o sentido exato... [das] frases que se salvaram do poema ... no qual Parmênides desvelou sua metafísica".
  Apesar da modéstia do filósofo polonês, acho que poderíamos concordar até se ele afirmasse que quase ninguém entendeu o "sentido exato" do que disse Parmênides.
  Quem sou eu para perscrutar pensador tão denso e enxergar, com clareza, o que ele teria dito? Mas... por outro lado, se não nos debruçarmos sobre desafios dessa monta, nunca sairemos daquele "basicão" filosófico. Então, ouso algumas reflexões sobre o eleata.
  Inicialmente, vamos encontrar uma percepção monista, que poderia, em certa medida, aproximar-se daquela do querido Spinoza. Boa, Parmênides!
  Mas o grego, ao contrário do holandês mais coerente, irá impor uma finitude ao Ser que, estranhamente, acaba por limitá-lo, confrontando-o necessariamente com algo que não é o próprio Ser. Não seria isso, então, o reconhecimento tácito da existência do não-Ser?
  Spinoza tem solução mais perspicaz, ao caracterizar a Substância como infinita.
  Fora essa pequena - apesar de importantíssima - diferença, o que mais dificuldade causa na interpretação do pensamento parmenídico me parece ser a participação da multiplicidade no ser único.
  Spinoza, novamente de modo ímpar, sugere transformações modais na Substância, que permitiriam falar do múltiplo, ainda que, no todo, nada deixasse de ser a própria Substância. Ou seja, a multiplicidade modal faria parte da unidade, pois os produtos seriam imanentes ao "produtor".
  Aqui começa uma dificuldade, em Parmênides, que - mesmo reconhecendo minha total incompetência para esclarecer ponto tão profundo - parece ser fadada à inexplicabilidade: se só existe o Ser - sem movimento ou transformação alguma -, como se pode falar em homens que, ignorantes, confundem o Ser e o não-Ser? Esses mesmos homens já não são algo que o Ser não é?
  Depois eu continuo...

"Genealogia da Moral", de Platão

  Quem leu o título do post deve ter pensado "Esse Ricardo está louco! Afinal, Genealogia da Moral é um livro do Nietzsche!".
  Está bem. Mas quem já leu o Górgias - esse, sim, de Platão - e atentou para o interlocutor Cálicles, poderia se perguntar se Platão também não foi um escritor além do seu tempo, tão "além" que teria escrito uma "proto-Genealogia da Moral".
  Vejamos, então, se Cálicles - personagem completamente inventado por Platão, até onde os pesquisadores sabem - não foi já um Nietzsche da Grécia, antecipando a "Moral do Rebanho" do alemão.
  Lá está, em 483a15 do Górgias: "Não... nenhum homem [livre] toleraria sofrer injustiça; somente um escravo agiria assim... , como é o caso para qualquer pessoa que é incapaz de proteger a si mesma ou qualquer outra pessoa que está sob seu cuidado. Creio que os autores das convenções (leis) constituem o tipo humano mais fraco e numeroso. É tendo a si mesmos em vista e seus próprios interesses que produzem suas leis e distribuem seus louvores e censuras; e com o fito de espalhar o terror entre os mais fortes, que são capazes de obter uma vantagem, e impedi-los de obter vantagens sobre eles, alegam que essa obtenção do que ultrapassa a cota de cada um é 'vergonhosa' e 'injusta' e que cometer injustiça corresponde precisamente a esse empenho de obter algo que vai além da cota de cada um... a meu ver, a própria natureza proclama o fato de ser justo ao melhor ter vantagem sobre o pior e o mais capaz ter vantagem... sobre o menos capaz".
  Quem não lembrou dos cordeirinhos e das aves de rapina de Nietzsche?

"Vejo e elogio o que é melhor..."

  Se as coisas são como dizia Ovídio - "Vejo e elogio o que é melhor, mas vou atrás do pior" -, como pensar o Intelectualismo socrático?
  Há pouco tempo, num seminário, discutimos muito essa questão. Apoiados no Górgias, de Platão - ainda que esta definição não estivesse literalmente lá -, e em uma análise de W.K.C. Guthrie, propusemos que a autarquia refletia um estado saudável da alma. Essa alma saudável teria propriedades como o conhecimento, a justiça e o bem. A manifestação natural desse estado saudável se daria, na relação com os outros, por uma necessidade interna, através de ações justas, boas e sensatas.
  A curiosidade, aqui, é que haveria uma necessidade a esse agir bem. Ou seja, não seria uma questão de liberdade de escolha da boa ação, mas de um determinismo tão natural quanto o é uma macieira dar maçãs. Por essa "naturalidade", quase que pertencente à "essência" do homem sábio, é que Sócrates estaria certo ao afirmar que, quando sabemos o que é bom, agimos bem.
  Apesar de fugirmos, naquele momento, de conceituar o bem, a justiça, o conhecimento e o poder, de forma categórica e bem determinada, conseguimos, através do recurso a essa ideia de "alma saudável", convencer nossos ouvintes sobre a correção da tese socrática.
  Mas... quem pensa diferente?

Sócrates, por Kolakowski (2)

  Outro trecho interessante:
  "... o mal e o bem não são uma questão de convenção ou costume, nem mesmo uma recomendação dos deuses. O sagrado é sagrado não porque os deuses o amam; ao contrário, os deuses o veneram justamente porque é sagrado. O sagrado ou o bem é o que o é em si mesmo, independentemente da opinião dos deuses e do que possamos imaginar ou convencionamos que o seja. E saber distinguir o mal e o bem é uma questão vital".
  Kolakowski aborda a velha querela socrática contra os sofistas e da percepção destes de a ação boa - e, no final das contas, do próprio bem - ser uma mera convenção. Logo depois, ao refletir sobre o "sagrado", lembra um pouco Spinoza, quando este fala sobre a beatitude não ser o resultado das ações boas, mas, ao contrário, das ações boas serem resultado da beatitude. Por fim, a velha definição de que, para Sócrates - como para grande parte dos antigos -, a Filosofia não era apenas conjectura intelectual, mas modo de vida.
 

Sócrates, por Kolakowski (1)

  Já citei, várias vezes, a minha admiração pelo filósofo polonês Leszek Kolakowski. Além dos seus textos propriamente filosóficos, os de História da Filosofia - se é que realmente é possível fazer História da Filosofia sem ser filosófico - também são ótimos, por serem extremamente claros, apesar da brevidade.
  O Sobre o que nos perguntam os grandes filósofos - volume I contém a análise do polonês sobre o "onipresente" Sócrates, chamado por ele de "o mestre da Europa".
  Um trechinho interessante:
  "Temos a impressão, às vezes, de que Sócrates somente finge que não sabe..., que apenas quer forçar o interlocutor ao diálogo, para que este possa chegar por si mesmo à descoberta da verdade ou que possa corrigir suas convicções, que, ao cabo, provam ser um tanto tolas".
  Parece-me que Kolakowski vai além da opinião corrente de que Sócrates era ou apenas alguém que já tinha uma verdade pronta na manga, mas não queria exibir, ou apenas um desrespeitoso, que só queria mostrar a tolice dos outros. O polonês põe em questão o fato de Sócrates pretender, senão o parto de uma verdade - com sua maiêutica -, pelo menos a percepção de que as convicções tidas como mais certas para alguém pudessem ser avaliadas e corrigidas.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Mais um lançamento spinozano

  Comecei a ler - bem devagarzinho, enquanto curto outras leituras "expresso" - "Espinosa", de Wolfgang Bartuschat, professor de Filosofia da Universidade de Hamburgo. O livro foi publicado pela Editora Artmed... que tem sido bastante feliz em suas publicações na área da Filosofia.
  O livro tem uma estrutura bastante interessante. Primeiro, como deve ser sempre, posiciona a vida do autor no contexto cultural dele. Depois, trata dos primeiros escritos spinozanos, citando especificamente o Breve Tratado sobre Deus, sobre o homem e sua felicidade e o Tratado sobre a correção do intelecto. Em seguida, apresenta o sistema filosófico do luso-holandês, dividido em: pressupostos gerais, ontologia, teoria do conhecimento, doutrina dos afetos e razão e liberdade humana. Avança, então, para os temas religião e política. E conclui com um capítulo chamado "Após Espinosa".
  Embora eu não concorde com uma "Nota preliminar" que consta do livro, sem dúvida, ela chama atenção para algo que os spinozanos devem refletir: a "fragmentação" do sistema spinozano para que se possa concordar com ele.
  Em termos gerais, a nota diz algo como: "Espinosa é um pensador do passado... O espinosismo não marca quase nenhuma presença na discussão filosófica contemporânea... Naturalmente, tem-se como indiscutível que Espinosa foi um 'grande' pensador... por isso, poder-se-á encontrar em sua filosofia, junto a tanta coisa morta, também algo vivo. É muito fácil, porém, julgar como vivo e atualizável aquilo que, como fragmento, é destacado do contexto sistemático no qual Espinosa expôs sua filosofia - a qual deve ser compreendida justamente como uma crítica a esse procedimento de se considerar algo isoladamente".
  Pensemos, então... sem, entretanto, perder de vista, que há posturas do Tratado Teológico-Político, por exemplo, que se sustentam plenamente, mesmo sem a perspectiva mais geral da Ética, que sempre vemos como pano de fundo da filosofia spinozana.

"A religião..."

  Só como informação geral: a célebre frase "A religião é o ópio do povo", normalmente atribuída a Karl Marx, na verdade, é de autoria do poeta alemão Heinrich Heine (1797-1856).

Outra felicidade...

  Ainda quando não havia este blog, e trocávamos nossos pontos de vista apenas por "cartas" - já eram e-mails, mas que sugeri chamar de cartas, por tradição à forma "epistolar" de filosofar -, ficava ansioso para receber as considerações do brilhante amigo Existenz sobre as minhas opiniões.
  Quando da entrada dele neste espaço, fiquei felicíssimo com a constância - e a potência reflexiva - de seus comentários. Temi um pouco que, com meu afastamento, sua presença pudesse não se dar mais. Entretanto, foi com grata surpresa que, além dos novos amigos, pude rever um comentário seu - ao qual responderei em breve -, quando foi "provocado".
  Obrigado pela excelente participação, amigo Existenz!

Voltando... aos poucos

  Minha primeira alegria - além de voltar a escrever algo no blog - é ver que somos mais amigos dos amigos - 45, agora! Aos mais recentes, minhas boas vindas - que certamente repercutem as de todos os outros amigos mais "antigos".
  E, como sempre, desejo aos recém chegados que algo possa lhes ser acrescentado com essa nossa troca de pontos de vista... e que possam sentir-se à vontade para participarem e agregar conteúdo às nossas discussões.
  Outra coisa que sempre indico é que nosso espaço não é limitado aos temas que são inicialmente propostos por mim. Vocês podem, nos comentários, trazer alguma reflexão nova, que eu lançarei entre os posts, a fim de ampliar o campo de discussão.
  Muito obrigado pela presença, e sejam muito bem vindos.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Voltando à lógica

  Houve uma discussão bastante interessante sobre Lógica, aqui no blog, com o amigo Existenz. Ele, brilhantemente, como sempre, defendeu um ponto de vista diferente do meu quanto ao pertencimento, ou não, da causalidade nas relações lógicas. Eu defendi que a causalidade não pertencia à Lógica e ele indicou, pretendendo uma ideia lato sensu de Lógica, que havia, sim, essa relação. Talvez, como ele colocou, eu estivesse muito preso à Lógica Clássica, apenas. Ele ponderava sobre uma maior radicalidade na percepção de mundo do ser humano, vendo aí uma utilização da racionalidade... ou, talvez, da própria lógica, em sentido mais amplo, o que permitiria dizer que, nessa perspectiva, a causalidade pertencia ao campo lógico.
  Acabamos, naquele momento, não nos estendendo mais sobre o assunto, após a competente argumentação do amigo. De qualquer forma, acho que ele acabou por fundamentar seu ponto de vista tomando a direção errada. Acertadamente, afirmou que existem diversos tipos de Lógica. Entretanto, o que ele queria reforçar, como eu já disse acima, era essa experiência mais "fundamental" - no sentido de "primeira" - do homem com o mundo, segundo um aspecto pré-científico... talvez, pré-racional, mas citou Lógicas que caminham num sentido contrário, sendo, por vezes, até menos intuitivas que a Lógica Clássica.
  Sem querer voltar especificamente a esse ponto, gostaria de citar, com algumas alterações, um exemplo interessante do livro de Introdução à Lógica, do César Mortari.
  Lá vai...
  Uma questão interessante diz respeito à correspondência (ou não) do sentido "lógico" da conjunção e do "e", em Português. Considere a sentença: "João pulou do edifício e morreu". Estamos afirmando duas proposições básicas: "João pulou do edifício" e "João morreu". Em termos estritamente lógicos, se A ^ B é verdadeiro, B ^ A também é. Desta forma, "João morreu e pulou do edifício" é tão verdade quanto "João pulou do edifício e morreu". A "tradução" da ideia da conjunção seria a de que "tanto é verdade que João morreu, quanto que pulou do edifício". Mas a interpretação usual é que há uma conexão temporal entra as proposições atômicas originais, o que nos leva a deduzir uma relação de causalidade entre "João pulou do edifício" e "João morreu".
  Foi no sentido posto pela problemática acima que eu afirmei que a causalidade não pertence à Lógica. Ainda que estejamos - conforme concordei com Existenz - tratando de Lógica Clássica, não há como negar que essa relação causal que pertence ao mundo empírico não parece, intuitivamente, ser facilmente transposta para o mundo lógico, mesmo que este esteja sendo considerado de modo bastante fundamental e primeiro, conforme o desejou mostrar o amigo Existenz.
 

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Mesmo ausente...

  Apesar do afastamento forçado - que já está quase no fim -, eu não poderia deixar de registrar o aniversário de uma amiga dos amigos que acompanha o blog há mais tempo, a Maria.
  Então, hoje, temos que comemorar esse aniversário em alto estilo, desejando-lhe as melhores coisas do mundo. Afinal, apesar da distância que nos separa, é possível sentir sua generosidade e carinho para com todos que estão do lado de cá.
  Parabéns, querida amiga!